As políticas fiscal e monetária se relacionam diretamente e o cenário de uma tende alimentar o da outra, segundo economistas ouvidos pela CNN. E após o Banco Central (BC) voltar a subir a taxa Selic, que mede os juros básicos do país, os cálculos apontam para impactos bilionários na dívida pública federal.
A elevação da Selic afeta diretamente a Dívida Pública Federal (DPF) – contraída pelo Tesouro Nacional para financiar o déficit do governo federal, incluindo o refinanciamento da própria dívida – através do custo dos papéis cujos ganhos são atrelados à taxa, como as LFTs (Tesouro Selic) e as operações compromissadas.
“Mas não só, a elevação da Selic tendo efeito sobre a curva de juros como um todo tende a afetar a dívida via custo de emissão de todos os demais papéis que o governo coloca semanalmente no mercado para financiar o seu déficit e a própria rolagem da dívida”, pontua Jeferson Bittencourt, head de macroeconomia do ASA.
Cenário fiscal força alta dos juros
Ao comunicar sua decisão, o BC ressaltou sua preocupação com a desancoragem das expectativas de inflação do mercado. Um dos fatores no radar da autarquia é o impacto da política fiscal sobre essas percepções.
“A crise fiscal agrava a situação inflacionária, que pressiona a Selic para cima e para mantê-la assim por mais tempo. Colocar o controle da inflação, que demanda a Selic mais alta, como agravante da crise fiscal, esconde a raiz do problema, que está no desequilíbrio dos gastos elevados e nos incentivos a uma atividade econômica mais aquecida, que pressiona os preços”, diz Bittencourt, do ASA.
Nessa linha, o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, reforça a percepção de que o cenário fiscal já deteriorado não deixa opção para o BC se não subir os juros.
“Hoje, a expectativa é de, na melhor das hipóteses, ter uma taxa de juros alta por um longo período de tempo. As pressões inflacionárias continuam presentes e a expectativa é de uma política fiscal extremamente expansionista”, observou em entrevista ao WW.
“Então, se você quer controlar a inflação, a única coisa que sobra é uma política monetária bastante contracionista por um longo período de tempo. É uma situação que não tem muita solução.”
Selic em 15%, impacto bilionário na dívida
Cerca de 47% da DPF é composta por títulos indexados à taxa Selic. Sérgio Goldenstein, ex-chefe do Departamento de Mercado Aberto do Banco Central (BC), pondera que, como o montante de LFT está na ordem de R$ 3,75 trilhões, um aumento de 1 ponto percentual da Selic gera um impacto de R$ 37,5 bilhões ao longo de 1 ano.
A isso, ainda deve ser somado o volume das operações compromissadas do BC, na casa de R$ 1,1 trilhão, cujo impacto no ano de uma alta de 1 p.p. da taxa de juros é de R$ 11 bilhões.
Na quarta-feira (18), o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou, em decisão unânime, os juros em 0,25 ponto, ao patamar de 15% ao ano. Goldenstein estima que a diferença da Selic em 14,75% e aumentá-la em 0,25 p.p representa, no acumulado de um ano, um valor de R$ 12,1 bilhões.
“Considerando o cenário de emissões de títulos em 2025 bem superior ao sinalizado pelo PAF e o elevado custo da dívida, há uma grande probabilidade de que a DPF encerre o ano próxima a R$ 8,5 trilhões (limite superior do PAF), ante R$ 7,3 trilhões no final de 2024”, afirma Goldenstein.
“Em contrapartida, o colchão de liquidez (parcela da Conta Única do Tesouro destinada ao pagamento da dívida) deve fechar o ano em um patamar um pouco acima de R$ 1 trilhão (era de R$ 860 bilhões em dez/24), o que reduz o risco de de refinanciamento da dívida em 2026, ano que pode ser marcado por maior volatilidade do mercado devido às eleições presidenciais”, conclui.
Olhando para a Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi) – montante total de títulos de dívida emitidos pelo governo federal, detidos por residentes no país em moeda nacional – Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, calcula um pagamento de juros em 12 meses de R$ 540,43 bilhões com a Selic a 15%.
Isso, porém, considerando que a taxa média se mantenha estável daqui para frente e considerando só a DPMFi. “Se tiver algum estresse por conta da questão fiscal, tem o chamado prêmio de risco e aí o custo pode aumentar”, explica Agostini.
O cenário preocupa Odilon Guedes, presidente do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP), por conta de o governo ter de seguir rolando a dívida – emitindo novos títulos para pagar os antigos.
“A perspectiva é a dívida pública crescer incessantemente porque o governo não consegue um superávit primário para pagar os juros da dívida, e para pagar esses juros o governo precisa se endividar cada vez mais”, indaga Guedes.
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