O Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento para verificar a adequada atuação policial em casos que envolvem a ayahuasca – bebida tradicional utilizada com fins religiosos, especialmente por indígenas da Amazônia. O objetivo é assegurar que as ações investigativas da polícia respeitem o uso religioso da substância, considerado legítimo no Brasil, em respeito a normas nacionais e internacionais. Dessa forma, o consumo e o transporte da ayahuasca apenas devem ser considerados ilegais em casos em que for comprovada a utilização da bebida para fins não religiosos.
O procurador da República Lucas Costa Almeida Dias cita que diversos atos estatais indicam o reconhecimento do Estado à legitimidade das práticas relacionadas à utilização da ayahuasca em contexto religioso. Entre eles, está a Lei 3.399/2018 do estado do Acre, que institui o dia 24 de novembro como o Dia Estadual da Cultura Ayahuasqueira. No entando, a prática religiosa estaria sendo ignorada por parte de alguns agentes de segurança pública. Esses equívocos ocorrem por causa da presença de substância psicoativa na composição da bebida.
Com isso, o MPF entendeu necessário abrir procedimento para averiguar a atuação nesses casos. No despacho que instaurou a apuração, o procurador da República determinou a expedição de ofícios às Polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF), solicitando o envio de cópias das ocorrências que envolvem o consumo, a produção e o transporte de ayahuasca nos últimos três anos. Além disso, o procurador questiona se, durante as investigações, foram adotadas providências para averiguar a finalidade religiosa das condutas, incluindo a realização de perícias antropológicas ou sociológicas.
O MPF também quer que a PF e a PRF informem se a legalidade do uso da ayahuasca para fins religiosos é abordada nas atividades de capacitação dos agentes policiais, durante curso de formação ou em outras atividades. O órgão questiona, ainda, se há orientações formais sobre procedimentos a serem adotados pelos agentes e autoridades policiais em casos relacionados ao consumo e transporte da bebida.
Em outro ofício, o MPF pede que o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) informe se desenvolve alguma atividade destinada à orientação dos órgãos de segurança pública sobre o adequado tratamento de casos relacionados à ayahuasca. O MPF ainda encaminhou ofício à Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras da Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil informando sobre a abertura do procedimento e dando oportunidade para que a Câmara encaminhe informações que considere pertinentes.
Patrimônio – Desde 2008, tramita no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) o processo de registro do uso ritual da ayahuasca como bem cultural de natureza imaterial da cultura brasileira. A bebida é adotada por vários grupos religiosos no Brasil, como o Centro de Iluminação Cristã Luz Universal Alto Santo – de onde se originou a denominada Doutrina do Santo Daime – e as comunidades conhecidas como Barquinhas e a União do Vegetal. A ayahuasca tem importância especial nos estados amazônicos do Brasil, em particular no Acre e em Rondônia.