Em decisão histórica proferida pela 3ª turma do STJ no julgamento do REsp 2.126.466/SP, ficou determinado que as operadoras de planos de saúde devem cobrir o fornecimento de bombas de insulina para pacientes com diabetes tipo 1, desde que comprovada a necessidade médica. O julgamento, relatado pela ministra Nancy Andrighi, reafirma o compromisso do Judiciário em assegurar direitos essenciais aos consumidores hipossuficientes.
O caso em análise
O REsp envolvia uma menor de idade diagnosticada com diabetes tipo 1, condição que exige controle rigoroso dos níveis de glicose no sangue para prevenir complicações graves. Apesar de seguir o tratamento convencional com injeções de insulina, a paciente continuava a apresentar descontrole glicêmico, o que motivou seu médico a prescrever o uso de uma bomba de insulina.
A operadora do plano de saúde, no entanto, negou a cobertura do equipamento, alegando que ele seria uma órtese não relacionada a ato cirúrgico e um dispositivo de uso domiciliar, ambos excluídos da cobertura obrigatória prevista na lei 9.656/98. Diante da negativa, a família ingressou com uma ação judicial.
A decisão do STJ
A ministra Nancy Andrighi destacou que o uso de bombas de insulina é respaldado por evidências científicas e diretrizes médicas, que demonstram seus benefícios para pacientes com diabetes tipo 1, especialmente naqueles que apresentam dificuldade em controlar a glicose com as terapias tradicionais.
A decisão abordou questões técnicas e jurídicas fundamentais:
1. Classificação do equipamento pela Anvisa
A Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária classifica a bomba de insulina como um “produto para saúde” ou “dispositivo médico”, diferenciando-o de medicamentos ou órteses. Esse entendimento foi essencial para afastar a alegação da operadora de saúde de que o dispositivo estaria excluído da cobertura obrigatória, já que não se enquadra como prótese ou medicamento domiciliar.
2. Rol da ANS como referência básica
Embora a bomba de insulina não esteja listada no rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, o STJ reforçou que o rol deve ser interpretado como uma “referência básica”, e não como uma lista taxativa. Desde a entrada em vigor da lei 14.454/22, é possível exigir a cobertura de tratamentos fora do rol, desde que sejam prescritos por um médico, tenham evidências científicas comprovadas e sejam reconhecidos por órgãos técnicos.
3. Benefícios clínicos comprovados
A decisão também considerou estudos apresentados por instituições médicas e científicas, que apontam a eficácia da bomba de insulina. Entre os benefícios estão:
Melhor controle glicêmico.
Redução de episódios de hipoglicemia grave.
Diminuição do risco de complicações a longo prazo.
Maior conforto e qualidade de vida para o paciente, uma vez que o dispositivo elimina a necessidade de múltiplas injeções diárias.
Essas evidências foram corroboradas por pareceres da Sociedade Brasileira de Diabetes e estudos apresentados por amici curiae (amigos da corte), como o Instituto Diabetes Brasil.
Aspectos jurídicos relevantes
A decisão destacou a aplicação do CDC nos contratos de planos de saúde. Cláusulas que excluem a cobertura de tratamentos fundamentais são consideradas abusivas, especialmente em situações que colocam em risco a saúde ou a vida do paciente.
Além disso, a ministra Nancy Andrighi enfatizou que tratamentos como o uso da bomba de insulina não apenas beneficiam os pacientes, mas também podem gerar economia para os planos de saúde, ao prevenir internações e complicações graves associadas ao diabetes.
Impacto da decisão
A decisão do STJ representa um marco na jurisprudência sobre a cobertura de tratamentos de saúde. Ela sinaliza que o avanço da ciência médica e as necessidades individuais dos pacientes devem prevalecer sobre interpretações rígidas de contratos de planos de saúde.
Além disso, a decisão pode abrir precedentes para que outros tratamentos modernos e não contemplados no rol da ANS sejam garantidos judicialmente, ampliando o acesso dos pacientes a tecnologias que melhorem sua qualidade de vida.
Repercussões na sociedade e no Direito
A decisão do STJ traz impactos significativos tanto para a sociedade quanto para o ordenamento jurídico brasileiro. No âmbito social, ela representa um avanço na proteção dos direitos de pacientes com doenças crônicas, como o diabetes tipo 1, que frequentemente enfrentam barreiras para acessar tratamentos modernos e eficazes. A bomba de insulina, além de melhorar o controle glicêmico, contribui para uma melhor qualidade de vida dos pacientes, reduzindo complicações graves e promovendo sua inclusão em atividades do cotidiano com mais segurança e autonomia.
Do ponto de vista jurídico, a decisão fortalece a interpretação do rol da ANS como uma referência básica, acompanhando a evolução legislativa e as demandas da sociedade por tratamentos mais personalizados. Essa visão evita que o rol seja utilizado pelas operadoras de planos de saúde como um escudo para restringir a cobertura de tecnologias essenciais, que possuem respaldo científico e indicação médica comprovada.
Além disso, a decisão reafirma a aplicação do CDC nos contratos de planos de saúde, destacando que cláusulas limitativas ou excludentes não podem se sobrepor ao direito à saúde e à dignidade humana. O Judiciário desempenha, nesse contexto, um papel essencial como mediador entre avanços científicos e direitos fundamentais, garantindo que as inovações tecnológicas beneficiem efetivamente os pacientes, em vez de serem barradas por entraves burocráticos ou contratuais.
Por fim, a decisão sinaliza uma necessária reflexão para a ANS e as operadoras de saúde. É preciso um esforço conjunto para atualizar o rol de procedimentos de maneira mais ágil e transparente, integrando inovações que demonstrem impacto positivo na qualidade de vida e na saúde pública. Isso contribuiria para reduzir a judicialização da saúde, fortalecendo a confiança dos consumidores no sistema de saúde suplementar.
Conclusão
A decisão do STJ estabelece um importante precedente para a defesa dos direitos dos consumidores e para a ampliação do acesso a tratamentos essenciais. A cobertura da bomba de insulina não é apenas uma vitória para os pacientes que convivem com diabetes tipo 1, mas também um avanço na forma como a saúde suplementar deve interpretar as demandas da medicina moderna.
Essa decisão reafirma que, acima de questões contratuais ou financeiras, está o direito fundamental à saúde, garantido pela CF/88.
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