‘A dengue está se expandindo muito antes e mais depressa do que o esperado’, diz virologista

Veterano do combate das epidemias de dengue no Brasil, Amílcar Tanuri, professor titular de virologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), alerta que o diagnóstico correto continua a ser um dos pontos mais críticos, a despeito de novos testes-rápidos. Coordenador do Laboratório de Virologia Molecular e integrante do Núcleo de Enfretamento e Estudos de Doenças Infecciosas Emergentes e Reemergentes (Needier) da UFRJ, ele adverte que as vacinas são importantes, mas não devem estar disponíveis em número suficiente este ano para promover impacto significativo. Treinamento de equipes de saúde, porém, pode fazer diferença positiva.

A comunidade científica e a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertaram seguidas vezes ao longo do ano passado para o risco de uma epidemia de dengue neste verão. Há alguma surpresa?

Nenhuma. Tudo está favorável para o mosquito. Vivemos um clichê da crônica da epidemia anunciada. O cenário estava montado e o mosquito e o vírus seguiram o roteiro. A novidade é que a dengue está se expandindo muito antes e mais depressa do que o esperado. O número de casos está precocemente ascendente.

Um crescimento da magnitude vista agora costuma ocorrer em março, abril. Isso pode ter consequências sérias. Os casos poderão superar um milhão depressa. O mosquito está ganhando. Ele se beneficia enormemente da falta de saneamento e da combinação de temperaturas elevadas e chuva. O saneamento precário há décadas é uma emergência não resolvida. E pense também nas milhões de caixas d’água destampadas, nas lajes não limpas Brasil afora. A população precisa fazer a parte dela, mas o poder público também.

Há ainda uma outra coisa que chama atenção.

O que?

Precisamos acompanhar com muita atenção a disseminação da dengue 2. Por enquanto, o vírus 1 domina. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, de cada três casos, dois são de vírus 1. Mas o 2 está subindo pelo país e ele é associado a uma maior frequência de quadros mais graves. Isso é outro sinal de alerta.

Como o senhor avalia o diagnóstico?

 

O diagnóstico é um ponto crítico e tem que melhorar. Temos os testes rápidos, mas o problema é que nem sempre quem está na ponta do atendimento sabe interpretar os resultados. Além disso, como a população brasileira foi intensamente exposta aos vírus da dengue podem acontecer muitos casos de falso positivo e falso negativo.

Como isso acontece?

 

Algumas pessoas que tenham sido expostas ao vírus recentemente podem ter anticorpos e não estarem com dengue. O teste dará um falso positivo. O problema é que se procuraram assistência médica é porque estão doentes e a verdadeira causa de seu problema pode não ser identificada e levar até a um agravamento de caso por falta de tratamento adequado.

E o falso negativo?

 

Ele também pode ocorrer porque o sistema imunológico de algumas pessoas não reconhece o antígeno (proteína do vírus usada para causar uma reação detectável no teste). O problema do falso negativo é que a pessoa deixa de receber o tratamento para a dengue e isso pode levar ao agravamento. O tratamento com hidratação oral ou intravenosa (a escolha depende do grau de severidade da doença) é muito simples e extremamente eficiente, se ministrado a tempo.

Outros vírus transmitidos pelo Aedes aegypti, como zika e chicungunha, também estão circulação, embora em menor escala. Isso também dificulta o diagnóstico, não?

Sim, isso traz uma dificuldade a mais para os profissionais de saúde. Os sintomas clínicos são muito semelhantes. Por isso, treinamento é fundamental. No Needier temos trabalho nesse sentido, de treinar o pessoal que atende na ponta. Já que muitas vezes não se consegue evitar, é fundamental garantir o tratamento adequado. E ele é muito simples, a base é hidratação.

E o que poderia melhorar?

 

Testes moleculares rápidos, simples e baratos, que possam ser usados nas unidades de pronto-atendimento podem fazer grande diferença positiva. Um teste assim tem capacidade de identificar os vírus da dengue com segurança. O problema é que ainda não existem testes rápidos moleculares para a dengue. Mas há alguns em teste. Nós mesmos estamos avaliando um teste desses no Needier. Mas eles não devem chegar a tempo desta epidemia. Mas é fundamental termos já neste ou no próximo ano.

Toda a questão é que o número de doses é limitado e não sei se será suficiente para impactar significativamente no controle da epidemia. Inclusive, a vacina do Butantan não ficará disponível este ano e a japonesa Qdenga também não deverá suprir toda a demanda. Há ainda outras questões

Quais?

 

Tanto a vacina Qdenga quanto a do Butantan têm dados muito fortes de sua eficácia contra os vírus 1 e 2 da dengue, os que estão em circulação agora. Mas, precisamos saber como se comportarão em epidemias com os vírus 3 e 4, pois elas foram avaliadas sem que eles estivessem circulando.

E a liberação de aedes infectados pela bactéria Wolbachia (que inibe a multiplicação dos vírus da dengue, zika, febre amarela e chicungunha no mosquito)?

É uma boa estratégia, pode ajudar muito, mas não vai resolver sozinha. Temos que acompanhar lugares como Ilha do Governador e Niterói, onde houve liberação de aedes com Wolbachia, para avaliar o impacto.

E os mosquitos transgênicos?

Também são uma medida potencialmente importante. Mas igualmente é necessário acompanhar as liberações já feitas.

O Globo

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