sexta-feira, julho 26, 2024

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Entrevista com Lenine Alencar: a caótica Fundação Elias Mansour e o retrocesso da Cultura no Acre

Por Jorge Natal

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jorge Natal

Especial para Oseringal

Que o “artista tem de ir aonde o povo está” é até de fácil compreensão. Mas para que serve a arte? E qual é a alma do artista. A partir dessa afirmação e das indagações, mergulhamos um pouquinho no oceano da arte acreana para tentar entender o que aconteceu nas últimas décadas e o que está acontecendo nos dias atuais.

Por que tínhamos músicos com a qualidade de um Da Costa, Tião Natureza ou Osmate Duque? Por que existiam tantos festivais de músicas, onde constantemente se revelavam talentos? Como o saudoso teatrólogo, Beto Rocha, conseguiu fazer espetáculos com a qualidade de “História de Quirá e “Lendas do Contato”?

Para responder a essas e outras perguntas, a reportagem foi até o “Bar do Moca”, no Conjunto Solar, e encontrou o Lenine Alencar, de 59 anos. Presidente da Federação Acreana de Teatro (Fetacre) pela quinta vez consecutiva, estreou no fim dos anos 70, no Theatro Horta, no Bairro Estação Experimental. “E ainda não cansei”, disse o ator, que, além de ser respeitado pela classe artística, é um dos principais ativistas do movimento.

Veja a entrevista:

O Seringal – O Acre é a terra “do que já teve”? Por que a arte acreana também entrou em declínio?
Lenine Alencar – É complicado dizer que não tem cultura no Acre. As manifestações artísticas continuam. Talvez em menor quantidade. É da natureza da cultura ela se manifestar. Estamos vivendo outros tempos. Nas décadas de 70 e 80 a até 90, vivíamos uma fase repressiva e da ausência de políticas públicas para o setor. O que temos hoje, destacadamente os espaços, foi fruto de muita reivindicação e luta. É um processo evolutivo. E aí é que não podemos retroceder. E a gente retrocedeu em muitas coisas. Por que? Por causa das políticas de Estado. Até os espaços estão fechados ou sucateados. Políticas públicas para a cultura não é institucionalizar. O movimento artístico é livre e independente. Os gestores da cultura, por exemplo, gostariam de ter um grupo de teatro trabalhando para eles. Mas nem para isso têm competência.

O Seringal – Qual é a política cultural da Fundação Elias Mansuor (FEM)?
Lenine Alencar – Nenhuma. Não existe, na FEM, uma política cultural para o Estado do Acre. Eles dizem: “Reformamos tal espaço e agora vocês podem vir”. Os espaços já são patrimônios e precisam apenas ser mantidos. Nem isso os gestores fazem, ou seja, eles são mal cuidados. O Fundo Estadual de Cultura é de R$ 3 milhões de reais, mas esse recurso não é todo investido em projetos culturais. Para os fazedores de cultura é apenas RS 1,7 milhão. É muito pouco. Por determinação de lei federal, seria em torno de R$ 5 ou 6 milhões. Mas o estado nunca cumpriu. Essa é a única política cultural deles.

O Seringal – É possível montar um espetáculo teatral no Acre?
Lenine Alencar – Se você não me der nada, eu monto. Se você me der R$ 10 ou 50 mil, eu monto. Se você me der 1 milhão, eu faço uma ópera. Essa é a lógica do processo. O espetáculo tem que ser pensado para qual público ele quer atingir.

O Seringal – Por que esse desprezo do poder público com a arte?
Lenine Alencar – Realmente o estado nos nega os espaços de participação. Ele corroeu o movimento cultural por dentro. Somos a resistência a tudo isso que o poder público entende que é cultura. Não dá para o secretário estadual do setor querer fazer um espetáculo no meio dos artistas. Nós fazemos o processo criativo e crítico. Os gestores não têm essa função nem sabem fazer isso. Não vamos permitir que usem os espaços para promoção pessoal e política. Não tente ser mais artista do que a gente porque você não vai conseguir.

O Seringal – O que está acontecendo na Fundação Garibaldi Brasil (FGB)?
Lenine Alencar – A FGB tomou um caminho errado e perigoso. Mas eu acho que essa tentativa falhou. Não há propósitos e sequer diálogo no município. Não existe inteligência ou entendimento do que é cultural ali. Além de destratar o movimento, o presidente ainda apresenta dados falsos. Ele, que deveria admitir os seus equívocos, ataca o Conselho Municipal de Cultural. Os recursos não são deles, mas da sociedade. E deu merda. Fomos nós que denunciamos. Chegou à Câmara Municipal por causa da gente. Até o líder do prefeito ficou estarrecido com o que aconteceu no processo licitatório. Tem favorecimentos, erros grosseiros, falsificação de documentos, dentre outras aberrações. Eles tentaram beneficiar alguém.

O Seringal – O que é alma de artista?
Lenine Alencar – Talvez eu não saiba definir, mas, com certeza, é ela que escolhe o artista. Já está na sua essência. Creio que a alma do artista esteja na sua identidade. A arte serve para o ser humano expressar seus pensamentos, seus valores, costumes e realidades. É incorporação e recriação e, por isso e por muitas outras coisas, torna-se imprescindível para a humanidade. A arte é a própria alma do artista.

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