Em 2015, a faxineira Cláudia Espíndola, 44, recebeu dois diagnósticos simultâneos, mas que trouxeram emoções completamente opostas. Por um lado, ela descobriu que estava com câncer de mama em estágio 4, o mais agressivo, e passou a conviver constantemente com o medo de morrer. Porém, durante o tratamento, Cláudia ficou grávida de seu segundo filho e, com a gestação, veio uma urgência cada vez maior de viver.
O caso dela, assim como o da influenciadora Isabel Veloso, 18, representa a rara dicotomia de viver a gestação durante o tratamento do câncer. A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) estimou em 2023 que uma a cada 3 mil mulheres grávidas no Brasil lidaram com tumores na mama durante a gravidez — este é o tipo de neoplasia mais comum entre as gestantes.
No caso de Cláudia, viver na corda bamba de diagnósticos gerou uma angústia difícil de equilibrar. “Acabei desenvolvendo síndrome do pânico, não conseguia dormir de jeito nenhum. Andava pela casa, ficava agoniada e tinha medo de ficar sozinha”, lembra.
Apesar de tudo, ela afirma que a gestação foi uma fonte de energias para continuar o tratamento. “Ficar grávida me deu forças para seguir. Pensava muito no meu filho. Tinha medo, claro, mas pedia a Deus para ser forte para que ele viesse ao mundo bem. E veio”, conta.
O câncer de mama junto com a gestação
Cláudia descobriu o câncer de mama em 2015 após sentir um nódulo palpável em seu seio esquerdo. Então com 35 anos, ela foi informada que o tumor estava em estágio avançado e demandaria um tratamento em três partes: uma cirurgia para a retirada do nódulo, sessões de quimioterapia e depois de radioterapia para matar células cancerígenas que já tinham se espalhado pelo corpo.
A cirurgia foi marcada às pressas e um quarto da mama foi retirada na operação. Na época da cirurgia, Cláudia já estava grávida, mas ninguém, nem ela, sabia.
“Durante o pós operatório, comecei a sentir dores nos seios. Foi um sinal de alerta para mim e voltei correndo na minha médica. Ela fez novos exames e viu que tinha dado tudo certo na cirurgia e me perguntou: ‘Será que você não está grávida?’ Fizemos o teste e veio a notícia que o Vyctor estava na minha barriga. Já foi um baque saber que estava com câncer, imagina descobrir que estava grávida junto”, recorda.
A surpresa veio acompanhada de muitas angústias. O bebê precisava ter no mínimo 15 semanas para que Cláudia pudesse começar as sessões de quimioterapia. O exame indicou que ele tinha exatamente 14 semanas e 6 dias, o que permitiria que o tratamento seguisse como planejado.
Como funciona o tratamento para o câncer na gestação?
O tratamento do câncer de mama durante a gestação exige uma série de restrições. Para proteger a saúde e o desenvolvimento do feto, a radioterapia não pode ser usada em gestantes, assim como os remédios de terapia hormonal, que costumam ser um braço do tratamento contra tumores na mama. Os medicamentos imunoterápicos e outras terapias alvo, muito usados contra tumores mais agressivos, também não podem ser administrados durante a gravidez.
Mas isso não quer dizer que o tratamento deve ser totalmente interrompido durante a gestação. “A quimioterapia é evitada no primeiro trimestre, mas alguns medicamentos podem ser usados com segurança do segundo trimestre em diante. O ideal é ter acompanhamento obstétrico durante todo o tratamento: se a quimioterapia é realizada, há risco da diminuição do líquido amniótico, baixo peso do feto e antecipação do trabalho de parto. Geralmente, se evita a dose de quimioterapia muito próxima ao parto, pelo risco da baixa dos glóbulos brancos.”, explica o oncologista Ricardo Caponero, do comitê científico da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama).
A volta por cima
Embora a gestação e as medicações para o câncer tenham o enjoo e a indisposição como um fator em comum, Cláudia garante que não sentiu muito mal-estar durante a gravidez. “Graças a Deus, não tive muito enjoo, só nas primeiras sessões. O que mais de dificultou foi a síndrome do pânico, passei a gestação toda com medo. Nem sei como seria se não tivesse meu filho mais velho, que tinha 14 anos na época, e minha família me apoiando integralmente nesse período”, lembra.
A oncologista Ana Carolina Salles, da Oncologia D’Or, explica que a rede de apoio para mulheres que tiveram câncer durante a gestação é fundamental para as pacientes. “A mulher que passa por um câncer na gestação precisa de cuidado psicológico e receber as informações precisas, passadas de uma forma humanizada, para o melhor enfrentamento da doença”, explica.
A gestação de Cláudia foi acompanhada por exames mensais. Um mês antes do parto, as sessões de quimioterapia acabaram. Embora houvesse a indicação de cesárea pelo risco de complicações, o parto foi normal e sem problemas, meia hora depois que ela chegou ao hospital.
Assim que o bebê nasceu, Cláudia entrou na fila para fazer as sessões de radioterapia. “Eu sabia que não teria como amamentar, mas saber que meu leite não faria bem a ele foi muito ruim. Queria muito amamentar, a minha experiência anterior, com o Antonio, tinha sido muito boa. Mas, foi o necessário para terminar meu tratamento”, lembra.
Mesmo com tanta emoção, o tratamento de Cláudia foi considerado um sucesso e ela não voltou a ter nódulos. Os médicos consideram que ela está em remissão há mais de sete anos. “Finalmente, estamos bem. Está tudo bem”, diz.
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Fonte: Metrópoles