O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado em 2021 para compensar os efeitos da Covid-19, foi encerrado em 1º de abril após ultrapassar o limite de recursos disponíveis, que deveriam ser extintos até dezembro de 2026.
Em meio a um ambiente macroeconômico desafiador, com juros elevados, déficit primário recorrente e uma trajetória de dívida pública crescente, especialistas consultados pelo Metrópoles acreditam que a extinção do Perse, sem qualquer tipo de transição, pode provocar um impacto orçamentário, o que pode afetar até as contas públicas.
Fim do Perse
- O Ministério da Fazenda propôs acabar com o Perse, criado em 2021 para socorrer o setor de eventos em meio a pandemia, sob o pretexto de que as renúncias fiscais não mais se justificam.
- A Receita Federal comunicou que o orçamento destinado ao Perse acabaria no final do mês de março. A própria lei prevê que o benefício será encerrado após o programa atingir o teto de R$ 15 bilhões.
- A decisão gerou revolta no setor de comércio e eventos, que se disse surpreendido com o anúncio.
- O grupo sustenta que um fim abrupto em abril poderia impactar no aumento do desemprego e da inflação.
- O setor de comércio e eventos argumenta que é o principal gerador de empregos no Brasil e que a renúncia fiscal permite que o país arrecade mais por outros meios.
Segundo Enrico Gazola, economista pelo Insper e sócio-fundador da Nero AI Consultoria, o ponto central na discussão sobre o fim do Perse não é o término do programa, mas sim a forma “abrupta e pouco calibrada” como foi feito o encerramento.
Para Gazola, o fim do Perse segue a linha de acabar com benefícios que perderam seus propósitos. No entanto, se esse processo for feito de forma “intempestiva e descolada de uma agenda mais ampla de responsabilidade fiscal”, pode acabar evidenciando “a fragilidade da política econômica atual”.
Ele entende que, em meio a um contexto macroeconômico desafiador, “medidas que sinalizem responsabilidade fiscal são bem-vindas”. Isso porque, ainda na visão dele, a continuidade de subsídios setoriais, especialmente aqueles criados sob caráter emergencial, “gera distorções e fragiliza a base arrecadatória no longo prazo”.
Gazola explica que, mesmo que o setor de eventos e turismo tenha tido tempo razoável para recuperação, “um encerramento mal planejado, sem faseamento ou mecanismos de transição, desconsidera o custo de oportunidade dessa medida — ou seja, o potencial efeito negativo sobre emprego, renda e, ironicamente, até sobre a arrecadação via outros tributos indiretos”.
Luigi Terlizzi, diretor tributário do Zonenschein Advocacia, avalia que as empresas não estão preparadas para voltar a recolher os tributos sobre as receitas “de um mês para o outro”.
“Os empresários voltarão à angústia dos tempos de pandemia, da escolha de Sofia entre pagar os fornecedores, ou pagar funcionários ou quitar os tributos”, pondera o advogado.
Ele defende que as empresas precisam “de um mínimo de previsibilidade”. Na análise de Terlizzi, o fim do Perse pode acarretar em um “contencioso tributário de elevado impacto orçamentário, capaz de afetar as contas públicas”.
Com o aumento da carga tributária (isto é, a partir da retomada do pagamento de impostos) das empresas enquadradas no Perse, o especialista em direito tributário Marco Antônio Ruzene alerta para a alta de inadimplência nos setores atingidos — o que poderia frustrar as expectativas do governo em elevar a arrecadação das receitas tributárias.
Ruzene ainda diz que é possível ocorrer a judicialização do tema. Como mostrou o Metrópoles, muitas empresas entraram com ações judiciais na tentativa de preservar os benefícios fiscais até o prazo previsto em lei.
Empresas precisam ter mais cautela
Os especialistas consultados pela reportagem compreendem que o contexto atual, após o encerramento do Perse, exige muita cautela e um processo de reestruturação fiscal para superar o aumento da carga tributária sem fechar o negócio.
Conforme Ruzene, o fim do benefício fiscal exigirá das empresas “maior rigor no trato com suas receitas e despesas”.
Ele recomenda a adoção de medidas como: reajuste de custos, margens e preços, além da redução de despesas e realocação de recursos “para que a operação possa absorver os tributos que voltam a ser pagos normalmente”.
Segundo Tattiana de Navarro, advogada tributarista, a extinção do Perse deve gerar um aumento de cerca de 14% no valor dos impostos a serem pagos pelas empresas beneficiadas.
Para ela, o primeiro passo deve ser a revisão do planejamento financeiro, “uma vez que a despesa com impostos volta a incidir de forma imediata e contínua, sem qualquer período de transição”.
“Em síntese, o desafio agora não é apenas pagar, mas equilibrar o que foi planejado em outro cenário com a nova realidade imposta, mantendo a empresa estável, competitiva e regular frente ao Fisco”, completa.
O Perse
Inicialmente, o Perse implementou a isenção das alíquotas dos impostos federais sobre empresas do setor de eventos por cinco anos (de 2021 até dezembro de 2026), visando mitigar as perdas do setor em função da Covid-19.
A legislação que criou o programa zerou as alíquotas dos seguintes tributos:
- Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição PIS/Pasep);
- Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);
- Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e
- Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ).
Figuravam entre os beneficiários integrantes do setor de eventos as empresas, inclusive entidades sem fins lucrativos.
Fonte: Metrópoles