Jorge Natal para Oseringal
O saudoso juiz Rivaldo Guimarães, acreano de boa cepa, dizia que o paranaense Sebastião Bocalom, quando chegou ao Acre, esqueceu de “puxar a cordinha” do ônibus e descer lá pelas bandas de Rondônia. Nada contra o próspero estado vizinho e sua gente, mas tudo contra a forma arrogante e a visão colonizadora do político.
Os anos se passaram e ele só conseguiu chegar ao cargo de prefeito, da capital, porque os marqueteiros o esconderam durante a campanha, ou seja, venderam a imagem do “bom velhinho” e do “Boca paz e amor”. Depois, tirou a máscara: mandou espancar garis; na calada da noite, removeu comerciantes sem qualquer aviso prévio; cooptou vereadores; criou um trem da alegria; distribuiu cargos para os seus apaniguados, mesmo sendo inaptos; e chutou na bunda de aliados.
O resultado de tudo isso está nas pesquisas: o mesmo percentual de apoio popular, que quase o fez ganhar no primeiro, é o mesmo que ele amarga de rejeição. Quanto à sucessão, quase não atinge dois dígitos entre os possíveis prefeituráveis. É, velho Boca, aqui se faz, aqui se paga.
Sabedor dessa iminente derrocada, o matreiro alcaide já está montando outro plano, nada republicano, desta feita visando às eleições de 2026. Fez os vereadores aprovarem um crédito orçamentário suplementar, que, pelo volume dos recursos destinados à Associação dos Municípios do Acre (Amac), desconfia-se que o erário pode ir para a articulação de uma candidatura dele ao Senado. A palavra é com você, TCE!
Para falar disso e principalmente sobre o descaso da prefeitura com a zona rural, a reportagem foi à sede do Sindicato dos Extrativistas e Trabalhadores Assemelhados de Rio Branco (Sinpasa) e conversou com o seu presidente, Josimar Ferreira, e com a secretária-geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Lisiane Pedrosa. Ambos, de 50 e 45 anos, respectivamente, estão numa verdadeira cruzada para desmascarar o principal bordão do prefeito, o malfadado “produzir para empregar”. Vejam os principais trechos da entrevista:
O Seringal – O que é ser agricultor?
Josimar – É um grande desafio. Primeiro porque ainda não temos uma cultura empreendedora no campo. Segundo, referindo-se a Rio Branco, onde atuamos, estamos abandonados à própria sorte. A Pasta responsável pelas políticas públicas, a Seagro, não cumpre o seu papel. A Seagri (Secretaria Estadual de Agricultura) está muito voltada para os médios e grandes produtores. Somos pequenos agricultores familiares. Tai o motivo de o Acre praticamente importar quase todo o alimento que consome. Além disso, falta saúde e educação. Esses dois serviços são deficitários e em algumas comunidades sequer existem.
O Seringal – O senhor pode citar pode citar alguns exemplos?
Josimar – Na estrada Transacreana, Ramal da União, Comunidade Berimbeu, existe uma família onde três gerações, e agora entrando na quarta, formadas por analfabetos. Um senhor me disse: ainda tenho a esperança de aprender a ler e assinar o meu nome. Isso é muito grave e triste ao mesmo tempo. No Seringal São Francisco do Iracema, também na Transacreana, existe uma escola abandonada e as crianças estão sem aula. Isso está acontecendo dentro do município de Rio Branco.
O Seringal – Como é a saúde na zona rural
Lusiane – A saúde na zona rural é inexistente. E a saúde da mulher? Pior ainda. Quando ela adoece, vem para a cidade e às vezes volta sem ser atendida. Elas não são prioridade. E, no caso de problemas ginecológicos, por exemplo, somos atendidas por clínicos gerais. A unidade de saúde até existe, mas faltam acolhimentos, médicos especialistas, equipamentos modernos e celeridade na resolução dos problemas.
O Seringal – É possível morar no campo, sobreviver da agricultura familiar e ter qualidade de vida?
Lusiane – Por que não conseguimos avançar e dentro da política de sustentabilidade? Porque não existe mercado, nem produção para formar agroindústrias das cadeias produtivas vocacionais. Do jeito que está, é impossível viver com dignidade no campo. O apoio é só para o agronegócio, particularmente para a soja e o milho em grande escala. Não existe mecanização, não tem calcário, não tem assistência técnica, não tem garantia da produção. Essa distribuição de calcário da Seagro é criminosa. Esse prefeito trabalha só para grupos. A manutenção do homem no campo reduziria o desemprego e a violência nas cidades, além de gerar renda. Infelizmente não existe uma política de estado para a agricultura familiar.
O Seringal – O senhor diz que a Seagro não cumpre o papel dela. Por que?
Josimar – Para começar, falta competência do secretário e da sua equipe. Também falta compromisso com os agricultores. Esse produzir para empregar é uma grande mentira. Eu quero um único exemplo de uma ação positiva da Seagro. Do meu conhecimento, não existem projetos que chegaram ou modificaram a vida dos pequenos agricultores. O Bocalom e esse discurso dele são duas farsas.
O Seringal – Existe corrupção na Seagro?
Lusiane – O Bocalom dizia: se não roubar, o dinheiro dá. Ele botou R$ 58 milhões na Seagro. É uma quantia considerável, portanto, se não roubarem talvez chegue alguma coisa para os agricultores. Não sabemos onde está sendo aplicado esse recurso. O serviço de infraestrutura, aquele tal de ramal da dignidade, é uma vergonha. Estão fazendo um serviço de péssima qualidade. Contra fatos não há argumentos: três servidores, da direção de ramais, foram demitidos por receberem propina e desviarem combustíveis. Mesmo com o desastre administrativo e a corrupção, a Câmara de Vereadores é omissa.
O Seringal – Como se revolve o problema da regularização fundiária?
Lusiane – A nossa principal bandeira de luta sempre foi a posse da terra e a reforma agrária. Agora também incluímos a regularização fundiária. Esse documento assegura uma série de direitos, inclusive o financiamento e a aposentadoria. Como isso beneficia os pequenos agricultores, não há interesse do poder público. Como se revolve? Para começar botando o Iteracre para funcionar. Essa será a nossa principal bandeira no próximo Grito da Terra Brasil.
O Seringal – O senhor acredita na agroindústria?
Josimar – É a política mais adequada para gerar desenvolvimento e distribuição de renda. Por que? Porque envolve as três cadeias produtivas (agricultura, indústria e comércio). Imaginemos que vários produtores estejam plantando café. Aí já começa a gerar emprego na lavoura. Depois, ele é beneficiado pela indústria de torrefação e empacotamento. Por fim é vendido gerando divisas. Temos culturas vocacionais como a mandioca, a banana, o açaí e o cupuaçu. Se a gente industrializasse só esses produtos, o Acre seria rico, pois possuem alta aceitação e valor no mercado.