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Morte de príncipe faz família descobrir diagnóstico grave de bebê no DF

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Morte de príncipe faz família descobrir diagnóstico grave de bebê no DF

Não saber nada sobre a doença que acomete um filho é devastador. Foram longos meses até que a família de Aurora conseguisse descobrir o que era responsável pelos sintomas que a bebê sinalizava desde o parto, no dia 21 de abril de 2024: ela não chorou, precisou de oxigênio, passou um dia na UTI e apresentava traços fisionômicos atípicos, que demonstravam a fragilidade da menina.

Com uma mancha em forma de coração no rosto e olhos vívidos, Aurora é a caçula de três filhas. Para a mãe, Camila Louise, tudo que passou com as outras crianças (depressão pós-parto, alergia à proteína do leite de vaca, fiasco na amamentação) não passou de ensaio para lidar com a nova membra da família.

Aurora não ganhava peso, crescia pouco, sofria dores excruciantes relacionadas ao sistema gastrointestinal e tinha hipotonia (redução do tônus muscular). Os primeiros quatro meses de vida foram vividos em pleno choro: dela e da mãe. Servidora pública, Camila precisou pedir licença não remunerada do trabalho para se dedicar à rotina intensa de cuidados com a filha.

Foi quando a gastropediatra Márcia León alertou os pais para uma suspeita que eles na verdade já tinham, mas sem coragem de verbalizar: Aurora é atípica e, para tratá-la, era preciso encontrar a causa.

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Príncipe Frederik de Luxemburgo

@royalsofluxembourg/Instagram/Reprodução

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O príncipe Frederik ao lado dos irmãos, Alexander e Charlotte

@royalsofluxembourg/Reprodução/Instagram

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Frederik descobriu a doença aos 14 anos

@polgfoundation/Reprodução/Instagram

Uma verdadeira saga genética

Camila e o pai de Aurora, Gilberto Elias, começaram a novela no neuropediatra. “É uma saga, pois tudo é muito caro. E como se não bastasse a angústia natural de desconhecer a causa da condição de nossa filha, lutávamos em paralelo com o plano de saúde. Um sofrimento adicional e muito recorrente na maternidade atípica, já que planos de saúde são ‘feitos para quem tem saúde’”, relata Camila.

Após oito meses de investigação incessante, chegou-se finalmente a um achado genético: o exoma (parte do genoma humano, que contém a maioria das variantes genéticas associadas a doenças), pedido por um geneticista, dizia que Aurora possuía uma mutação no gene PolG, variante reconhecidamente patogênica; e uma outra, VUS, de significado incerto.

Descoberta feita, a dificuldade agora era correlacionar o achado genético com o quadro clínico de Aurora e fechar o diagnóstico.

“Fomos a São Paulo em busca de respostas, em grandes médicos, reconhecidamente muito bons. Diziam não acreditar que o quadro fosse explicado pelo achado genético. Recomendaram que aguardássemos dois anos para refazer os exames. Basicamente, esperar que a doença cumprisse seu curso dramático para que nos trouxesse pistas do diagnóstico. Enquanto isso, trataríamos os sintomas (refluxo com medicação, hipotonia com fisioterapia)”, lembra Camila.

A morte de um príncipe

Filho do príncipe Robert e da princesa Julie de Nassau, o príncipe Frederik de Luxemburgo morreu aos 22 anos, em Paris, em 1º de março deste ano. Ele enfrentava uma forma agressiva da doença PolG, rara condição genética e sem cura que pode afetar o cérebro, nervos, músculos e fígado.

Frederik nasceu com a doença mitocondrial desencadeada por mutações no gene PolG e que leva à falência progressiva de múltiplos órgãos. Ele foi diagnosticado com a condição genética aos 14 anos, quando os sintomas passaram a ser mais perceptíveis. Em vida, foi fundador e presidente da The PolG Foundation, com sede na Suíça, e exemplo de superação.

A notícia da morte do príncipe foi amplamente divulgada pela imprensa e chegou até Camila. Ela ficou surpresa com o diagnóstico, que era semelhante à mutação genética de Aurora, e descobriu que Frederik tinha uma amiga brasileira, também com PolG e ativista em prol das pessoas com doenças raras, e decidiu procurá-la.

“Jacqueline Garrido foi um divisor de águas em nossas vidas. Trouxe-nos informações preciosas e disse que Aurora tinha a mesma variante genética que ela (um evento ainda mais raro do que a doença rara de ambas), além de nos indicar o Roberto Hirsch, neurologista do hospital Albert Einstein, que é referência no diagnóstico e tratamento de doenças mitocondriais. Ele avaliou os exames da Aurora e deu o diagnóstico já em nosso primeiro contato: ela tem uma síndrome de depleção mitocondrial relacionada ao gene PolG, uma encefalopatia neurogastrointestinal, ou Alpers-Huttenlocher”, disse.

