Vídeos com títulos apelativos, que anunciam uma suposta “prisão” do ex-presidente Jair Bolsonaro ou uma “traição” da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro sem qualquer comprovação, são o carro-chefe de desinformação adotado por influenciadores de esquerda numa batalha virtual em apoio ao governo Lula. A estratégia — que repete táticas usadas por youtubers bolsonaristas e pelo deputado federal André Janones (Avante-MG) na campanha de Lula em 2022 — se desenrola na atual gestão com a simpatia de setores do PT. Lideranças do partido são próximas e chegam a incentivar comunicadores adeptos de fake news.
Um dos influenciadores mais proeminentes nesta bolha, Thiago dos Reis, conhecido como “Thiago Resiste”, chegou a se reunir em março de 2022 com o presidente Lula, à época pré-candidato ao Planalto. Outro youtuber com destaque na esquerda, Ronny Teles participou de uma reunião de Lula e influenciadores na pré-campanha, transmitida pelos canais oficiais do PT.
Ambos recorrem a desinformação para se alavancar nas redes. Thiago foca na família Bolsonaro, por meio de títulos como “Surge foto de Michelle beijando outro homem!! Fúria do imbrochável”. Os vídeos costumam contradizer ou modular o próprio título. No caso citado, Thiago alega que está apenas “mostrando fotos” sem insinuar nada. O youtuber afirmou ainda que “os títulos visam chamar a atenção para que as pessoas assistam ao conteúdo”, que alega ser “embasado por alguma fonte”.
Caça-clique
Ronny, por sua vez, publicou em abril trecho de um comício de Bolsonaro, com uma legenda sobre “admissão” da competência de Lula. O ex-presidente, contudo, não se refere ao petista. Procurado, ele afirmou que no X costuma fazer piadas e reconheceu que a informação estava incorreta.
“A ideia é produzir títulos mais sensacionalistas que vão estimular o clique e não necessariamente atender o conteúdo do vídeo. A direita conseguiu se organizar nessas estratégias e a esquerda tenta acompanhar”, avalia Letícia Capone, do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio.
Outro canal no Youtube que segue este modelo é o Plantão Político, de Adalberto Fogaça. Após a passagem da cantora Madonna pelo Brasil, Fogaça publicou vídeo afirmando que a cantora “respondeu” ao pastor Silas Malafaia, que é aliado de Bolsonaro. A suposta resposta, na verdade, teria sido uma doação de R$ 10 milhões para o Rio Grande do Sul, o que também foi desmentido por agências de checagem.
No fim de maio, Carlito Neto, do canal “O Historiador”, postou vídeo com o título: “A caminho da prisão Carla Zambelli recebe recado de Bolsonaro ‘Pra mim ela nem existe’”. O conteúdo do vídeo, porém, trata da decisão do Supremo Tribunal Federal de tornar a deputada bolsonarista e o hacker Walter Delgatti Neto réus pela invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Carlito, que entrevistou Lula com outros 12 youtubers em 2022, diz ainda, na postagem, que ela foi abandonada pelo ex-presidente. Procurado, ele disse produzir conteúdo com responsabilidade e criticou influenciadores que fazem títulos apelativos.
Embora sejam filiados ao PT, Ronny e Thiago negam a existência de uma articulação formal do partido com influenciadores de esquerda. Eles afirmam, porém, manter diálogo com a presidente nacional da sigla, Gleisi Hoffmann.
Grupo de zap
No início do ano, Thiago e Ronny figuraram entre as lideranças do coletivo “Militância Raiz”, que busca articular “comunicadores de esquerda” e formar grupos de WhatsApp “muito maiores do que os bolsonaristas”. Embora nem todos recorram à desinformação, há uma tentativa de apoio mútuo. O influenciador Lázaro Rosa, por exemplo, que faz parte do grupo, já divulgou vídeos de Ronny.
O secretário nacional de Comunicação do PT, Jilmar Tatto, negou que o partido faça qualquer “organização de influenciadores” e criticou a disseminação de fake news: “Não podemos usar os mesmos instrumentos do adversário. Tem gente que não concorda, quer retribuir chute na canela com a mesma moeda, mas isso não é a orientação”.
Em nota, a Secretaria de Comunicação da Presidência afirmou que “não mantém vínculos ou parcerias pagas com influenciadores” e que “não há ação articulada para o disparo de conteúdos de criadores independentes”.