Pacientes diagnosticados com HIV devem iniciar o tratamento antirretroviral (TARV) o mais rápido possível, de preferência no mesmo dia do diagnóstico ou em até sete dias. Essa é uma das principais recomendações das novas diretrizes da HIV Medicine Association, atualizadas em 2024 e que são referência em todo o mundo.
O objetivo é reduzir a carga viral rapidamente, para que os pacientes alcancem o quanto antes o status de indetectável, quando já não há transmissão do vírus, nem mesmo durante o ato sexual.
Situação no Brasil
No Brasil, as diretrizes terapêuticas de combate ao HIV do Ministério da Saúde já recomendavam que a TARV fosse iniciada na mesma semana do diagnóstico, entretanto, infectologistas apontam que é difícil alcançar uma adesão tão rápida aos tratamentos no país.
Das pessoas diagnosticadas em 2024 com HIV no Brasil, 42% tiveram o tratamento iniciado no intervalo recomendado, segundo o monitoramento do Ministério da Saúde. Em 36% dos casos, o início do TARV se deu no primeiro mês, em 17% dos casos entre um e seis meses após o diagnóstico e em 4,9% dos casos demorou mais de um semestre para ter início.
“Quanto mais tempo demoramos em iniciar o tratamento médico, mais demoramos a alcançar o status de indetectável, que é nosso objetivo. A maioria dos pacientes leva de três a seis meses, tomando a medicação corretamente, para chegar neste nível, então precisamos reforçar a adesão e o acesso à medicação para que o status de indetectável seja atingido mais rapidamente”, defende o infectologista Ricardo Bonifácio, do Hospital Sírio Libanês em São Paulo.
Ele destaca, porém, que os esforços do Brasil têm se refletido em uma melhora, ano após ano, do início adequado do tratamento. Há 10 anos, por exemplo, 43% das pessoas só recebia a primeira dose de remédio após o primeiro semestre.
Desafios no acesso e na adesão
Segundo o infectologista Vinicius Borges, que se dedica ao estudo das ISTs, o fato de o Brasil ser um país continental com diferentes realidades socioeconômicas se reflete também no acesso imediato ao tratamento.
“Precisamos trabalhar a equidade no acesso. Em grandes centros urbanos, a distribuição de medicamentos e o alcance a infectologistas funcionam bem, mas em regiões mais afastadas, no interior do país, além da falta de profissionais especialistas temos uma ausência de estoques regulares de remédios”, destaca o médico.
Avanços e necessidades futuras
Além da celeridade no início do tratamento, as diretrizes adotadas nos Estados Unidos destacam a importância de abordagens multi terapêuticas para o tratamento do HIV, indo além da mera distribuição dos remédios e incluindo o manejo de comorbidades e o apoio à saúde mental.
“Pessoas com HIV estão envelhecendo e carregando o vírus por muitos anos, convivendo com pressão alta, diabetes, colesterol alto e outras condições. Por isso, os guias atuais recomendam novas classes de medicamentos que são mais potentes e que têm menos efeitos colaterais, além de formas mais receptivas de atendimento a indivíduos com ansiedade e depressão, por exemplo”, explica o infectologista Márcio Fernandes, do Rio de Janeiro.
Ele aponta, porém, que a falta de equipes multidisciplinares em serviços especializados dificulta o cuidado integral. Fernandes também alerta que o Brasil precisa ampliar o acesso a esquemas terapêuticos mais modernos, com tratamentos injetáveis de longa duração, como a PREP semestral, recentemente aprovada nos EUA. “Isso facilitaria a adesão e reduziria a fadiga medicamentosa”, afirma.
Blips virais
Apesar dos desafios, o Brasil mantém um sistema robusto de atendimento ao HIV. O Sistema Único de Saúde (SUS) continua sendo referência global no combate ao vírus, oferecendo diagnóstico, tratamento e acompanhamento gratuitos. Entretanto, falta muitas vezes aos pacientes o acesso à informação que os ajuda a se tranquilizar sobre o tratamento.
Borges indica, por exemplo, que poucos pacientes sabem o que são os blips virais. Mesmo indivíduos indetectáveis podem ter pequenas elevações na carga viral, quando aumentos transitórios, variando entre 50 e 500 cópias do vírus, aparecem nos exames. Apesar das subidas, porém, eles não indicam falha terapêutica ou o retorno da doença.
“Eles podem ocorrer devido a infecções agudas, aplicação de vacinas que interagem com os medicamentos, esquecimento de doses, mas geralmente são transitórios. A partir do momento que a gente normaliza que aquela inflamação temporária passa, a pessoa volta para o seu estado de indetectável. E é importante falar que blip não gera transmissibilidade. o status de indetectável igual a intransmissível continua prevalecendo, mas muita gente começa o tratamento sem saber deles”, conclui o especialista.
Siga a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!
Fonte: Metrópoles