OAB-Acre: o áudio da prevaricação, o benefício da Lei aos amigos e o rigor dela aos desafetos

Há quem diga que jamais haverá punição ao advogado Ismael Tavares, preso na Operação Boi de Ouro, flagrado em conversas grampeadas, com a devida autorização judicial, suspeito de integrar uma quadrilha que furtava gado no interior do Acre. Tavares foi preso em fevereiro, e obteve em abril sentença favorável da Comarca de Senador Guiomard, para uso obrigatório de tornozeleira eletrônica. Advoga com a obrigação de se recolher às 18 horas, não pode frequentar bares e afins, tampouco deixar o país.

Há um movimento dentro da Ordem muito incomodada com o colegiado que deveria dar respostas à sociedade sobre colegas flagrados em desvio de conduta e, em alguns casos, tratados pela polícia e pelo Judiciário como réus. Eles são tratados como “intocáveis”.  O caso de Tavares é emblemático. Seu advogado, curiosamente, é o presidente do Comitê de Ética da OAB-Acre, Andrias Sarkis, e isso suscita desconfianças de boa parte dos associados sobre a desatenção da entidade ante casos concretos de indisciplina e condutas vedadas.

A OAB decidiu impor sigilo (que não é absoluto) na apuração interna, e mantém ativo o registro profissional de Ismael e de pelo menos outros oito advogados acusados por infrações graves, o que deu margem a críticas que desgastam ainda mais a gestão do presidente Rodrigo Ayache, a quem um grupo de resistentes acusa de propagar impunidade e protecionismo – e em consequência disso causar mácula à instituição, inclusive junto à Associação Brasileira de Advogados e à OAB Nacional. O grupo está denunciando a gestão no Acre junto à OAB nacional e ao Ministério Público Federal.

Outro caso recente, denunciado com exclusividade por este site, envolve o secretário geral Talles Vinícius de Souza Sales (veja AQUI a reportagem completa). Em gravação que publicamos agora (ouça abaixo) o presidente Rodrigo Ayache cita um “combinado” com a então procuradora de Prerrogativas da OAB-Acre, Emanuelli Marques. Na polícia, a mulher denunciou ter sofrido assédio, acusando taxativamente o diretor-geral. O diálogo, gravado, se passa no prédio da instituição, com a presença da vice-presidente, Maria do Socorro, e do próprio acusado.

A ala descontente cita ainda haver omissão no caso do advogado Talles Damasceno Magalhães de Souza, preso no último dia 3 por vazar informações sigilosas a organizações criminosas. O Tribunal de Ética não abriu investigação. Talles, que continua preso, fazia a defesa do traficante Francisco Gleisson de Souza, o “Neném”, apontado pela polícia como o “01 do tráfico na região do Segundo Distrito de Rio Branco”.

O jornalista Matheus Mello, em reportagem investigativa, citou outros casos de advogados que permanecem com registro ativo, muito embora tenham passagem pela polícia. Veja abaixo:

Vania do Nascimento Barros

Ainda em 2022, a advogada Vania do Nascimento Barros foi conduzida à Delegacia de Sena Madureira, interior do Acre, após tentar entregar um celular a um detento no presídio Evaristo de Moraes. Vania responde em liberdade acusada de infringir o artigo 349-A do Código Penal – Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional.

Antônio Djan Melo

Em janeiro do ano passado, o advogado Antônio Djan Melo atropelou 4 pessoas na Avenida Getúlio Vargas, em Rio Branco. Na audiência de custódia, o advogado teve a prisão preventiva decretada. Ele se recusou a fazer teste do bafômetro, porém, a Polícia Militar declarou que o advogado apresentava claros sinais de embriaguez. Duas das quatro pessoas atingidas pelo carro do advogado precisaram de atendimento urgente pela equipe do Samu.

Rodrigo Machado Pereira

No dia 08 de agosto de 2021, a Justiça do Acre expediu o mandado de prisão contra o advogado acreano Rodrigo Machado Pereira. Ele teria descumprido uma medida protetiva dada em favor da ex-esposa. A mulher havia denunciado o advogado após receber uma série de ameaças.

João Figueiredo Guimarães

Um dos casos que mais viralizou nas redes sociais foi o do advogado João Figueiredo Guimarães, de 74 anos.

Em 2021, o advogado foi pego tentando entrar com cartas e documentos que seriam entregues a presos envolvidos em organizações criminosas, no Presídio Francisco de Oliveira Conde.

Além das cartas e documentos, João tentou entrar também com quase meio quilo de drogas. Anteriormente, o advogado já havia tido passagens pela polícia e respondido processo por corrupção de menores em 2009, estupro em 2010 e crime tentado em 2014.

