O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, decidiu que iria bloquear a fusão entre a US Steel e a japonesa Nippon Steel, por US$ 14,3 bilhões.
“Como já disse muitas vezes, a produção de aço – e os trabalhadores que produzem aço – são a espinha dorsal da nossa nação”, disse Biden em comunicado.
“Uma forte indústria siderúrgica de propriedade e operação nacional representa uma prioridade essencial da segurança nacional e é fundamental para cadeias de fornecimento resilientes.”
A mudança não é uma surpresa, mas pode ter implicações para futuros investimentos estrangeiros em empresas norte-americanas. Biden há muito tempo disse que se opõe ao acordo, que foi anunciado há um ano.
O presidente eleito Donald Trump também disse que não concorda com o acordo e que também o bloquearia quando assumir o cargo.
“A ação do presidente Biden hoje é vergonhosa e corrupta”, rebateu David Burritt, CEO da US Steel, em um comunicado.
“Ele deu uma vingança política a um chefe do sindicato fora de contato com seus membros, enquanto prejudica o futuro da nossa empresa, nossos trabalhadores e nossa segurança nacional. Insultou o Japão, um aliado vital para a economia e a segurança nacional, e colocou em risco a competitividade americana. Os líderes do Partido Comunista Chinês em Pequim estão dançando nas ruas. E Biden fez tudo isso enquanto se recusava a nos encontrar para conhecer os fatos.”
“Nossos funcionários e comunidades merecem melhor. Precisávamos de um presidente que soubesse como conseguir o melhor acordo para a América e trabalhar duro para fazer isso acontecer. Não se engane: este investimento é o que garante um grande futuro para a US Steel, nossos funcionários, nossas comunidades e nosso país. Nós pretendemos lutar contra a corrupção política do presidente Biden,” complementa Burritt.
O acordo tem sido politicamente carregado desde que foi anunciado em dezembro de 2023, suscitando a oposição política bipartidária ao controle estrangeiro de um componente que antes era a chave do poder industrial dos EUA, que enfraqueceu após tempos difíceis.
Bloquear o acordo pode ser politicamente popular no país, mas pode afastar o investimento estrangeiro em outras empresas dos EUA. Também poderia matar de fome a US Steel do investimento que diz precisar.
No final do mês passado, o Comitê para o Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos (CFIUS) notificou Biden de que não havia chegado a um consenso sobre se a venda da US Steel à Nippon representaria ou não um risco para a segurança nacional.
Por fim, o Comitê deixou a decisão ao presidente para determinar se bloqueará ou não o acordo por razões de segurança nacional.
O sindicato dos metalúrgicos tem se oposto fortemente ao acordo desde o momento em que foi anunciado, argumentando que a Nippon não deu garantias suficientes de que iria proteger os empregos sindicalizados em algumas das fábricas mais antigas da empresa com funcionários sindicalizados.
Mas a oposição de Biden ao acordo pode não ser a última palavra. US Steel e Nippon Steel emitiram uma declaração conjunta prometendo lutar contra isso no tribunal.
“Estamos consternados com a decisão do presidente Biden”, disse o comunicado.
“A declaração e ordem do presidente não apresentam qualquer evidência crível de uma questão de segurança nacional, deixando claro que esta foi uma decisão política. Não nos resta outra escolha senão tomar todas as medidas apropriadas para proteger nossos direitos legais.”
Já o sindicato elogiou a decisão. “Não temos dúvidas de que é a jogada certa para nossos membros e nossa segurança nacional”, disse o sindicato em um comunicado.
A US Steel e a Nippon argumentaram durante todo o processo que o acordo é necessário para fornecer os investimentos necessários nas operações de aço domésticas.
A siderúrgica norte-americana disse que poderia ser forçada a fechar as usinas representadas pelo sindicato se não receber os US$ 2,7 bilhões em investimento planejado pela Nippon Steel como parte da sua proposta de compra. A declaração conjunta das empresas na sexta-feira repetiu esse argumento.
