A cearense Velúzia Maria Gomes Vieira, 60 anos, já recebeu o diagnóstico de leucemia mieloide crônica (LMC) por três vezes ao longo da vida. A primeira delas foi em 2002 e a última em 2021, durante a pandemia de Covid-19.
A aposentada afirma que se o tratamento não tivesse evoluído, e ainda fosse tão restrito quanto na época que teve o primeiro diagnóstico, era provável que não estivesse aqui.
Há duas décadas, sintomas como fraqueza, suores noturnos e infecções frequentes a fizeram procurar ajuda médica. “Durante seis meses, vivi uma verdadeira peregrinação em busca de respostas, até finalmente ser diagnosticada”, relembra.
Hoje, o diagnóstico da doença é muito mais simplificado, por meio de exame de sangue. Caso os resultados apresentem alto índice de células de defesa do organismo — a chamada leucocitose —, há a suspeita da doença, que é confirmada em testes posteriores.
O que é a leucemia?
A leucemia mieloide crônica (LMC) é um tipo de câncer que se inicia na medula óssea, quando os glóbulos brancos (células de defesa) deixam de desempenhar sua função e passam a se desenvolver de forma descontrolada.
Descobrir o que estava acontecendo tampouco trazia tranquilidade. As opções terapêuticas eram escassas: no início dos anos 2000, os primeiros remédios para tratar a LMC ainda estavam em fases de testes e o único tratamento disponível e difundido era o transplante de medula óssea. O prognóstico também era ruim e a maioria das pessoas diagnosticadas morria poucos anos depois.
Por sorte, Velúzia descobriu que o irmão era compatível e apto a fazer o procedimento. “Foi um alívio, mas também um grande medo, já que os riscos eram muitos”, explica. Sem saber exatamente o que esperar, ela partiu para São Paulo em busca de um novo começo.
O transplante de medula
Em março de 2003, Velúzia passou pelo tão esperado transplante de medula óssea, mas o processo teve de ser feito em Jaú, cidade no interior paulista. “A distância geográfica foi muito difícil, ter de passar por tudo aquilo longe da família”, recorda. O irmão, Wagner, foi o doador compatível e esteve presente nessa jornada.
O processo de recuperação, que parecia lento e difícil, foi interrompido por uma recidiva apenas oito meses após o procedimento. A paciente precisou fazer um novo tratamento com remédios para controlar a doença, conforme cada vez mais medicamentos eram testados e aprovados no Brasil para a LMC.
A segunda recidiva
Com os remédios combinados ao transplante, a condição foi totalmente controlada. Em 2020, porém, um quadro grave de Covid afetou o sistema imune de Velúzia, levando à segunda recidiva do câncer.
“Tive que experimentar outras terapias, muitas com efeitos colaterais graves, até encontrar uma que finalmente funcionasse, o ponatinibe”, conta. Há três anos fazendo uso do medicamento, ela não apresenta mais reações adversas e se considera em remissão. “O ponatinibe foi um divisor de águas na minha vida”, celebra.
Remédios como esperança
O remédio pertence à terceira geração dos inibidores de tirosina quinase, categoria de medicamentos que aumentou muito a expectativa de vida dos pacientes com leucemia mieloide crônica.
“Acredito que eles são a maior evolução da medicina. Os inibidores possibilitaram que a taxa de mortalidade caísse bastante. Os pacientes que sobrevivem 10 anos depois de um diagnóstico hoje são aproximadamente 90%, antes eram entre 20% e 40%”, explica a hematologista Katia Pagnano, coordenadora do Comitê Científico de LMC da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).
No Sistema Único de Saúde (SUS), porém, os remédios usados na maioria dos pacientes com a doença ainda são os de primeira geração, desenvolvidos no início dos anos 2000, como o imatinibe. Apesar de muito eficaz para grande parte dos pacientes, ele não tem a mesma efetividade para todos, especialmente após anos de uso.
Muitos pacientes, como os que moram longe dos grandes centros urbanos, sequer têm acesso ao imatinibe. Muitas vezes, a luta pela medicação tem que ser travada nos tribunais.
“Aqui no Brasil, a gente tem batalhado bastante para os pacientes terem acesso às novas drogas e ao monitoramento da doença, feito através do PCR quantitativo. Mas muitos centros acabam não tendo acesso”, completa Katia.
Em 2007, Velúzia fundou o Grupo de Apoio a Pacientes Oncológicos do Estado do Ceará (Gapo). A associação tem como objetivo acolher e apoiar aqueles que buscam tratamento em Fortaleza, que muitas vezes não têm onde ficar. Uma das linhas de atuação do grupo é também a democratização do acesso.
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Fonte: Metrópoles