Criança hipnotizada pelas telas de celulares. Essa era uma realidade comum nas escolas brasileiras, mas um projeto de lei sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 13 de janeiro muda o cenário a partir deste ano.
O Projeto de Lei nº 4.932/2024 restringe o uso de celular e outros aparelhos eletrônicos portáteis — como tablets e smartwatches — em escolas públicas e privadas por todo o país, durante as aulas, recreios e intervalos. Educadores esperam que a medida freie o uso excessivo de telas por crianças e adolescentes, contribuindo para a saúde mental deles.
O que muda?
- Alunos ficam impedidos de utilizar celulares e outros aparelhos eletrônicos, inclusive no recreio e intervalo entre as aulas.
- Há exceções, como uso em atividades pedagógicas e com autorização do colégio.
- Em casos de “perigo, de necessidade ou caso de força maior”, os estudantes poderão ter acesso aos aparelhos.
- Também fica permitido celular para acessibilidade, inclusão e atendimento às condições de saúde dos alunos.
Estudos mostram que o uso excessivo de telas tem impactos na saúde mental e na capacidade criativa do público infantil. Além disso, o uso excessivo e sem orientação pode levar à dispersão, dificultar a concentração e a retenção de informações e prejudicar a qualidade do aprendizado.
“Muitas vezes, ao estarem com seus dispositivos, os estudantes se desconectam do ambiente escolar, das interações sociais ao redor deles. Isso pode dificultar o desenvolvimento de habilidades sociais importantes, como a empatia e a resolução de conflitos”, aponta a professora Alana Danielly Vasconcelos, do programa de Pós-Graduação de Educação da Universidade Tiradentes, em Minas Gerais.
A psiquiatra Luana Dantas, coordenadora do núcleo infantojuvenil da Holiste Psiquiatria, vê a proibição das telas nas escolas como uma medida educativa e necessária.
“A iniciativa não deve ser vista como uma punição, mas como um meio de auxiliar os estudantes a desenvolverem habilidades essenciais, como foco, disciplina e responsabilidade pelo próprio aprendizado”, afirma.
Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), feito a partir da revisão de 142 artigos científicos, associou o abuso da exposição a telas ao aumento de casos de depressão entre as crianças.
Os artigos analisados mostram ainda a ocorrência de problemas como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), além do desenvolvimento precoce de doenças crônicas associadas à obesidade, como consequência do uso dos aparelhos eletrônicos.
Crianças com sintomas de dependência e abstinência
Luana explica que os aplicativos utilizados nos aparelhos eletrônicos ativam mecanismos de recompensa no cérebro, estimulando a liberação de dopamina, o neurotransmissor associado ao prazer e à motivação.
O processo é semelhante ao que ocorre com outros hábitos viciantes, como o consumo excessivo de açúcar ou jogos de azar. “O imediatismo proporcionado pelas notificações, curtidas e interações nas redes sociais faz com que o cérebro das crianças e adolescentes busque constantemente novas doses de estímulo, criando um ciclo difícil de interromper”, afirma.
O cérebro de crianças e adolescentes ainda está em desenvolvimento, o que os torna mais vulneráveis à compulsão digital. De acordo com a psiquiatra, a falta de controle e limites no uso das telas pode causar problemas emocionais, como ansiedade, irritabilidade e dificuldade em lidar com momentos de tédio sem recorrer ao celular.
“Cada vez mais recebemos jovens, sobretudo pré-adolescentes entre 11 e 13 anos, que se isolam nos celulares mesmo dentro das escolas, não socializam. Em efeitos de saúde mental, será muito interessante permitir que as crianças retornem para as instituições de ensino sem a mediação do aparelho, sem olhar as redes sociais porque acham que a aula está chata”, considera a médica.
A especialista destaca que os pais e educadores precisam ajudar as crianças nesse caminho, estabelecendo regras claras sobre o uso da tecnologia e incentivando atividades que estimulem outras formas de prazer e aprendizado, como esportes, leitura e interações sociais presenciais.
Uso saudável da tecnologia
De acordo com a professora do curso de Psicologia da Universidade Tiradentes Catiele Reis, especializada em Psicologia da Infância, é recomendado que as crianças usem tecnologia por, no máximo, duas a quatro horas por dia. Mas o tempo de tela tem aumentado muito desde a pandemia da Covid-19.
“O hábito atrapalha a rotina porque o celular acaba ocupando muito tempo da pessoa, que deixa de lado outras atividades, principalmente as de convivência. A consequência disso é uma maior irritabilidade, menor tolerância, frustração e dificuldade de socialização”, alerta Catiele.
Tecnologia nas escolas
Alguns profissionais ponderam que o celular não é o vilão. O problema está na forma como ele é usado tanto pelas crianças e adolescentes, quanto por adultos.
Alana destaca que os aparelhos eletrônicos podem ser benéficos para o aprendizado se utilizados de uma forma adequada porque oferecem acesso a recursos educacionais, à interatividade e à personalização do ensino.
“As tecnologias digitais são uma forma de linguagem da sociedade em que vivemos, onde praticamente todos os serviços são mediados por elas. Os celulares e tablets também são recursos poderosos dentro da educação. O desafio é buscar o equilíbrio utilizando essa tecnologia de maneira consciente, com propósito educacional”, afirma a professora.
Siga a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!
Fonte: Metrópoles