“Bloquear esta transação significa negar bilhões de investimento comprometido para prolongar a vida das instalações envelhecidas da US Steel e colocar em risco milhares de empregos sindicais bem remunerados e que sustentam famílias”, disse o comunicado.
O sindicato disse na sexta-feira que a empresa pode continuar operando com lucro essas usinas sem o investimento da Nippon.
“Estamos confiantes de que, com uma gestão responsável, a US Steel continuará apoiando bons empregos, comunidades saudáveis e segurança nacional e econômica robusta no futuro”, ressalta o sindicato.
Decisão política
A compra proposta era destinada a ser impopular. US Steel foi uma vez um símbolo de poder industrial americano. Foi a empresa mais valiosa do mundo e a primeira a valer US$ 1 bilhão logo após sua criação em 1901. Também foi crucial para a economia dos EUA e os carros, aparelhos, pontes e arranha-céus que indicaram de forma tangível essa força.
Mas sofreu décadas de declínio desde o seu auge pós-segunda guerra mundial. Já não é nem mesmo o maior produtor de aço dos EUA, e um empregador relativamente menor, com 14 mil funcionários no país – 11 mil dos quais são membros do sindicato de metalúrgicos.
Mas ainda não é uma empresa que os políticos que gostam de falar sobre a grandeza americana querem ver cair em mãos estrangeiras – particularmente no estado politicamente significativo da Pensilvânia.
Embora não empregue quase tantas pessoas como costumava, a US Steel relata que tem cerca de 18 mil aposentados e beneficiários recebendo de seus fundos de pensão. E há centenas de milhares cujos pais, avós ou até bisavós trabalharam na US Steel em um determinado momento.
Demonstrando que bloquear o acordo parece ser de natureza política, Trump se opôs à compra da US Steel pela Nippon, mas recentemente recebeu um investimento de US$ 100 bilhões do Softbank do Japão, incluindo fundos para investimento em tecnologia de inteligência artificial dos EUA – sem dúvida, muito mais importante para a segurança nacional.
Se a compra da US Steel por uma empresa japonesa representa uma ameaça à segurança nacional, alguns investidores estrangeiros podem pensar duas vezes sobre o gasto em fusões e aquisições ou investimentos em empresas americanas.
Vários funcionários familiarizados com a revisão expressaram preocupação à CNN Internacional de que a decisão seria vista como um momento decisivo para o Comitê sobre Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos, que tem autoridade para avaliar fusões por motivos de segurança nacional.
As conclusões dos membros políticos do gabinete que compõem o Comitê são informadas pelo trabalho de cerca de 100 profissionais encarregados de avaliar um acordo quanto aos seus méritos, sem influência política.
No caso da US Steel, a maioria das agências concluiu que o acordo não representava risco de segurança nacional e as autoridades expressaram preocupação com a própria posição do presidente – para manter a empresa como estrangeira – mesmo que significasse negar uma grande infusão de capital da Nippon – foi um erro.
“Má decisão”, disse um alto funcionário da administração sobre a ação de Biden para bloquear o acordo. “Não protege os empregos dos sindicatos e pode matar a empresa.”
Jason Furman, um dos mais importantes economistas do governo Obama, foi ainda mais franco na sua crítica à decisão.
“O presidente Biden alegando que o investimento do Japão em uma empresa siderúrgica americana é uma ameaça à segurança nacional é uma medida patética e covarde para interesses especiais que farão a América menos próspera e segura”, escreveu Furman em um post no X.
President Biden claiming Japan’s investment in an American steel company is a threat to national security is a pathetic and craven cave to special interests that will make America less prosperous and safe. I’m sorry to see him betraying our allies while abusing the law.
— Jason Furman (@jasonfurman) January 3, 2025
“Sinto muito vê-lo traindo nossos aliados enquanto abusa da lei.”
Furman, professor de política econômica na Universidade de Harvard, serviu como presidente do Conselho de Conselheiros Econômicos sob o presidente Barack Obama. Atualmente é consultor sênior no Asia Group.
