A crise deflagrada no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), após operação da Polícia Federal (PF) que apura cobranças indevidas feitas por entidades privadas em contas de pensionistas e aposentados, reacendeu debates sobre a valorização de servidores da carreira do seguro social, modelos de gestão e até mesmo reformas da Previdência e administrativa.
O caso foi revelado pelo Metrópoles e resultou na demissão de Alessandro Stefanutto da presidência do instituto, na quarta-feira (23/4), após a operação da PF.
Segurados da Previdência Social pública eram lesados quando faziam empréstimos por meio de financeiras e associações fantasmas, que na maioria das vezes faziam descontos sem autorização dos segurados, fossem eles associados ou não.
Os servidores do INSS já vinham reclamando dos acordos de cooperação técnica que abriram espaço para o esquema, acusando de ser uma forma de terceirização, com entidades tendo acesso a informações privilegiadas de determinados grupos ou associados.
Greve
Os servidores do INSS fizeram uma longa greve no ano de 2024, por reajuste nas remunerações e em defesa da valorização da carreira, melhores condições de trabalho e reestruturação dos serviços previdenciários.
A Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps) disse ser “fundamental que o governo intervenha no INSS e realize uma completa reestruturação do órgão, desde mudanças essenciais nos processos de trabalho, valorização dos servidores, passando por rever os gestores que ocupam os atuais cargos de gestão, bem como investir na qualidade do atendimento à população”.
“É importante que este episódio deplorável sirva para mudar a forma de gestão do INSS, aumentando a segurança dos dados dos segurados da Previdência Social, e que haja mudanças nos contratos de créditos consignados e descontos das entidades associativas, para que os segurados não venham novamente ser vítimas de golpes, fraudes e até mesmo confisco dos seus benefícios”, prosseguiu a Fenasps, em nota.
Os sindicatos que representam a categoria acusam o governo Lula (PT) e o Congresso de atuarem em conjunto para tentar implantar no serviço público uma reforma fiscal e produtivista, baseada no Programa de Gestão de Desempenho (PGD), aplicado a várias categorias do funcionalismo. Os servidores se queixam de que esse programa foi imposto com a possibilidade de descontos salariais e demissão por “insuficiência de desempenho”.
Enquanto o governo Jair Bolsonaro (PL) defendia uma ampla reforma administrativa, com mudanças constitucionais, a gestão petista tenta implementar uma reforma infralegal.
O caso gera preocupação para o governo Lula, porque a Previdência Social pública é uma política sensível para a base eleitoral petista e, desde governos anteriores, e mesmo quando esteve na oposição, sempre esteve no centro da atenção do PT.
Servidores do INSS
No caso específico do INSS, os servidores defendem o fortalecimento do controle interno e, por consequência, da carreira do seguro social. Eles afirmam que esse controle interno não se contrapõe ao trabalho da Controladoria-Geral da União (CGU), mas é um mecanismo preventivo de combate a fraude, além de ampliar e facilitar o acesso e atendimento da população, para resolver os problemas estruturais que causam a fila.
Fila do INSS: espera cresce e chega a 2,04 milhões de requerimentos
“Tentamos pautar este debate no ano passado durante a greve. Agora o INSS volta ao centro do debate nacional. Talvez a única coisa positiva que se pode tirar deste caso é colocar a necessidade de reorganização e fortalecimento do INSS e da Previdência Social”, afirmou Daniel Emmanuel, diretor do Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência do Rio Grande do Sul (Sindisprev-RS).
“O instituto operacionaliza e gerencia uma política pública que atende a milhões de brasileiros, que corresponde a cerca de R$ 1 trilhão, o que representa quase um terço do orçamento efetivo da União”, continuou Emmanuel.
Além disso, o INSS administra o maior cadastro da América Latina, um dos maiores do mundo, com informações sensíveis de milhões de pessoas e empresas.
“Portanto, é temerário o desmantelamento do órgão e a entrega de acesso à iniciativa privada como vem sendo feito ao longo dos últimos anos, pelos sucessivos governos”, finalizou o sindicalista.
O governo afirmou que, neste caso dos descontos indevidos, servidores também serão responsabilizados na medida de sua atuação. Mas, para eles, a preocupação deveria ser no sentido oposto, de fortalecer o órgão, contratar e capacitar servidores, investir em modernização e criar os mecanismos de controle interno.
No meio do esquema, outro tema que voltou à tona foi a reforma do sistema previdenciário, mas no sentido de reverter mudanças aprovadas no governo Bolsonaro.
À esquerda, o entendimento é de que a reforma trabalhista promovida de Michel Temer (MDB) descentralizou a representação de trabalhadores em sindicatos e permitiu a pulverização de associações. Ato contínuo, entidades de aposentados explodiram após a reforma da Previdência aprovada em 2019, no governo Bolsonaro.
Entenda o caso revelado pelo Metrópoles
- Em março de 2024, o Metrópoles revelou, a partir de dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), que 29 entidades autorizadas pelo INSS a cobrar mensalidades associativas de aposentados tiveram um salto de 300% no faturamento com a cobrança, no período de um ano, enquanto respondiam a mais de 60 mil processos judiciais por descontos indevidos.
- A reportagem analisou dezenas de processos em que as entidades foram condenadas por fraudar a filiação de aposentados que nunca tinham ouvido falar nelas e, de uma para outra, passaram a sofrer descontos mensais de R$ 45 a R$ 77 em seus benefícios, antes mesmo de o pagamento ser feito pelo INSS em suas contas.
- Após a reportagem, o INSS abriu procedimentos internos de investigação, e a Controladoria-Geral da União (CGU) e a PF iniciaram a apuração que resultou na Operação Sem Desconto, deflagrada nesta quarta-feira.
- As reportagens também mostraram quem são os empresários por trás das entidades acusadas de fraudar filiações de aposentados para faturar milhões de reais com descontos de mensalidade. Após a publicação das matérias, o diretor de Benefícios do INSS, André Fidelis, foi exonerado do cargo.
Esquema de descontos indevidos
O esquema bilionário de descontos indevidos sobre aposentadorias do INSS foi destrinchado em uma série de reportagens do Metrópoles. De acordo com a PF, as cobranças chegam a R$ 6,3 bilhões entre os anos de 2019 e 2024.
A megaoperação, batizada de Sem Desconto, resultou no afastamento de outros quatro membros da cúpula do órgão. São eles:
- o procurador-geral do INSS, Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho;
- o coordenador-geral de Suporte ao Atendimento ao Cliente do INSS, Giovani Batista Fassarella Spiecker;
- o diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão, Vanderlei Barbosa dos Santos; e
- o coordenador-geral de Pagamentos e Benefícios do INSS, Jacimar Fonseca da Silva.
Fonte: Metrópoles