A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou nesta segunda-feira (2) as audiências com testemunhas do “núcleo 1” da ação penal que apura uma tentativa de golpe de Estado em 2022. Ao todo, foram ouvidas 52 pessoas.
O “núcleo 1” é considerado o grupo crucial para o desenvolvimento da trama golpista e inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete aliados.
Concluída a escuta das testemunhas, passa-se agora a uma nova fase do processo de tramitação da ação penal no Supremo, com possíveis diligências complementares para esclarecimentos e o interrogatório dos réus, marcado para a próxima segunda-feira (9).
Até então, a maioria das testemunhas – todas arroladas pelas defesas – negou que os réus tivessem discutido ou arquitetado um plano para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Dois ex-comandantes das Forças Armadas, porém, confirmaram que Bolsonaro estudou medidas de exceção e discutiu uma minuta para se manter no poder.
Confirmação de discussões golpistas
Os ex-comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Força Aérea Brasileira (FAB), Carlos de Almeida Baptista Júnior, deram declarações semelhantes ao STF sobre o envolvimento de Jair Bolsonaro em reuniões de teor golpista.
Freire Gomes relatou que o ex-presidente apresentou a ele e a outros militares documentos com “estudos” que sugeriam decretar Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou estado de defesa.
Segundo o general, os textos se baseavam na Constituição e não houve ordem direta para executar qualquer ação. Ele disse ter alertado Bolsonaro sobre os riscos de medidas sem respaldo legal e afirmou que o Exército não participaria de ações ilegais.
Já Baptista Júnior confirmou que os comandantes das Forças Armadas tiveram acesso a uma minuta com conteúdo golpista e participaram de reuniões que discutiam um possível golpe de Estado. O ex-comandante da Aeronáutica afirmou ainda que, durante uma dessas reuniões, foi feito um “brainstorming” e chegou-se a cogitar a prisão do ministro Alexandre de Moraes.
Contradições
Os depoimentos dos ex-comandantes, porém, foram marcados por divergências em relação a diversos pontos.
Freire Gomes apresentou uma versão mais amena dos acontecimentos, em contraste com o que havia declarado à Polícia Federal (PF) e com o depoimento de Baptista Júnior.
Durante seu depoimento, Baptista Júnior reafirmou que o então comandante do Exército ameaçou prender Bolsonaro caso o ex-presidente tentasse aplicar um golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022.
“O general Freire Gomes é educado e não falou com agressividade ao presidente, mas foi isso que ele disse. Com calma e tranquilidade: ‘Se você tentar isso, eu vou ter que lhe prender’”, declarou Baptista Júnior.
Freire Gomes, por sua vez, negou o episódio: “Alguns veículos relataram que eu teria dado voz de prisão ao ex-presidente, mas isso não aconteceu”, afirmou, atribuindo a versão à imprensa.
Os relatos também divergiram quanto ao papel do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier. Segundo Baptista Júnior, Garnier teria colocado tropas à disposição de Bolsonaro para tentar impedir a posse de Lula.
Já Freire Gomes minimizou o gesto e disse não ter interpretado a atitude como conluio, embora, em depoimento anterior à Polícia Federal, tenha sinalizado o contrário.
A divergência nos depoimentos provocou a primeira de várias represálias do ministro Alexandre de Moraes a testemunhas e advogados. “Ou o senhor falseou a verdade na Polícia Federal, ou está falseando a verdade aqui”, disse Moraes ao general Freire Gomes.
Broncas de Moraes
No dia 28 de maio, durante o depoimento de uma testemunha de defesa do ex-secretário Anderson Torres, Moraes voltou a se irritar. O motivo foi a afirmação de que o Comando-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) não estaria subordinado à Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF), mas apenas vinculado a ela.
A testemunha, um servidor da SSP-DF, sustentou que a relação era apenas administrativa, sem subordinação formal. A tese foi não teve questionamentos da PGR ou de advogados de defesa.
Moraes contestou com veemência, afirmando que, como ex-secretário de Segurança, sabe que a subordinação é plena, com o secretário no comando da PM e da Polícia Civil. Diante da insistência, ironizou: “O secretário de Segurança é uma rainha da Inglaterra aqui?”, exigindo uma resposta clara sobre a hierarquia.
O momento mais tenso, no entanto, ocorreu no depoimento do ex-ministro Aldo Rebelo, que foi ameaçado de prisão por Moraes após se recusar a responder diretamente se participou de uma reunião em que o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, teria colocado tropas à disposição de Jair Bolsonaro após as eleições de 2022.
Rebelo tentou relativizar a fala de Garnier, dizendo que expressões como “estar à disposição” não deveriam ser interpretadas literalmente. Moraes insistiu por respostas objetivas. O ex-ministro reagiu afirmando que não aceitaria censura, e foi então ameaçado de prisão por desacato à autoridade.
Blitz nas eleições
Testemunhas também confirmaram pedidos incomuns e enviesados por parte da chefia da Polícia Rodoviária Federal (PRF) a respeito de operações de “blitzes” no dia das eleições.
Adiel Pereira Alcântara, ex-coordenador de Análise de Inteligência da PRF, afirmou ao STF que o diretor de operações da corporação, Djairlon Henrique, pediu apoio para monitorar ônibus e vans de Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro com destino ao Nordeste.
O diretor teria lhe dito que “era hora de a PRF tomar lado”, por ordem do então diretor-geral, Silvinei Vasques. Mais tarde, em seu próprio depoimento, Djairlon afirmou que a ordem para as blitzes vieram do Ministério da Justiça.
Próximos passos
Concluída a fase de escuta das testemunhas, os ministros farão o interrogatório dos réus, marcado para a próxima semana.
Além disso, acusação e defesa devem ser intimadas e terão o prazo de cinco dias para requerer diligências complementares, ou seja, novas investigações ou esclarecimentos considerados necessários.
Depois, as partes serão novamente intimadas a apresentar as alegações finais por escrito. O prazo para cada uma delas é de 15 dias, com início pela acusação.
Só após entregues as alegações finais, é considerada encerrada a fase de instrução. Moraes deverá então preparar seu relatório e voto. Ele não tem prazo para isso.
Quando estiverem prontos, o processo seguirá para julgamento pela Primeira Turma do STF. Em data escolhida pelo presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, os ministros votarão para condenar ou absolver os réus.