*O artigo foi escrito pela professora de Anatomia Michelle Spear, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, e publicado na plataforma The Conversation Brasil.
Há séculos, muitas pessoas alegam que suas articulações doloridas são indicativos de mudanças de temperatura e clima: elas relatam desconforto aumentado antes de chuvas ou frentes frias. Dada a escala e a duração, há um senso de legitimidade nessas afirmações – mas esse fenômeno continua cientificamente controverso.
De mudanças na pressão barométrica a flutuações de temperatura, muitas teorias tentam explicar como fatores ambientais podem influenciar a dor nas articulações de seres humanos. Existe uma base anatômica para essa afirmação ou ela é simplesmente um mito duradouro relacionado ao clima? Nossas articulações são mais confiáveis do que o Met Office (Meteorological Office, o serviço nacional de meteorologia do Reino Unido)?
No cerne desse debate está a pressão barométrica, também conhecida como pressão atmosférica – a força exercida pelas moléculas de ar na atmosfera da Terra. Embora invisível, o ar tem massa, e o “peso” que nos pressiona varia de acordo com a altitude e os sistemas climáticos.
Uma pressão barométrica mais alta geralmente sinaliza condições de tempo bom, com céu limpo e ventos calmos, enquanto uma pressão mais baixa normalmente precede condições climáticas instáveis, como céu nublado, chuvas e umidade.
As articulações móveis são estruturas intrincadas amortecidas pelo fluido sinovial, um líquido viscoso que lubrifica as articulações, e são envoltas em cápsulas ricas em terminações nervosas. Em articulações saudáveis, esses componentes devem permitir movimentos suaves e sem dor. No entanto, quando são comprometidas por danos à cartilagem (como na osteoartrite) ou inflamação (como na artrite reumatoide), mesmo mudanças sutis no ambiente podem ser sentidas agudamente.
Uma hipótese importante sugere que mudanças na pressão barométrica podem influenciar diretamente o desconforto nas articulações. Quando a pressão atmosférica cai antes das tempestades, ela pode permitir que tecidos inflamados dentro das articulações se expandam ligeiramente, aumentando a tensão nos nervos circundantes e amplificando a dor. Por outro lado, aumentos rápidos na pressão, característicos de sistemas de clima bom, podem comprimir tecidos já sensíveis, levando ao desconforto em algumas pessoas.
Levantamentos científicos oferecem algum apoio para essas hipóteses, embora os resultados permaneçam mistos. Por exemplo, um estudo de 2007, publicado no American Journal of Medicine, encontrou uma correlação leve, mas significativa, entre a queda da pressão barométrica e o aumento da dor no joelho em pacientes com osteoartrite. Esse padrão, no entanto, não é universalmente observado em todas as condições articulares.
Uma revisão sistemática de 2011 na revista Arthritis Research & Therapy examinou a relação entre clima e dor em pacientes com artrite reumatoide. Ela revelou respostas altamente variáveis: enquanto algumas pessoas relataram aumento da dor em condições de baixa pressão, outras não notaram nenhuma mudança. Algumas até sentiram desconforto durante frentes de alta pressão.
Mais recentemente, um projeto de ciência cidadã, de 2019, chamado Cloudy with a chance of pain (“nublado com chance de dores”) usou o rastreamento de dor baseado em um aplicativo para explorar essa conexão. O estudo encontrou uma associação modesta entre queda da pressão atmosférica e aumento da dor nas articulações, mas também destacou a existência diferenças individuais substanciais em como as pessoas percebem a dor relacionada ao clima.
Essas descobertas sugerem que, embora as mudanças na pressão barométrica possam influenciar a dor nas articulações em alguns, as respostas estão longe de ser uniformes e dependem de uma interação complexa de fatores, incluindo a condição articular subjacente do indivíduo e sua sensibilidade geral à dor.
Por que respostas diferentes?
A pressão barométrica raramente atua isoladamente. Flutuações de temperatura e umidade acompanham as mudanças de pressão, complicando o quadro.
O tempo frio pode ter um efeito pronunciado sobre as articulações, principalmente em pessoas com condições existentes. Baixas temperaturas fazem os músculos se contraírem e ficarem mais rígidos, o que pode levar à redução da flexibilidade e a um risco maior de tensão ou incômodo físico.
Os ligamentos, que conectam os ossos uns aos outros, e os tendões, que fixam os músculos aos ossos, também podem perder um pouco de sua elasticidade em temperaturas mais frias. Essa flexibilidade reduzida pode fazer com que o movimento das articulações pareça mais restrito e exacerbar a dor em condições como artrite.
O tempo frio também pode causar o estreitamento dos vasos sanguíneos — particularmente nas extremidades, pois o corpo prioriza a manutenção da temperatura interna. Esse fluxo sanguíneo reduzido pode privar as áreas afetadas de oxigênio e nutrientes essenciais, retardando a remoção de resíduos metabólicos como o ácido láctico, que podem se acumular nos tecidos e agravar a inflamação e o mal-estar localizado.
Para pessoas com doenças inflamatórias, a circulação reduzida pode agravar o inchaço e a rigidez, especialmente em pequenas articulações, como as dos dedos das mãos e dos pés.
O frio também desacelera a atividade do fluido sinovial. Em temperaturas mais baixas, o fluido se torna menos eficaz na redução do atrito, o que pode aumentar a rigidez das articulações e tornar o movimento mais doloroso, particularmente para pessoas com condições degenerativas, como osteoartrite.
Mudanças repentinas de temperatura também podem desempenhar um papel relevante porque desafiam a capacidade do corpo de se adaptar, o que pode piorar a dor em pessoas com doenças crônicas. Da mesma forma, a alta umidade pode intensificar as sensações de calor ou lubrificação em áreas já inflamadas, complicando ainda mais a experiência da dor.
Isolar uma única variável – seja umidade, temperatura ou pressão –, porém, é difícil devido à interação de fatores sobrepostos.
As respostas do corpo humano ao clima também dependem de fatores individuais, incluindo a extensão do dano articular, sensibilidade geral à dor e expectativas psicológicas. Essa variabilidade torna arriscado vincular um único fator meteorológico a uma resposta biológica.
Ainda assim, as evidências sugerem que pessoas com problemas nas articulações tendem a ser mais sensíveis às mudanças ambientais, principalmente às flutuações de pressão.
Embora a relação entre clima e dor nas articulações continue sendo uma ciência imperfeita, o conjunto de evidências indica que pode haver alguma verdade na crença antiga.
Para aqueles com condições articulares crônicas, mudanças na pressão barométrica e as mudanças no tempo que as acompanham podem, de fato, servir como um sistema de alerta da natureza – embora esteja longe de ser infalível.
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Fonte: Metrópoles