@camilalouisefc

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♬ som original – Rara Aurora

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Saiba mais sobre a mutação no gene PolG*

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Aurora tem uma das mutações de Jaqueline. A carioca com mais de 50 anos é uma das pacientes de PolG mais longevas e leva a vida ajudando outras pessoas a lidar com a doença de forma gratuita. “Vi a imensa solidão e falta de conhecimento e me joguei em um grande abismo. A cura não existe, não ainda. Mas tenho vivido por todos eles, mesmo que atrapalhe a minha saúde, na luta e no luto. Encontrei amigos nessa batalha e queremos viver. Mesmo com dor e todas as dificuldades,” diz Jacqueline.

Assim como Aurora, a história de Jacqueline com a mutação também teve início ainda bebê, quando achavam que ela tinha alergia ao leite. “Com quatro anos tive um choque anafilático com adrenalina, não sabiam se eu voltaria a abrir os olhos, mas aqui estou”, conta.

Jacqueline foi amiga do príncipe Frederik e mantém contato com a família real mesmo após sua morte. “Um verdadeiro príncipe e também um grande cavaleiro, que lutou bravamente contra a doença. Aurora é uma princesinha, que precisava desse príncipe para entender melhor a doença que compartilhamos. Diagnóstico é importantíssimo e o início de outro longo caminho”, afirma.

Um médico (não) especialista

Formado em medicina pela USP, com pós-graduação em doença cérebro-vascular, feita no Canadá, Roberto Hirsch é reconhecido pelo pioneirismo em trazer para o Brasil o exame de doppler transcraniano, além de estruturar o diagnóstico de morte encefálica para doação de órgãos. Foi ele quem deu o diagnóstico tão procurado à Aurora, mas afirma que não é especialista em doenças mitocondriais.

“Para além da minha especialização, no meu consultório eu não ‘fujo da raia’. Qualquer coisa que esteja ao meu alcance, do ponto de vista diagnóstico, procuro sempre aprofundar e com isso acabo tratando quadros muito variados e sempre encontro casos cada vez mais inusitados. Isso faz com que eu pareça ser especialista numa determinada doença, mas não é isto. Não sou especialista em doença mitocondrial, sou um apaixonado pela medicina e, no caso, pelos pacientes que me fazem estudar”, explica.

Para Hirsch, existem manifestações no corpo que não são neurológicas, mas que ajudam muito a compreender o que está acontecendo como um todo. “Pensar na totalidade do paciente acaba sempre ajudando a perceber que o exercício do diagnóstico não está em fazer com que o paciente se encaixe na doença, mas ao contrário, o que o paciente tem é que deve corresponder à doença”, ensina.

“No caso de Aurora, era muito evidente que as dicas diagnósticas que partem do serzinho dela não se encaixavam diante de propostas que não fossem doença mitocondrial, por isso achei que o diagnóstico inicial, tanto do geneticista, como do neuropediatra, estava tentando ser mais fiel ao que está no gene e não no paciente. O que eu fiz foi o contrário: quando você tem a mente aberta, vai ver que é uma doença mitocondrial pela ressonância magnética, as alterações são características, além da presença de determinados ácidos no sangue dela que também fazem parte do ‘lixo mitocondrial’”, diz o médico.

As peculiaridades de Aurora fizeram com que o médico percebesse que ela tem encefalomiopatia neurogastrointestinal (MNGIE), um conjunto de manifestações de sintomas. Na idade dela, menor que um ano, trata-se de uma manifestação grave que, se não reconhecida tempestivamente, pode causar crises convulsivas, epilépticas e até a morte.

A partir daí, o médico começou com medicamentos para lidar com a paralisia do intestino e Aurora passou a absorver os remédios não apenas por meio de intervenção intravenosa. O tratamento dela passou a ter como principal esteio os suplementos alimentares, que tentam suprir o que a mitocôndria não está conseguindo produzir.

“No caso específico de Aurora, as questões são a associação dessas manifestações neurogastrointestinais, de paralisia, associadas às posturas distônicas por conta de problema de tônus muscular muito acentuado em algumas áreas e pouco em outras”, afirma Hirsch.

Esperança

Aurora agora está se preparando para colocar uma gastrostomia em maio, para ganhar mais peso. Ela ainda se alimenta apenas com fórmula. A bebê também frequenta a Educação Precoce e faz acompanhamento com fonoaudióloga e fisioterapeuta. Além disso, é acompanhada pelos ambulatórios da Nutrição, Gastro e Terapia Ocupacional do Hospital da Criança, em São Paulo.

“É uma rotina muito intensa e inviável sem uma rede de apoio. Temos recebido uma ajuda essencial dos meus sogros, minha mãe e irmãs. Além disso, temos uma pessoa que nos ajuda com os contatos diários com ela”, diz Camila.

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Fonte: Metrópoles

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