A situação em Gaza é a pior desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, há 19 meses, informou a ONU nesta sexta-feira (30), apesar da retomada de entregas limitadas de ajuda humanitária no enclave palestino, onde a fome se alastra.
Sob crescente pressão global, Israel encerrou um bloqueio de 11 semanas em Gaza há 12 dias, permitindo a retomada de operações limitadas lideradas pela ONU. Na segunda-feira (26), também foi lançada uma nova via para a distribuição de ajuda: a Fundação Humanitária de Gaza (GHF), apoiada pelos Estados Unidos e Israel.
“Qualquer ajuda que chegue às mãos de quem precisa é boa”, disse o porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, a repórteres em Nova York. Mas, acrescentou, as entregas de ajuda, até agora, tiveram “impacto muito, muito pequeno”.
“A situação catastrófica em Gaza é a pior desde o início da guerra”, ele acrescentou.
A ONU e grupos humanitários internacionais se recusaram a trabalhar com o GHF, alegando que a fundação não é neutra e tem um modelo de distribuição que força o deslocamento de palestinos.
Israel quer, em última análise, que a ONU trabalhe por meio da GHF, que utiliza empresas privadas de segurança e logística dos EUA para transportar ajuda para Gaza, para distribuição por equipes civis nos chamados locais de distribuição seguros.
No entanto, Israel permitirá a entrega de ajuda “no futuro imediato” tanto pela ONU quanto pelas operações da GHF, afirmou o embaixador israelense na ONU, Danny Danon, esta semana. A GHF afirmou nesta sexta-feira que, até o momento, conseguiu distribuir mais de 2,1 milhões de refeições.
Israel há muito tempo acusa o Hamas de roubar ajuda, o que o grupo nega.
A guerra em Gaza dura desde 2023, quando combatentes do Hamas mataram 1.200 pessoas em Israel e fizeram cerca de 250 reféns, segundo dados israelenses, e Israel respondeu com uma campanha militar que matou mais de 54.000 palestinos, segundo autoridades de saúde de Gaza.
Saques e acesso
A ONU afirma que, nos últimos 12 dias, conseguiu transportar apenas cerca de 200 caminhões de ajuda humanitária para Gaza, prejudicados pela insegurança e pelas restrições de acesso israelenses.
Não ficou imediatamente claro quanto dessa ajuda chegou aos necessitados. A ONU afirmou que alguns caminhões e um depósito do Programa Mundial de Alimentos também foram saqueados por pessoas desesperadas e famintas.

Funcionários da ONU também criticaram as limitações israelenses quanto ao tipo de ajuda que podem fornecer.
“As autoridades israelenses não nos permitiram trazer uma única refeição pronta para consumo. O único alimento permitido foi farinha para padarias. Mesmo que fosse permitido em quantidades ilimitadas, o que não aconteceu, não representaria uma dieta completa para ninguém”, disse Eri Kaneko, porta-voz da ONU para assuntos humanitários.
Alguns dos beneficiários da ajuda da GHF disseram que os pacotes incluem arroz, farinha, feijão enlatado, macarrão, azeite, biscoitos e açúcar.
Em um processo complexo, Israel inspeciona e libera os carregamentos de ajuda, que são então transportados para o lado palestino da passagem de Kerem Shalom. Lá, a ajuda é descarregada e depois recarregada em outros caminhões para transporte até armazéns em Gaza.
Centenas de outros caminhões de ajuda aguardam atualmente a coleta pela ONU no lado palestino de Kerem Shalom.
“Mais ajuda chegaria às pessoas se vocês recolhessem a ajuda que as espera nas travessias”, disse a COGAT, a agência israelense de coordenação de ajuda militar, à ONU em uma publicação no X nesta sexta-feira.
No entanto, a ONU afirmou que, na terça-feira (27), os militares israelenses negaram todos os seus pedidos de acesso a Kerem Shalom para buscar a ajuda. E na quinta-feira (29), quando 65 caminhões de ajuda conseguiram deixar a travessia, todos, exceto cinco, retornaram devido aos intensos combates.
Cinco caminhões de ajuda médica conseguiram chegar aos armazéns de um hospital de campanha, mas “um grupo de indivíduos armados invadiu os armazéns, saqueando grandes quantidades de equipamentos médicos, suprimentos, medicamentos e suplementos nutricionais destinados a crianças desnutridas”, disse Dujarric.

Proposta de cessar-fogo
Israel afirma que tem facilitado todas as entregas de ajuda. O COGAT afirmou esta semana que, desde a guerra, 1,8 milhão de toneladas de ajuda humanitária, incluindo 1,3 milhão de toneladas de alimentos, chegaram a Gaza.
Uma proposta dos EUA para um cessar-fogo de 60 dias no conflito – aceita por Israel e atualmente em análise pelo Hamas – prevê a entrega de ajuda humanitária pelas Nações Unidas, pelo Crescente Vermelho e por outros canais acordados.
Durante um cessar-fogo de dois meses, encerrado quando Israel retomou sua operação militar em março, a ONU afirmou que enviava de 600 a 700 caminhões de ajuda humanitária por dia para Gaza. A ONU enfatizou que, quando as pessoas sabem que há um fluxo constante de ajuda, os saques diminuem.
“Para evitar o caos, a ajuda deve fluir de forma constante”, publicou Corinne Fleischer, diretora do Programa Mundial de Alimentos da ONU para o Oriente Médio, Norte da África e Europa Oriental, no X na quinta-feira.
“Quando as pessoas sabem que a comida está chegando, o desespero se transforma em calma”, afirma.