Embora os primeiros sintomas tenham aparecido ainda na infância, a empresária Regina Helena Kugelmann Mancini, hoje com 68 anos, só descobriu que era celíaca aos 44, quando seu filho foi diagnosticado com a doença.
Regina sofria desde a adolescência com dores nas articulações que migravam entre joelhos, tornozelos e ombros. Dentistas notavam falhas no esmalte de seus dentes, mas nada era associado a um diagnóstico mais grave.
Leia também
-
Diagnóstico precoce de doença celíaca é fundamental. Veja sintomas
-
Saiba como diferenciar a doença celíaca da intolerância ao glúten
-
Médico explica principais cuidados para quem tem doença celíaca
-
Doença celíaca ou intolerância ao glúten? Entenda a diferença
“São sinais típicos da doença celíaca na infância que passam despercebidos. Joguei vôlei e tênis desde os 13 anos e os médicos achavam que tudo estava relacionado ao esporte. Acabei achando que era normal sentir dor o tempo todo”, relembra.
Com o tempo, o quadro se agravou. Apareceram sintomas gastrointestinais e refluxo. Havia também sangramentos nasais (os exames não encontraram nenhuma causa aparente) e uma sensação constante de “nó na garganta”.
“Nenhum médico consultado, nem durante as piores crises, fez a conexão com o glúten. Todos colocaram esses sintomas na lista da somatização, culparam o emocional e recomendaram cuidados com a saúde mental”, lamenta.
Anos de busca sem respostas claras
Apesar das consultas com diversos especialistas, os sinais de saúde seguiram sendo tratados como problemas desconectados. Durante a faculdade, Regina passou a ter uma dificuldade de raciocínio que hoje é conhecida como “névoa cerebral”. Famosa por ser um dos sintomas da Covid longa, ela também é um sintoma neurológico descrito por celíacos.
A busca por respostas se estendeu até a vida adulta. Foram anos de consultas médicas e nenhuma associação feita entre os sintomas variados e um quadro autoimune. A doença celíaca não tratada pode afetar a fertilidade, especialmente em mulheres, e também prejudica a manutenção da gestação.
“Demorei quatro anos para engravidar e embora a infertilidade também seja um sinal indicativo de doença celíaca, ninguém me alertou neste sentido”, conta a empresária.
Diagnóstico do filho revelou o dela mesma
A resposta só viria anos depois, de forma inesperada: a partir do sofrimento do próprio filho. Fabrizio teve sintomas desde a introdução alimentar que se agravaram até ele ficar muito magro e enfraquecido, com peso e altura incompatíveis com a idade.
Aos nove anos, o menino apresentava sintomas graves. “Tinha dor de cabeça constante, crises de cólicas, vômitos e tremores que sacudiam seu corpo todo. Era assustador”, lembra a mãe. Após investigação correta e biópsia intestinal, veio o diagnóstico de doença celíaca.
A alimentação da casa foi completamente modificada para retirar os alimentos que tinham glúten da lista de compras. “A dieta parecia milagrosa. Em três meses, ele perdeu aquela aparência frágil, ganhou músculos, ganhou cor no rosto, perdeu as olheiras e ganhou seis centímetros. Em um ano, ele foi do número 32 de calçado para o 36”, conta.
Em um ano, a melhora foi visível, não só para o menino, como também para a mãe. “Percebi uma melhora total em minha vida. O diagnóstico do meu filho, na verdade, nos salvou a ambos. Os sintomas que me acompanharam a vida toda cederam e, ao longo do primeiro ano, desapareceram por completo”, comemora.
Regina descobriu que era celíaca apenas após o início do tratamento do filho
Reprodução/Acervo pessoal2 de 3
Regina teve sintomas durante 44 anos sem ter sido diagnosticada
Reprodução/Acervo pessoal3 de 3
Atualmente, ela fabrica alimentos sem glúten para ajudar outros celíacos
Reprodução/Acervo pessoal
Uma nova vida sem glúten
Além dos ganhos à saúde, a experiência transformou sua rotina familiar. O marido também aderiu à nova alimentação. A casa foi reorganizada para evitar contaminação cruzada: a alimentação virou prioridade e também missão.
Regina passou a produzir receitas próprias e em grandes quantidades para garantir que o filho pudesse participar de festas, passeios e viagens sem restrições. “Ele levava sempre o bastante para dividir com os colegas. Compartilhar comida é muito importante, marca todas as comemorações, constrói memórias e afetos. Eu queria que ele visse que podia ter uma vida normal”, recorda Regina, comemorando que ganhou dos amigos do filho o título de “melhor bolo de chocolate da vida”.
Anos depois, a experiência virou negócio. Regina fundou, em 2019, a Deliburger Sem Glúten e foi uma das fundadoras da Feira Sem Glúten de São Paulo.
Doença celíaca: impacto e desinformação
A história de Regina evidencia a dificuldade do diagnóstico precoce. A doença celíaca afeta cerca de 1% da população, mas é frequentemente confundida com outras condições. Os sintomas variam em sua gravidade e podem levar até à morte, embora seja um risco relativamente raro.
“Ser um paciente celíaco significa ter uma doença autoimune crônica na qual o sistema imunológico reage de forma anormal à ingestão de glúten, que é uma proteína presente no trigo, cevada e centeio, provocando danos na mucosa do intestino delgado. Essa reação imunológica desencadeia inflamação e uma ‘perda’ das vilosidades intestinais, estruturas importantes para a absorção de nutrientes. Tudo isso se traduz no aparecimento de sintomas digestivos, bem como manifestações extradigestivas.”, alerta a patologista clínica Catalina Perez, diretora médica da Werfen, rede de diagnósticos.
A doença celíaca é uma condição com forte componente genético. Entre 7% e 15% dos parentes de primeiro grau de uma pessoa celíaca também podem desenvolver a condição, o que justifica o rastreamento familiar, especialmente, entre filhos e irmãos.
Principais sintomas da doença celíaca
A doença celíaca pode afetar pessoas de qualquer idade e se manifesta de formas muito variadas, o que, muitas vezes, dificulta o diagnóstico. Os sintomas digestivos clássicos, mais frequentes em crianças, são diarreia crônica, dor ou distensão abdominal, vômitos, constipação intestinal e perda de peso ou alteração no crescimento.
“Os adultos costumam ter sintomas extradigestivos, entre eles anemia, fadiga crônica, osteoporose precoce, lesões de pele, problemas neurológicos, infertilidade ou abortos recorrentes e alterações hepáticas leves. Além disso, algumas pessoas podem ser completamente assintomáticas, o que é conhecido como doença celíaca silenciosa, geralmente detectada por exames de rotina ou triagem familiar”, detalha o médico geneticista Ramiro Vera, gerente de autoimunidade da Werfen.
Como se manter sem sintomas
A exclusão rigorosa do glúten é a única forma de evitar complicações. Mas o controle vai além do prato e inclui atenção a medicamentos, cosméticos e utensílios.
A contaminação cruzada, ausência de rotulagem clara e falta de informação dificultam a vida dos celíacos. Mesmo traços microscópicos de glúten podem provocar reações inflamatórias sérias.
“Manter uma dieta 100% livre de glúten não é uma escolha e sim uma necessidade vital. Por isso, a informação, o respeito e a empatia das pessoas ao redor são essenciais para a qualidade de vida do celíaco”, conclui o nutrólogo Andrea Bottoni, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo.
Siga a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!
Fonte: Metrópoles