A busca pelo equilíbrio cultural não é raro para empresas que passam por longos processos de fusão e aquisição.
Encontrar o balanceamento entre as políticas e práticas já adotadas pela empresa compradora, sem deixar de lado filosofias da empresa adquirida, é o que leva muitas companhias a criarem práticas do zero, de modo que os funcionários se sintam pertencentes a um único modus operandi.
Manter a unidade cultural é um dos desafios encarados pela Sinqia, empresa de tecnologia para o mercado financeiro.
Adquirida em novembro de 2023 pela gigante porto-riquenha Evertec, a Sinqia tem desde então adaptado projetos derivados da empresa-mãe, tornando cada um deles mais factível à realidade do mercado brasileiro — onde a empresa já conta com mais de 2 mil funcionários.
Um deles é o programa de capacitação contínua e progressão de carreira aos colaboradores.
Chamado de NextGen, o programa foi criado em 2021 com o objetivo formar a nova geração de líderes da Evertec.
Foram, ao todo, 44 participantes. Em 2024, estabeleceu seus pilares no Brasil, e também passou a contemplar novos mercados como Argentina, Chile, Uruguai e Costa Rica, totalizando 48 participantes — 24 apenas no Brasil.
“É um programa com foco em capacitação e exposição. Queremos mostrar que é possível construir jornadas de carreira promissoras”, afirma Márcia Drysdale, diretora de RH da Sinqia.
Para participar do programa, membros da equipe são indicados por suas lideranças diretas, que avaliam desempenho, alinhamento cultural e performance para identificar os perfis mais promissores de futuros líderes.
Durante dois anos, os selecionados contam com mentorias individuais, formação executiva em uma escola de negócios e até mesmo indicações de leitura do próprio CEO.
De acordo com Drysdale, a nova formatação do programa, junto ao número crescente de participantes no Brasil, comprova que é possível que empresas de menor porte criem suas próprias políticas de capacitação, incentivando a construção de planos de carreira aos funcionários.
“Somos responsáveis por toda oportunidade que eles tiverem ao longo desses dois anos, da participação em projetos à exposição interna para alçarem novas posições”, explica.
“No final do programa, em geral, a ideia é que essas pessoas estejam melhores e mais preparadas para o futuro. E nós, como empresa, ajudamos a desenhar essa carreira em conjunto”.
Tarefa de PME
O exemplo da Sinqia vai na contramão da lógica comum ao mercado, que pressupõe que carreiras de longo prazo são limitadas às grandes empresas e multinacionais, principalmente devido ao custo de implementação de tais programas.
Benefícios como a redução de turnover e o aumento no engajamento impulsionam, cada vez mais, empresas de pequeno e médio porte (PMEs) a desenharem seus programas de planos de carreira e progressão ao time.
Contudo, a complexidade desses programas, a necessidade de um RH estruturado, com processos de feedback e promoção azeitados, e a necessidade do investimento em plataformas específicas são entraves comuns.
Consequentemente, essas barreiras pode ser impeditivas para que empresas de menor porte sejam associadas a programas de capacitação contínua e até mesmo a ajuda na construção de planos de carreira.
Segundo Guilherme Luz, CEO da Galena, startup de desenvolvimento de carreira, criadora de uma plataforma de educação que também atende startups e pequenas empresas com mais de 200 mil cursos de capacitação profissional, contornar esses desafios e fazer com que nas PMEs também invistam em talentos a longo prazo depende da percepção de que é um investimento estratégico, e não um custo operacional.
“A chave está em simplificar e tornar o desenvolvimento parte da cultura da empresa. As PMEs podem adotar práticas ágeis e acessíveis, como mentorias, feedbacks contínuos e trilhas de desenvolvimento que não exijam investimentos pesados”.
Exemplo que vem de casa
Na Global AD, agência de marketing digital B2B, a construção de um plano de progressão de carreira para os colaboradores é uma prática que começa pela alta liderança, afinal, os quatro sócios que hoje controlam o negócio são ex-funcionários. Uma delas, inclusive, começou como estagiária.
Na agência, a escolha por uma das trilhas de carreira passa por uma análise de perfil comportamental e desempenho prático dos profissionais.
Para driblar os desafios que vêm da difícil estruturação de um plano de progressão em empresas de menor porte, a Global AD se apoia na ramificação.
Para isso, a agência dividiu a jornada em três diferentes verticais, ou caminhos profissionais, que variam de acordo com seus objetivos individuais de cada funcionário e, acima disso, a disposição em liderar pessoas ou não.
“Somos uma empresa que busca crescer de maneira equilibrada. Para tal, a inspiração veio do mercado de tecnologia, das chamadas metodologias ágeis, onde há menos foco na hierarquia a mais foco na resolução de problemas”, diz Vinícius Ghise, CEO da Global AD.
Com 15 anos de mercado, a Global AD assumiu o protagonismo na cocriação de planos de carreira para seus funcionários apenas em 2022, com a reestruturação da empresa e sob nova liderança dos ex-funcionários Vinícius Ghise e João Carapeto.
De lá para cá, alguns resultados já podem ser notados: foram 10 líderes formados internamente, cinco novos coordenadores (4 deles tendo chegado ao cargo após promoções) e um analista chegando à posição de head.
Para Ghise, a visibilidade quanto aos possíveis rumos profissionais é o que facilita a compreensão dos trabalhadores sobre o futuro na empresa.
“Todo mundo quer previsibilidade na vida, e ao entender isso, ao oferecer os caminhos para que as pessoas possam crescer, as empresas ganham em retenção de talentos e na construção de uma cultura interna sólida”, diz.
O próximo passo na jornada da Global AD, ainda de olho na evolução contínua do time, é a contratação de uma consultoria de RH. “Já fizemos muito com nossas próprias ideias e feedback da equipe. Agora queremos mais, novas ideias, somar ao conhecimento de parceiros externos para evoluir”, conclui.
Como levar à prática
Para Luz, da Galena, o mercado já está em transformação. A mudança de paradigma e de percepção sobre as possibilidades de ascensão profissional em pequenas empresas já está em curso, mas depende da ação de empresas dispostas a estruturar caminhos claros de desenvolvimento e crescimento interno.
”Esse cenário está mudando e tende a evoluir ainda mais. Startups e PMEs oferecem oportunidades de crescimento acelerado, impacto direto nos resultados e maior proximidade com a liderança – aspectos que atraem profissionais que buscam aprendizado rápido e desafios”, diz.
O primeiro passo para PMEs buscando oferecer ajuda na construção de planos de carreira e fazer parte dessa nova realidade de mercado, segundo ele, é desmistificar a ideia de que desenvolvimento de carreira exige grandes investimentos ou estruturas complexas.
“Pequenas empresas podem começar com ações simples, como diálogos frequentes sobre crescimento, feedbacks estruturados e trilhas de aprendizado alinhadas ao negócio”, finaliza.
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Maria Clara Dias
Este conteúdo foi originalmente publicado em Plano de carreira: como estas PMEs incentivam a progressão de colaboradores no site CNN Brasil.