Ícone do site O SERINGAL

No Sarah, médico lista os 6 casos mais importantes da neuropsiquiatria

no-sarah,-medico-lista-os-6-casos-mais-importantes-da-neuropsiquiatria

No Sarah, médico lista os 6 casos mais importantes da neuropsiquiatria

Embora os estudos de remédios e vacinas sejam famosos por levar a medicina adiante, a pesquisa de casos específicos também é uma importante ferramenta para o progresso da ciência. Pensando nisso, durante o 1º Congresso Latino-Americano da Federação Mundial de Neurorreabilitação (WFNR), realizado em Brasília desta quarta-feira até sexta (9/5), o neuropsiquiatra americano Sheldon Benjamin reuniu em sua apresentação seis análises de casos de pacientes que mudaram a história da neuropsiquatria.

“Estudando casos excepcionais de doenças e lesões cerebrais, nós conseguimos descobrir várias coisas, como a forma com que determinadas regiões do cérebro se dedicavam a atividades específicas. Esses casos são alguns dos que deram uma contribuição mais forte nesse conhecimento”, resumiu o médico em sua palestra on-line para o público que assistiu a apresentação do Hospital Sarah.

Os casos reunidos por ele moldaram a compreensão da relação entre cérebro e comportamento, alteraram até o vocabulário que usamos no dia a dia e seguem como referência para neurologistas e psiquiatras.

Casos que desafiaram a neuropsiquiatria

O paciente com o cérebro atravessado por uma barra de ferro

O caso mais antigo revisitado até hoje ocorreu em 1848. Phineas Gage, um operário de explosivos de 25 anos, trabalhava na construção de trilhos de trem nos Estados Unidos quando uma barra de ferro disparada atravessou seu crânio de cima para baixo. Apesar da gravidade do ferimento, ele sobreviveu ao trauma.

O caso de Phineas intrigou os médicos, que destacaram as mudanças abruptas em seu comportamento após o acidente. Os relatos médicos destacaram que ele, um homem antes muito pacífico, se tornou impulsivo e de comportamento socialmente inadequado. Os familiares disseram que “ele não era mais Phineas”.

As limitações de mobilidade e sociabilidade causadas pelo acidente levaram Phineas a deixar sua profissão e até a se juntar a um circo de pessoas excepcionais durante um tempo. Entretanto, relatos médicos contemporâneos destacam como, apesar da ausência total de neurorrebilitação, o paciente ainda conseguiu recuperar parte de sua autonomia.

“Os relatos da época apontam que Phineas de alguma forma se tornou inapto ao convívio social, mas ao mesmo tempo sabemos que ele tomou atividades laborais complexas após o acidente, sendo cocheiro de carruagens coletivas por décadas após o acidente, uma função que demandava tanto o trato social como a força física. Revisitar o caso do senhor Gage nos permite ver uma evidência muito clara da capacidade do cérebro de se adaptar e desafia a ideia de que temos setores com funções rígidas no orgão“, defende Sheldon.

2 imagens

1 de 2

O neuropsiquiatra Sheldon Benjamin participou de forma on-line do envento

VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto

2 de 2

O neuropsiquiatra apresenta o caso de Phineas Gage

VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto

O paciente que só conseguia responder “tantan”

A expressão pejorativa “tantan” para se referir a uma pessoa não-neurotípica tem origem histórica. O paciente francês Louis Victor Leborgne teve uma lesão cerebral causada por uma ferida necrosada que teve por volta dos 30 anos na perna direita. Após a lesão, ele perdeu progressivamente sua capacidade comunicativa e, embora fosse capaz de entender exatamente o que lhe era perguntado, no momento de falar só conseguia responder: “Tantan”.

Seu comportamento se tornou progressivamente mais agressivo e ele foi internado no hospital Bicêtre, em Paris. Em 1861, Louis faleceu e o neurologista Paul Broca fez uma autópsia do seu cérebro, identificando uma lesão no lobo frontal esquerdo. O cérebro de Louis foi a prova para relacionar a região do cérebro à capacidade de articular a fala e a comunicação.

“Embora não tenha sido tão pioneiro como se propagandeou à época, o caso ofereceu a primeira evidência sólida de lateralização cerebral da linguagem e inaugurou a era da neurologia funcional”, comenta o neuropsiquiatra americano.

A primeira paciente com Alzheimer

Conhecida como Frau D, a dona de casa de 51 anos Auguste Deter foi internada por seu marido em Frankfurt, na Alemanha, em 1901. Os familiares relatavam uma mudança abrupta de comportamento dela nos meses anteriores: a mulher havia se tornado violenta e apresentava ciúmes patológicos do marido. Além disso, tinha uma perda progressiva de memória.

O médico Alois Alzheimer registrou o quadro, posteriormente diagnosticado como um tipo raro de demência que ganhou seu nome. Embora hoje o Alzheimer seja conhecido como uma das doenças mais desafiadoras da medicina, o estudo do médico não despertou grande interesse quando foi lançado, em 1906. “Até 1975, só 40 estudos médicos citavam o termo. Por muito tempo foi apenas algo que não nos interessou”, lamenta Sheldon.

A análise do tecido cerebral de Frau D por Alzheimer, porém, foi a primeira a revelar os emaranhados neurofibrilares e placas amiloides que até hoje são a maior evidência de desenvolvimento da doença. Nos últimos anos, o caso dela viria a se tornar o marco inicial da identificação da demência mais comum no mundo contemporâneo.