Levi Bezerra de Oliveira e Kamila de Araújo Lopes

Ainda neste ano, em fevereiro, durante a Operação Columba, a Polícia Federal prendeu os advogados Levi Bezerra de Oliveira e Kamila de Araújo Lopes, acusados de agirem como pombo-correios de uma organização criminosa, em Cruzeiro do Sul, interior do Acre.

Segundo as investigações, os dois eram responsáveis por realizar as trocas de informações entre membros da facção que estão dentro dos presídios e os que estão fora.

Todos os registros analisados pela reportagem foram colhidos no site da Organização dos Advogados do Brasil. Os dados são de domínio público e qualquer cidadão brasileiro pode consultá-los.

OAB se contradiz

Mesmo diante de infrações criminais, com ações penais em curso e até suspeitos presos, a OAB não agiu para dar resposta sobre o comprometimento da gestão atual com a ética. Diz, em nota assinada pelo presidente Rodrigo Ayache,, que “a ação de ofício da OAB estaria impedida, uma vez que, na maior parte dos casos, o profissional não utilizou necessariamente sua função de advogado para o suposto cometimento da infração criminal”. A assegura: “independentemente da infração cometida ou da forma como ocorreu o cometimento de determinado crime, é importante fazer a devida diferenciação das ações profissionais e das condutas que ocorrem no âmbito pessoal”.

O argumento, no entanto, é falho. Resta provado que, nos casos citados, os réus e acusados se valeram da prerrogativa de advogado para infringir o Código penal Brasileiro.

Dois pesos, duas medidas

A OAB-Acre, por outro lado, motivada por razões que só o seu presidente poderia explicar, agiu severa e rispidamente, no caso do advogado Maycon Moreira da Silva, penalizado com a suspensão de seu registro profissional, com base num boletim de ocorrência. A defesa insiste na falta de indício de materialidade e autoria de cometimento de suposto assédio sexual. A reportagem apurou que a suposta vítima foi à polícia dois anos ao suposto assédio e, no bojo da defesa, é mencionada como alguém que, estranhamente, deixou a sede de um jornal, onde fez a denúncia,  sorridente, na companhia da presidente de uma comissão de mulheres. Comemorando o que?”, diz a defesa, “uma vez que tudo deve ocorrer sobre sigilo legal e, bem como a própria OAB prega, onde foi parar o sigilo na investigação desse causídico?”.

“Qual vítima de assédio tem vontade ou orgulho de colocar a cara em um jornal para que todo
mundo saiba que ela supostamente foi assediada? Uma conduta no mínimo questionável, uma
vez que aconteceu supostamente há mais de 2 (dois) anos atrás, logo em total ausência de
contemporaneidade”, continua.

“A suposta vítima não tem prova nenhuma, a não ser a sua palavra de forma isolada e totalmente controversa, ao passo que o advogado ora acusado, havendo, tão somente, inquérito policial totalmente na fase
nascedouro. O advogado acusado tem provas materiais – prints de conversa na qual a suposta vítima manda
“xero” pra ele e ele se quer retribui o afago. Maycon chega a indagar “por que a suposta vítima, que diz ter
sofrido tamanha violência manteve contato amigável com o acusado, mesmo após o suposto
fato?”.
E acentua; “os prints do Instagram e WhatsApp são de julho, maio e agosto de 2022, então como
pode uma pessoa que se diz vítima de assédio mandar “xero” para o seu suposto assediador,
após o suposto fato que ocorreu segundo ela em 2020 ? Cabe destacar que, essa senhora era
casada e perdeu o casamento dela por enviar cheiro para este advogado, bem
como, por estar querendo prejudicar uma pessoa que não lhe fez mal algum, a não ser revidar
agressão verbal que ela promoveu de forma injusta na sala de audiência do fórum, fato presenciado por outras pessoas que já foram inclusive ouvidas na OAB/AC e deixaram claro que não houve nenhuma conduta irregular por parte deste advogado Maycon”, diz a defesa.

A suposta vítima está sendo processada nas esferas criminal, cível e administrativamente na OAB.

Porém, até hoje a representação em desfavor dessa advogada nunca  foi julgada, ao passo que a representação dela contra o advogado já ensejou até na sua suspensão.

A defesa de Maycon conclui:

“Como pode um órgão de classe suspender o direito de um advogado trabalhar e
sobreviver sem se quer haver a conclusão do procedimento policial, que até o presente
momento não chegou em conclusão alguma? Onde se encontra o princípio da presunção de
inocência, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, que nós advogados
lutamos todos os dias e que a OAB/AC todos os dias diz que deve ser respeitado? Porque no caso deste causídico que não faz parte da atual gestão ele deve ser pego para “boi de piranha? Testemunhamos um sistema perseguindo um ser humano que está sendo julgado pelo seu jeito de ser, de forma política e sem a existência de qualquer sentença
condenatória”.

 

 

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