O cineasta Rosa Caldeira, 28, que tem experiência com filmes de temáticas transgênero, assistiu ao filme “Emilia Pérez” três vezes para entender as entrelinhas da obra e a profundidade das críticas feitas ao filme que concorre a 13 estatuetas do Oscar. Em entrevista à CNN, ele afirma que — mesmo diante dos problemas — a repercussão do longa-metragem francês é importante.
“Estamos falando sobre muitas contradições, mas também sobre uma comunidade trans que enfrenta muitos desafios. A comunidade trans, no Brasil e internacionalmente, tem desafios estruturais enormes. Estamos lutando sempre pelo direito à vida, com uma expectativa de vida de 37 anos e altos índices de suicídio gigantes. Estamos debatendo questões muito básicas. Então não tem como não dizer que ter uma atriz trans protagonista de um filme como ‘Emilia Pérez’ não seja algum tipo de vitória. É óbvio que é um avanço, porque estamos falando sobre uma população ainda muito marginalizada dentro da sociedade”, destaca.
Caldeira — que se identifica como um homem trans — declara que o filme protagonizado por Karla Sofía Gascón traz uma representatividade trans importante, mas não se pode deixar de fazer as críticas necessárias para não avançar nos debates “de qualquer forma”. Ele acredita que ter um referencial dentro dos debates trans internacionais seja algo essencial.
“Assim como debatemos sobre atores cis interpretando personagens trans, precisamos questionar a realização de narrativas sobre países e culturas sem a devida representatividade. ‘Emilia Perez’ tem uma visão ultrapassada sobre a realidade trans, exaltando a medicalização e as cirurgias como o único caminho. Não discute o processo de transição, apenas mostra um personagem indo de um estereótipo de masculinidade extrema para um estereótipo de feminilidade sem apresentar nuances. A transição de gênero é muito menos sobre aspectos físicos e muito mais sobre aspectos sociais.”
O cineasta explica que esse filme não contribui para os debates que a comunidade trans quer trazer em relação à transição de gênero, fala mais de transições de aspectos físicos do que sociais. Por este motivo, as críticas acerca da produção têm um fundamento porque o filme, segundo ele, é estereotipado.
“Precisamos de mais representações humanizadas de pessoas trans no cinema. Não é esse tipo de filme que vai reduzir a mortalidade trans ou aumentar nossa presença no mercado de trabalho. O que fará a diferença é trazer mais pessoas trans para trabalharem nos filmes e falarem sobre suas próprias histórias. As pessoas se identificam mais pelas semelhanças e não pelas diferenças. Não existe mais espaço para esse tipo de produto”, pontua.
Da vida real às telas de cinema
O trabalho mais recente de Rosa Caldeira, “Anba Dlo”, em coprodução e codireção com Luiza Calagian, foi um dos dois únicos filmes latino-americanos selecionados para o Festival de Berlin em 2025, e fala sobre a temática do luto. Mas a trajetória dele no cinema começou com o curta-metragem “Perifericu”, em 2019, que abordava sobre a experiência trans na periferia de São Paulo.
Ele diz que tenta falar em seus trabalhos sobre assuntos que atravessam a própria vivência, sob uma perspectiva trans. Desse modo, o processo de transição de Caldeira, enquanto pessoa trans, foi atravessado pelas artes, porque — enquanto artista — entendeu sua transição também a partir de seu expressar artístico.
“Acho que, enquanto pessoa trans, qualquer coisa que eu fale tem a potência de uma pessoa que precisou atravessar e bater de frente com todo um sistema para ser quem se é, mas não necessariamente fala só sobre essa experiência. A minha questão com o cinema não está relacionada necessariamente com a minha transição, mas sou militante dentro do cinema por narrativas trans e por mais pessoas trans no cinema, porque realmente são espaços que a gente não frequenta tanto, já que o cinema é uma arte muito elitizada”, opina.
O cineasta comenta que a comunidade trans luta cada vez mais por esse espaço de pessoas trans falando sobre a própria perspectiva — algo que possivelmente não foi pensado por Jacques Audiard, diretor de “Emilia Pérez”. Ele salienta que contar a história de uma mulher transgênero não é apenas tê-la na frente das câmeras, mas também atrás das produções.
“Isso porque é muito sintomático termos tantas produções sobre a temática trans sendo indicadas em diversas categorias no Oscar, mas apenas um realizador trans já foi indicado como diretor. Tivemos diversos filmes com temáticas trans premiados no Oscar.”
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Este conteúdo foi originalmente publicado em Cineasta Rosa Caldeira critica “Emilia Pérez” como representatividade trans no site CNN Brasil.