Os recentes casos de chuvas extremas, registrados sobretudo no Sudeste do país, neste início de ano, levantam questões sobre o aproveitamento destes recursos, e os impactos no abastecimento de água.
As mudanças no padrão de chuvas e a diminuição da umidade disponível também afetam diretamente a disponibilidade de água para consumo humano e outras atividades.
Segundo análise de Pedro Côrtes, especialista em clima da CNN, a dinâmica da umidade no país, originária do Oceano Atlântico Equatorial e transportada para a Amazônia, sofre interferência direta dessas variáveis.
Níveis de água
O início de 2025 trouxe um aumento significativo nos níveis dos reservatórios que abastecem a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Dados do Portal de Mananciais da Sabesp mostram que, em 1º de janeiro, a média do volume armazenado nos sete sistemas produtores era de 49,2% da capacidade total, equivalente a 956,40 hm³. Já nesta segunda-feira (3), esse índice subiu para 57,8%, representando um volume de 1124,71 hm³.
Este crescimento representa um acréscimo de 8,6 pontos percentuais no volume armazenado em 42 dias. Em termos de volume, o aumento foi de 168,31 hm³, o que equivale a um crescimento de aproximadamente 17,6% no período.
Embora o cenário atual seja favorável, destaca-se que as condições climáticas podem mudar rapidamente e afetar a disponibilidade hídrica, segundo Côrtes.
Dessa forma, não é possível afirmar que a situação atual será mantida ao longo de 2025, evitando um possível desabastecimento.
Entre as diversas dinâmicas que impactam no abastecimento de água, estão a influência do desmatamento da Amazônia e de fenômenos climáticos como El Niño e La Niña, impactando a disponibilidade hídrica.
Impactos do El Niño e La Niña no Brasil
Os fenômenos denominados como El Niño e La Niña influenciam a distribuição de chuvas. Enquanto o El Niño geralmente causa mais chuvas no Sul e parte do Sudeste e seca no Norte, o fenômeno La Niña inverte esse padrão.
Em 2023, o El Niño provocou chuvas intensas no Sul no início do ano, seguidas de seca severa na região central e na Amazônia no segundo semestre. No início de 2024, as chuvas elevadas garantiram reservatórios em situação favorável, mas a redução da umidade resultou em uma estiagem severa, sobretudo na região central do país.
Os padrões climáticos têm se mostrado instáveis e imprevisíveis, afirma Cortês. Um exemplo disso é a previsão do La Niña, que começou no fim de 2024, mas tem previsão de apenas três meses, um período muito mais curto do que o usual. E justamente essa imprevisibilidade dificulta os prognósticos de longo prazo.
De acordo com Luiz Fernando e Paulo Lombardi, meteorologistas da Tempo OK , a intensidade das chuvas na região central do Brasil deve diminuir na primeira semana de fevereiro, em comparação ao início do mês. No entanto, a expectativa é de um aumento em março, com o encerramento da estação chuvosa previsto para o final do mesmo mês.
Diversos fatores influenciarão o regime de chuvas nesse período, incluindo calor, umidade, circulação local, frentes frias, oscilações intrassazonais como a Oscilação de Madden-Julian (MJO) e a ainda presente, porém fraca, influência do La Niña.
Previsão de chuvas para 2025
Com a aproximação do outono, enfraquecimento e desconfiguração da La Niña e o estabelecimento do período seco, as chuvas deverão ocorrer preferencialmente entre os estados do Sul e parte do Sudeste do Brasil, em decorrência da passagem de frentes frias. Já nas demais regiões é esperado um cenário mais seco. Contudo, o potencial e posicionamento dos maiores acumulados é incerto devido ao horizonte de previsão, ainda mais em um padrão de grande escala na neutralidade. Já no extremo norte do país e na costa norte do Nordeste, a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) deverá contribuir para a ocorrência de chuva até abril.
Ao longo do inverno e no início da primavera, as chuvas continuarão a ser dependentes das frentes frias, mantendo, assim, o grau de incerteza dos maiores acumulados para o período. Oscilações como MJO e, principalmente, poderão influenciar as chuvas e as variações de temperatura no centro-sul do país.
Na primavera, sobretudo a partir de outubro, há o retorno gradativo das chuvas entre os estados do Sudeste, Centro-Oeste e Norte, dada a mudança de padrão da dinâmica atmosférica, característica dessa época do ano, condicionando o início do período chuvoso. Por se tratar de um período de transição, características de inverno e de verão podem ser notadas, o que também eleva o grau de incerteza, ainda mais nesse horizonte de previsão.
Neste momento, estamos sob condição de La Niña, no entanto, trata-se de um fenômeno de fraca intensidade e a atmosfera tem respondido pouco a este resfriamento. O que tem sido mais importante para a distribuição de chuvas pelo Brasil neste período chuvoso, é o aquecimento das águas do Oceano Atlântico, que fornece energia e umidade para a formação das nuvens de chuva.
Além de ser um fenômeno fraco, o Lá Niña deve perder intensidade entre março e abril, caminhando para uma condição de neutralidade que deve persistir até agosto de 2025, pelo menos.
Com uma condição de neutralidade, o que acaba influenciando a intensidade e a posição das chuvas são fatores como a sazonalidade, ou oscilações intrasazonais, como a Oscilação de Madden-Julian ou a Oscilação do Antártica, que têm um intervalo de permanência menor.
O papel da Amazônia no ciclo da água
A umidade do Oceano Atlântico Equatorial, carregada pelos ventos para a Amazônia, transforma-se em chuva e hidrata o subsolo e as árvores.
“As árvores amazônicas, com suas raízes profundas, drenam a água do subsolo e devolvem a umidade para a atmosfera, alimentando um ciclo que transporta essa umidade para o interior do continente”, explica Côrtes.
O desmatamento interrompe esse ciclo, reduzindo a umidade atmosférica e as chuvas nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Essa diminuição impacta diretamente a disponibilidade de água para consumo humano, agricultura e geração de energia.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Chuvas estão enchendo os reservatórios e vão evitar falta de água em 2025? no site CNN Brasil.