Atrás dos concorrentes
Ao longo dos séculos XIX e XX, os trabalhadores foram para Pittsburgh e outras cidades da região do chamado Rust Belt, o Cinturão da Ferrugem, para buscar empregos bem remunerados em fábricas.
Os altos-fornos operados pela US Steel e seus concorrentes americanos levantaram lajes de aço, vigas e trilhos, juntamente com lucros massivos e poluição atmosférica intensa.
De acordo com uma história no Pittsburgh Post-Gazette sobre o 100º aniversário da US Steel em 2001, o pico de emprego da empresa de 340.000 chegou em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, quando desempenhou um papel crítico nos esforços de guerra das forças aliadas
O mesmo artigo diz que a produção de aço da empresa atingiu 35,8 milhões de toneladas em 1953, enquanto os siderúrgicos na Europa e no Japão ainda estavam lutando para se recuperar da guerra.
Em comparação, a US Steel transportou apenas 11,3 milhões de toneladas de aço de suas operações nos EUA nos 12 meses que terminaram em setembro, utilizando pouco menos de dois terços da capacidade de suas usinas siderúrgicas mais antigas, representadas pelo sindicato.
Após o seu pico, a empresa começou a ficar atrás de concorrentes emergentes, tanto estrangeiros quanto nacionais. Primeiro, ficou para trás dos concorrentes no Japão e na Alemanha, que foram forçados a se reconstruir do zero após a Segunda Guerra Mundial e a usar novas tecnologias que exigiram muito menos trabalho e energia.
A US Steel e outras siderúrgicas americanas eventualmente seguiram esses concorrentes estrangeiros para atualizar fábricas e equipamentos, mas ainda usaram em grande parte os métodos mais antigos para fazer aço derretendo matérias-primas, como minério de ferro em altos-fornos gigantes.
Os “integrados” logo ficaram atrás dos chamados “mini-mills”, ou mini-moinhos, concorrentes não sindicais que usam fornos de arco elétrico mais eficientes para transformar sucata de aço de carros descartados e outros produtos em novos produtos siderúrgicos.
Um pioneiro desta tecnologia de mini-moinhos, a Nucor, com sede em Charlotte, tem uma capitalização de mercado de US$ 26,9 bilhões, em comparação com o valor da US Steel de pouco mais de US$ 7 bilhões.
A US Steel “atingiu o pico em 1916”, disse o analista da indústria siderúrgica Charles Bradford à CNN Internacional em 2023, logo após a empresa anunciar que consideraria ofertas para comprá-la. “Tem sido descendente desde então. A saída do pico foi nos anos 70. Não fez nada por décadas.”
Bradford disse que a US Steel e outros concorrentes da siderurgia americana e outros nomes históricos como Bethlehem Steel, Inland Steel e LTV Steel subestimaram o desafio competitivo que enfrentaram no exterior e em mini-usinas domésticas. Os rivais Bethlehem, Inland e LTV entraram em falência nos últimos 30 anos e viram seus ativos fechados ou vendidos para outras empresas.
Contudo, o que resta dos ativos dessas empresas é parte da Cleveland-Cliffs, uma siderúrgica integrada sindicalizada que também passou pela US Steel em capacidade e produção.
Cleveland-Cliffs disse que está pronta para comprar qualquer usina que a US Steel queira fechar, mas tal movimento poderia enfrentar seus próprios problemas de concorrência devido à oposição de clientes de aço, como fabricantes de automóveis que ainda dependem de aço feito de matérias-primas em vez de sucata.
Nippon disse que não pretende fechar as usinas integradas, e que honrará todos os contratos de trabalho com o sindicato além de fazer o investimento em fábricas onde os membros do sindicato trabalham.
Mas o sindicato insiste que os planos da Nippon também colocariam em risco esses empregos sindicalizados. Disse que a Nippon pretende transferir a produção de usinas integradas, representadas pelo sindicato na Pensilvânia e Indiana para a própria operação da US Steel no Texas.
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Este conteúdo foi originalmente publicado em US Steel critica veto de Biden à fusão com siderúrgica do Japão; entenda no site CNN Brasil.