8 imagens

1 de 8

Alzheimer é uma doença degenerativa causada pela morte de células cerebrais e que pode surgir décadas antes do aparecimento dos primeiros sintomas

PM Images/ Getty Images

2 de 8

Por ser uma doença que tende a se agravar com o passar dos anos, o diagnóstico precoce é fundamental para retardar o avanço. Portanto, ao apresentar quaisquer sintomas da doença é fundamental consultar um especialista

Andrew Brookes/ Getty Images

3 de 8

Apesar de os sintomas serem mais comuns em pessoas com idade superior a 70 anos, não é incomum se manifestarem em jovens por volta dos 30. Aliás, quando essa manifestação “prematura” acontece, a condição passa a ser denominada Alzheimer precoce

Westend61/ Getty Images

4 de 8

Na fase inicial, uma pessoa com Alzheimer tende a ter alteração na memória e passa a esquecer de coisas simples, tais como: onde guardou as chaves, o que comeu no café da manhã, o nome de alguém ou até a estação do ano

urbazon/ Getty Images

5 de 8

Desorientação, dificuldade para lembrar do endereço onde mora ou o caminho para casa, dificuldades para tomar simples decisões, como planejar o que vai fazer ou comer, por exemplo, também são sinais da manifestação da doença

OsakaWayne Studios/ Getty Images

6 de 8

Além disso, perda da vontade de praticar tarefas rotineiras, mudança no comportamento (tornando a pessoa mais nervosa ou agressiva), e repetições são alguns dos sintomas mais comuns

Kobus Louw/ Getty Images

7 de 8

Segundo pesquisa realizada pela fundação Alzheimer’s Drugs Discovery Foundation (ADDF), a presença de proteínas danificadas (Amilóide e Tau), doenças vasculares, neuroinflamação, falha de energia neural e genética (APOE) podem estar relacionadas com o surgimento da doença

Rossella De Berti/ Getty Images

8 de 8

O tratamento do Alzheimer é feito com uso de medicamentos para diminuir os sintomas da doença, além de ser necessário realizar fisioterapia e estimulação cognitiva. A doença não tem cura e o cuidado deve ser feito até o fim da vida

Towfiqu Barbhuiya / EyeEm/ Getty Images

Um superpoder, mas também uma superlimitação

O jornalista russo Salomon Shereshevsky, conhecido como Senhor S, chamou a atenção em 1926 por sua capacidade de memorizar discursos sem tomar notas. Ele era conhecido entre seus colegas de profissão por não apenas ser capaz de repetir exatamente o que as autoridades tinham dito, palavra por palavra, como também por ser capaz de dizê-las de trás para frente e de frente para trás.

O caso se tornou tão célebre que caiu nas mãos do neuropsicólogo Alexander Luria. O profissional estudou o Senhor S por mais de 30 anos, documentando sua memória ilimitada, mas encontrando também algumas falhas que não haviam sido observadas. Embora a capacidade de associar números e palavras de Shereshevsky parecesse ilimitada, com a capacidade de reproduzir discursos mesmo anos depois de ouví-los, a precisão da lembrança contrastava com sua dificuldade de abstração.

Ele parecia incapaz de imaginar ou de completar exercícios de completar sequências que a maioria das crianças considerariam simples. “O caso ilustrou como habilidades extraordinárias em certos domínios cognitivos costumam coexistir com déficits importantes em outros. S não compreendia metáforas e era incapaz de realizar inferências lógicas. Essa é uma evidência da forma complexa e integrada que o cérebro tem que ter para lidar com todas suas variadas demandas”, resume o médico americano.

O paciente que vivia no eterno presente

Conhecido apenas como JP, um jovem do interior dos Estados Unidos nascido em 1933 apresentou comportamento disruptivo desde a infância. Ele foi expulso de todas as escolas de sua região, defecava nas mochilas dos companheiros de classe, mostrava seu pênis a todos e fugia de casa desde os cinco anos sempre que a porta estivesse destrancada.

A partir dos 13 anos, JP passou a roubar carros e tinha o costume de dirigir sempre em frente, até acabar o combustível. Quando isso acontecia, ele esperava que alguém o resgatasse para voltar para casa. O adolescente foi preso e internado em insitituições psiquiátricas por seu comportamento impulsivo e que não media consequências.

JP era tão difícil de lidar que os médicos conseguiram uma autorização para uma “cirurgia exploratória” em seu cérebro, para entender o que havia de errado com o jovem. O procedimento revelou a ausência total do lobo frontal direito do cérebro e a quase completa ausência do esquerdo, resultado provável de uma hemorragia quando ainda era um feto.

“O caso mostrou como era possível comprometer a capacidade de julgamento, planejamento e senso moral, mas sem afetar a linguagem ou a memória imediata. Que o cérebro é também a origem de nossa moralidade e nossa humanidade”, comenta o neuropsiquiatra.

O paciente que perdeu apenas a memória recente

O último caso elencado foi do americano Henry Gustav Molaison, conhecido como “HM”. O americano passou por uma lobotomia bilateral em 1953 para tratar epilepsia severa. A cirurgia, porém, removeu partes do hipocampo, região associada à formação de memórias recentes.

Após o procedimento, HM perdeu a capacidade de consolidar novas memórias, embora mantivesse lembranças anteriores à operação e aprendesse habilidades motoras. Seu caso foi decisivo para a compreensão de diferentes sistemas de memória no cérebro. “A condição de HM marcou a neuropsiquiatria ao demonstrar que memória não é um processo unitário e que se divide no cérebro”, conclui Sheldon.

Siga a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e no Canal do Whatsapp e fique por dentro de tudo sobre o assunto!


Fonte: Metrópoles

Sair da versão mobile