Em discurso no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po) nesta segunda-feira (31), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma avaliação crítica sobre o acordo entre Mercosul e União Europeia, afirmando que o bloco sul-americano teria pouco a ganhar no aspecto econômico. Segundo o ministro, o verdadeiro valor do acordo seria no âmbito da política e estratégica.
“Se você perguntar a qualquer diplomata brasileiro se ali há uma vantagem econômica explícita que representa um salto para a reindustrialização do Cone Sul, não vai encontrar nenhuma cláusula que garanta isso”, declarou.
Após mais de 25 anos, o Mercosul e a União Europeia formalizaram, no fim do ano passado, um acordo de livre-comércio entre os blocos. No entanto, para passar a valer, o tratado ainda precisa ser aprovado pelo Parlamento Europeu e enfrenta resistência por parte de setores econômicos especialmente franceses para avançar.
Durante o debate, Haddad ainda pontuou que o acordo poderia servir como contraponto à fragmentação global, protagonizada por Estados Unidos e China, evitando que os países sejam forçados a escolher lados nesse embate geopolítico.
“O grande objetivo é oferecer uma alternativa ao mundo bipolar, procurar não recair. Porque a própria bipolaridade reforça o discurso da intolerância”, explicou.
“Quanto mais apostarmos no multilateralismo, menos chance teremos de voltar aos tempos de guerra vamos ter. Não traria bem estar para o planeta”, continuou.
Haddad criticou a abordagem reducionista das negociações, que segundo ele se perdem em detalhes setoriais. “Europa discute ‘ganhar na carne, perder no açúcar’, mas o jogo é maior: é evitar migrações e guerras”, frisou.
O ministro ainda pontuou que países desenvolvidos utilizam “protecionismo disfarçado de ambientalismo” e chamou de “hipocrisia” penalizar os avanços ambientais brasileiros em detrimento da utilização de energia fóssil.
“Países ricos usam a ‘taxa carbono’ nas importações como arma comercial, não para proteger o meio ambiente. É hipocrisia: penalizam o aço verde do Brasil enquanto retomam produção com energia fóssil. A Europa quer chamar hidrelétricas brasileiras de ‘não limpas’ para taxar nosso aço. Enquanto nós temos 90% de energia limpa, eles retomam óleo e gás e nos criticam”, pontuou.
O chefe da equipe econômica destacou ainda que 90% da matriz energética brasileira é renovável, contrastando com a retomada de projetos de óleo e gás na Europa.
Sobre o financiamento climático, Haddad pontuou o descumprimento de promessas internacionais.
“Prometeram US$ 100 bilhões para florestas e não deram um centavo”, lembrou, explicando que isso motivou a criação do Tropical Forest Forever Facility (TFFF), mecanismo brasileiro que transforma doações em investimentos permanentes.
O ministro comparou a lentidão nas ações climáticas com a rapidez no financiamento de conflitos: “Dinheiro para guerra aparece em dias; para o clima, arrastam por décadas”.
Ao final, Haddad reforçou a necessidade de uma nova postura da comunidade internacional.
“A crise climática exige uma classe política corajosa – e não temos isso hoje”, concluiu, defendendo que o acordo Mercosul-UE, apesar de suas limitações econômicas, representa um passo importante na construção de um multilateralismo mais eficaz para enfrentar os desafios globais.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Acordo com União Europeia oferece pouca vantagem ao Mercosul, diz Haddad no site CNN Brasil.