Pouco mais de um mês após a operação que revelou um esquema de descontos irregulares em aposentadorias e pensões pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o governo federal ainda patina e enfrenta dificuldades para implementar um plano de devolução dos valores retirados de forma indevida.
Um dos principais entraves é a falta de clareza sobre o tamanho exato do rombo causado pelas fraudes e sobre quando começará o ressarcimento integral dos aposentados e pensionistas prejudicados.
Até o momento, o governo confirmou apenas o reembolso referente aos descontos feitos na folha de abril. No entanto, muitos beneficiários vêm sofrendo descontos há meses, e ainda não há definição sobre a devolução completa das quantias cobradas indevidamente.
Para essa restituição integral, o INSS trabalha em um plano que prevê que as entidades que fizeram os descontos irregulares possam devolver o dinheiro. Nesse cenário, os valores serão liberados diretamente na folha de pagamentos do mês seguinte.
Caso as entidades não consigam comprovar a legalidade do desconto feito e não devolvam os valores, o governo ressarcirá os aposentados diretamente e, posteriormente, buscará recuperar os recursos por meio de ações judiciais.
Em entrevista à CNN na segunda-feira (26), o presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, pediu desculpas aos aposentados que foram vítimas do esquema.
“Primeiro tenho um recado geral para todos os aposentados e pensionistas que foram vítimas do golpe e estão nessa situação de insegurança, e não sabem quanto que vão receber: primeiro um pedido de desculpas. O INSS precisa pedir desculpas porque possibilitou que entidades golpistas ingressassem no INSS”, afirmou Waller.
No dia 23 de abril, a Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram a Operação Sem Desconto, que revelou um esquema que pode ter desviado cerca de R$ 6 bilhões de aposentadorias e pensões entre 2019 e 2024.
De acordo com as investigações, foram identificados descontos associativos em aposentadorias e pensões que não foram autorizados. Os valores são pagos mensalmente a entidades e sindicatos que representam os aposentados e pensionistas.
Governo quer evitar judicialização
A equipe jurídica do governo federal está costurando um plano de ação para evitar que ações por danos morais — ajuizadas pelos aposentados prejudicados pela fraude do INSS — possam virar uma “bomba fiscal” bilionária no futuro.
Técnicos da Advocacia-Geral da União (AGU), da Defensoria Pública da União (DPU) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estudam, em conjunto, a possibilidade de propor acordos aos segurados que foram descontados sem autorização.
A avaliação é de que, sem essa medida, pode haver uma enxurrada de pelo menos 2 milhões de processos com risco elevado de condenação, o que geraria um passivo vultoso de precatórios contra a União.
Na segunda-feira (25), o presidente do INSS afirmou que o governo vai buscar um acordo coletivo com os aposentados para que eles recebam por meio de processos administrativos e não precisem acionar a justiça para reaver os valores subtraídos.
“A gente vem desde o dia 6 de maio negociando com o Ministério Público, defensorias públicas, Poder Judiciário a tentativa de um acordo. A tentativa de uma costura para que nossos aposentados e pensionistas recebam administrativamente sem a necessidade de procurar o Poder Judiciário”, afirmou Waller em entrevista à CNN.
O presidente também ressaltou que se as vítimas do esquema procurarem o poder Judiciário podem atrasar outras políticas públicas.
“O Poder Judiciário já está assoberbado de demandas. O maior cliente do Poder Judiciário é a previdência e colocar mais 2 milhões, 4 milhões de pessoas no Poder Judiciário só vai atravancar políticas públicas”, complementou.
Estimativa de aposentados
Para dimensionar o impacto da fraude, o INSS notificou cerca de 9,4 milhões de aposentados e pensionistas que podem ter sido vítimas dos descontos irregulares. A notificação fez parte de um mecanismo lançado pela autarquia que permite aos aposentados e pensionistas contestarem descontos considerados indevidos.
No total, mais de 2,1 milhões de consultas foram realizadas e mais de 2 milhões de pessoas não reconheceram os descontos das associações e pediram reembolso desse dinheiro.
No entanto, esses números podem ser ainda maiores, já que as contestações foram realizadas exclusivamente pelo aplicativo “Meu INSS” ou ligando para o 135.
Para aposentados que não têm acesso a internet ou com dificuldades para acessar o aplicativo, o governo vai utilizar as agências dos Correios para atender os aposentados presencialmente a partir desta sexta-feira (30).
A expectativa é de que o número de aposentados que contestaram os descontos seja aumentado com essa possibilidade de pedir o ressarcimento presencialmente. Segundo Gilberto Waller Júnior, o número de aposentados que foram vítimas do esquema pode chegar a 4,1 milhões.