A comunidade científica e a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertaram seguidas vezes ao longo do ano passado para o risco de uma epidemia de dengue neste verão. Há alguma surpresa?
Nenhuma. Tudo está favorável para o mosquito. Vivemos um clichê da crônica da epidemia anunciada. O cenário estava montado e o mosquito e o vírus seguiram o roteiro. A novidade é que a dengue está se expandindo muito antes e mais depressa do que o esperado. O número de casos está precocemente ascendente.
Um crescimento da magnitude vista agora costuma ocorrer em março, abril. Isso pode ter consequências sérias. Os casos poderão superar um milhão depressa. O mosquito está ganhando. Ele se beneficia enormemente da falta de saneamento e da combinação de temperaturas elevadas e chuva. O saneamento precário há décadas é uma emergência não resolvida. E pense também nas milhões de caixas d’água destampadas, nas lajes não limpas Brasil afora. A população precisa fazer a parte dela, mas o poder público também.
Há ainda uma outra coisa que chama atenção.
O que?
Precisamos acompanhar com muita atenção a disseminação da dengue 2. Por enquanto, o vírus 1 domina. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, de cada três casos, dois são de vírus 1. Mas o 2 está subindo pelo país e ele é associado a uma maior frequência de quadros mais graves. Isso é outro sinal de alerta.
Como o senhor avalia o diagnóstico?
O diagnóstico é um ponto crítico e tem que melhorar. Temos os testes rápidos, mas o problema é que nem sempre quem está na ponta do atendimento sabe interpretar os resultados. Além disso, como a população brasileira foi intensamente exposta aos vírus da dengue podem acontecer muitos casos de falso positivo e falso negativo.
Algumas pessoas que tenham sido expostas ao vírus recentemente podem ter anticorpos e não estarem com dengue. O teste dará um falso positivo. O problema é que se procuraram assistência médica é porque estão doentes e a verdadeira causa de seu problema pode não ser identificada e levar até a um agravamento de caso por falta de tratamento adequado.
Ele também pode ocorrer porque o sistema imunológico de algumas pessoas não reconhece o antígeno (proteína do vírus usada para causar uma reação detectável no teste). O problema do falso negativo é que a pessoa deixa de receber o tratamento para a dengue e isso pode levar ao agravamento. O tratamento com hidratação oral ou intravenosa (a escolha depende do grau de severidade da doença) é muito simples e extremamente eficiente, se ministrado a tempo.
Outros vírus transmitidos pelo Aedes aegypti, como zika e chicungunha, também estão circulação, embora em menor escala. Isso também dificulta o diagnóstico, não?
Sim, isso traz uma dificuldade a mais para os profissionais de saúde. Os sintomas clínicos são muito semelhantes. Por isso, treinamento é fundamental. No Needier temos trabalho nesse sentido, de treinar o pessoal que atende na ponta. Já que muitas vezes não se consegue evitar, é fundamental garantir o tratamento adequado. E ele é muito simples, a base é hidratação.
E o que poderia melhorar?
Testes moleculares rápidos, simples e baratos, que possam ser usados nas unidades de pronto-atendimento podem fazer grande diferença positiva. Um teste assim tem capacidade de identificar os vírus da dengue com segurança. O problema é que ainda não existem testes rápidos moleculares para a dengue. Mas há alguns em teste. Nós mesmos estamos avaliando um teste desses no Needier. Mas eles não devem chegar a tempo desta epidemia. Mas é fundamental termos já neste ou no próximo ano.
E a seu ver, como está a vacinação?
Toda a questão é que o número de doses é limitado e não sei se será suficiente para impactar significativamente no controle da epidemia. Inclusive, a vacina do Butantan não ficará disponível este ano e a japonesa Qdenga também não deverá suprir toda a demanda. Há ainda outras questões
Tanto a vacina Qdenga quanto a do Butantan têm dados muito fortes de sua eficácia contra os vírus 1 e 2 da dengue, os que estão em circulação agora. Mas, precisamos saber como se comportarão em epidemias com os vírus 3 e 4, pois elas foram avaliadas sem que eles estivessem circulando.
E a liberação de aedes infectados pela bactéria Wolbachia (que inibe a multiplicação dos vírus da dengue, zika, febre amarela e chicungunha no mosquito)?
É uma boa estratégia, pode ajudar muito, mas não vai resolver sozinha. Temos que acompanhar lugares como Ilha do Governador e Niterói, onde houve liberação de aedes com Wolbachia, para avaliar o impacto.
E os mosquitos transgênicos?
Também são uma medida potencialmente importante. Mas igualmente é necessário acompanhar as liberações já feitas.