Comunidades agroextrativistas do Acre estão adotando uma técnica inovadora para a produção de mudas de castanheira-da-amazônia (também conhecida como castanheira-do-brasil ou castanheira-do-pará). Desenvolvido por pesquisadores da Embrapa em parceria com os próprios extrativistas, o método se baseia em miniestufas — um sistema simples, prático e de baixo custo —, que têm se mostrado eficientes para a germinação e crescimento das plantas. A espécie é fundamental para a economia e o meio ambiente da região amazônica.
Mais de 360 extrativistas do Acre já foram capacitados nessa técnica e há casos dos que começaram a produzir mudas tanto para o plantio em suas propriedades quanto para iniciativas de regeneração florestal ou comercialização. De acordo com a pesquisadora Lúcia Wadt, da Embrapa Rondônia, o método foi criado pensando na realidade das comunidades, que enfrentam desafios logísticos para transportar mudas produzidas em viveiros convencionais.
“As miniestufas são confeccionadas a partir de baldes plásticos reutilizados, criando um ambiente controlado que favorece o desenvolvimento das mudas”, explica a pesquisadora. “Nossa meta foi tornar a produção mais acessível e viável, principalmente em pequena escala, em que há maior necessidade de soluções práticas e econômicas.”
Reconhecida pela produção de castanhas de alto valor econômico no mercado nacional e internacional, a castanheira é uma espécie essencial para pequenos produtores e agroextrativistas. Contudo, o cultivo enfrenta desafios como a dormência das sementes, que possuem cascas duras, a falta de uniformidade na germinação e o ataque de roedores, atraídos pelas castanhas presas às mudas.
A principal forma de propagação da castanheira é por meio de sementes. Há diversas recomendações documentadas para a produção de mudas em viveiros florestais, o que exige estrutura e mão de obra especializada. São utilizadas sementeiras suspensas e canteiros com sombra e proteção contra animais, além do uso de insumos agrícolas, como sacolas plásticas ou tubetes para a germinação.
No entanto, essa tecnologia é pouco acessível para pequenos produtores e agroextrativistas que desejam produzir mudas em pequena escala, principalmente para uso próprio. Muitos relatam dificuldades na produção de mudas de castanheira.
A técnica das miniestufas busca resolver esses problemas, simplificando a produção e tornando-a mais acessível para comunidades que dependem do extrativismo. “No método tradicional, é preciso ter irrigação ou alguém que regue três a quatro vezes diariamente. No método da miniestufa, essa frequência é eliminada, é preciso molhar, claro, mas a muda estará mais estabilizada”, afirma Wadt.
A pesquisadora considera que o desenvolvimento dessa metodologia representa um avanço significativo para a produção de castanhas em áreas agroextrativistas. Ela permite que os produtores aproveitem melhor o potencial de suas áreas de plantio, estabelecendo novas castanheiras ou enriquecendo florestas degradadas “Além de ter potencial de promover práticas agrícolas mais sustentáveis na região amazônica ”, conclui.
Iniciativas locais e exemplos de sucesso
A engenheira florestal Eneide Taumaturgo, da Secretaria de Agricultura do Acre, trabalha na transferência dessa tecnologia para produtores locais. Apesar de alguns desafios iniciais, a engenheira afirma que a metodologia foi adaptada para facilitar o processo e estimular a adoção. “Com o uso de materiais facilmente disponíveis, como baldes plásticos e substratos de fácil obtenção, é possível produzir mudas de alta qualidade com baixo custo e sem a necessidade de infraestrutura complexa”, observa.
Na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, a engenheira agrônoma e gestora ambiental Joziane Evangelista se destaca na produção de mudas. Após capacitação pela Embrapa, Evangelista implementou a técnica em um pequeno viveiro, contribuindo para a recomposição florestal e gerando renda para a comunidade. Ela destaca que o sucesso depende de cuidados específicos, como a rápida manipulação das sementes para garantir uma boa taxa de germinação.
“Fui aprimorando o método com algumas técnicas. Agora, estou iniciando meu próprio viveiro, já fiz meu cadastro no Registro Nacional de Sementes e Mudas, o Sistema Renasem, para poder vender as minhas mudas. Além de ser importante na recomposição florestal, a produção de mudas também vai agregar valor econômico para a comunidade, que poderá comercializar mudas produzidas na Reserva. Como sou filha de extrativista, saí apenas para estudar, acho importante trazer o conhecimento para a comunidade”, afirma Joziane.
Passo a passo da metodologia
A produção de mudas em miniestufas começa com a escolha de sementes de alta qualidade – um dos pontos chaves na aplicação do método -, coletadas de, pelo menos, 20 árvores matrizes com boa produtividade.
Lúcia Wadt observa que a castanheira-da-amazônia é uma espécie que necessita de polinização cruzada entre árvores diferentes para a produção de frutos (alógama). Dessa forma, para aumentar as chances de sucesso na germinação, é recomendado coletar sementes de árvores diferentes e selecionadas, que apresentem boa produtividade e regularidade ao longo dos anos.
Após a coleta, é ideal que as sementes sejam submersas em água para verificar sua viabilidade. As que afundam são as mais adequadas por serem mais novas.
As sementes devem ser misturadas a um substrato úmido – terra ou serragem – e dispostas em camadas dentro da miniestufa, de modo que fiquem completamente cobertas. Baldes plásticos de 20 litros, higienizados e preparados com furos para ventilação, são utilizados para manter a umidade e temperatura adequadas durante o processo, o que ajuda na quebra da dormência.
Após a estratificação, as sementes germinadas devem ser descascadas e transplantadas para tubetes ou recipientes maiores. Nessa etapa, as miniestufas devem ser adaptadas com uma estrutura de arame coberta por plástico transparente, criando uma cúpula que ajuda a manter a umidade e a temperatura interna. Em cerca de três meses, as mudas estão prontas para o plantio em áreas de enriquecimento florestal ou regeneração de castanhais degradados.
O conteúdo sobre o processo de produção de mudas em mini-estufas pode ser acessado no curso on-line e gratuito, disponível na plataforma e-Campo, Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) da Embrapa.
Impactos ambientais e econômicos
O plantio de castanheiras em consórcio com outras espécies ajuda a restaurar ecossistemas degradados, reforçando a resiliência das comunidades frente às mudanças climáticas. Além disso, a produção de mudas promove práticas agrícolas sustentáveis, alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, como a erradicação da fome e a proteção ambiental.
A técnica das miniestufas representa uma solução prática e escalável, com potencial para transformar a produção de castanheiras na região, unindo ciência, sustentabilidade e o fortalecimento das comunidades locais.
Aspectos legais
A legislação brasileira, regulamentada pela Lei nº 10.711/2003, exige que produtores se inscrevam no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem). Contudo, pequenos produtores que comercializam até 10 mil mudas por ano são isentos de algumas exigências, facilitando o desenvolvimento de negócios locais na Amazônia.
Revista Cultivar