Historicamente, a diverticulite aguda sempre foi considerada uma condição típica da população idosa, especialmente após os 60 anos, refletindo um processo degenerativo natural da parede colônica. No entanto, observações recentes vêm desafiando esse paradigma.
Há um crescimento consistente — embora ainda não explosivo — no número de casos diagnosticados em adultos jovens, particularmente entre os 20 e 40 anos. Embora a doença diverticular continue sendo majoritariamente uma condição da terceira idade, o aparecimento precoce suscita perguntas urgentes: o que está mudando no perfil de risco populacional? E, o mais importante — por que devemos nos preocupar?
Por que este tema é relevante?
Apesar de relativamente incomum em jovens, a diverticulite nessa faixa etária tem se mostrado clinicamente mais agressiva e com maior risco de complicações, como perfuração, abscessos e necessidade cirúrgica precoce. Segundo uma análise de coorte do Archives of Surgery (2010), pacientes com menos de 50 anos apresentaram maior risco de recorrência e de internações hospitalares repetidas. Isso contraria a ideia de que a doença em jovens é uma exceção benigna e autorresolutiva.
A relevância da pauta reside justamente na transição epidemiológica em curso. O aumento da incidência não parece ser apenas reflexo de melhores métodos diagnósticos, mas sim de uma transformação real nos fatores predisponentes, especialmente os de base comportamental.
O papel do estilo de vida moderno
Fatores como dieta ocidentalizada (rica em gorduras, pobre em fibras), sedentarismo, estresse crônico, obesidade abdominal e tabagismo estão cada vez mais presentes entre os jovens adultos. Esses hábitos têm impacto direto sobre o microbioma intestinal e a motilidade colônica, promovendo disbiose, aumento da pressão intraluminal e inflamação da parede do cólon — os principais mecanismos envolvidos na fisiopatologia da doença diverticular.
Um estudo de grande porte publicado no Gut (2017) identificou que a combinação entre baixa ingestão de fibras e alto consumo de carnes vermelhas e ultraprocessados estava significativamente associada a maior risco de diverticulite em adultos com menos de 45 anos. Isso sugere que a idade cronológica está deixando de ser o fator preponderante, sendo substituída por um “perfil inflamatório comportamental” que atravessa faixas etárias mais jovens.
Diagnóstico: entre a subvalorização e o excesso de investigação
A dor abdominal em jovens, sobretudo no quadrante inferior esquerdo, costuma ser tratada inicialmente com desconfiança para causas orgânicas — frequentemente atribuída a quadros funcionais como a síndrome do intestino irritável (SII) ou até mesmo a causas psicossomáticas. Esse viés pode atrasar o diagnóstico de diverticulite em sua forma inicial.
Por outro lado, a facilidade de acesso à tomografia computadorizada nos grandes centros tem contribuído para maior detecção de casos subclínicos ou oligossintomáticos, levantando dúvidas sobre o real significado clínico de alguns achados radiológicos em jovens. A conduta, portanto, deve ser sempre contextualizada, evitando tanto a negligência quanto a intervenção excessiva.
Manejo e prevenção em jovens: perspectiva atual
Nos casos não complicados, o manejo conservador com antibióticos e dieta líquida permanece o padrão. Contudo, diante da alta taxa de recorrência observada nos jovens, tem-se debatido a indicação de cirurgia após múltiplos episódios, especialmente quando há impacto funcional significativo.
Mais do que isso, a abordagem preventiva torna-se central: promover uma alimentação rica em fibras, incentivar atividade física regular, cessar tabagismo e reduzir o consumo de álcool e ultraprocessados são medidas que extrapolam a prevenção da diverticulite e atuam sobre um amplo espectro de doenças crônicas.
Conclusão: um alerta para as gerações mais jovens
A diverticulite ainda é rara em jovens, mas o aumento da sua prevalência e gravidade nessa população é um reflexo claro da deterioração precoce da saúde intestinal associada ao estilo de vida moderno. Esse fenômeno deve servir de alerta não apenas para os clínicos, mas para políticas de saúde pública voltadas à nutrição e qualidade de vida de adultos jovens.
Ignorar essa tendência pode significar deixar passar uma geração inteira à beira de um colapso gastrointestinal silencioso.
*Texto escrito pelo cirurgião do aparelho digestivo Antonio Couceiro Lopes (CRM 100656 SP | RQE 26013), membro da Brazil Health
Referências
- Andeweg CS, Mulder IM, Felt-Bersma RJ, et al. Guidelines of diagnostics and treatment of acute left-sided colonic diverticulitis. Dig Surg. 2013;30(4-6):278-292. doi:10.1159/000354221
- Rezapour M, Ali S, Stollman N. Diverticular disease: an update on pathogenesis and management. Gut Liver. 2018;12(2):125–132. doi:10.5009/gnl16552
- Strate LL, Liu YL, Syngal S, Aldoori WH, Giovannucci EL. Nut intake and the risk of diverticulitis and diverticular bleeding. JAMA. 2008;300(8):907-914. doi:10.1001/jama.300.8.907
- Bharucha AE, Parthasarathy G, Ditah I, et al. Temporal Trends in the Incidence and Natural History of Diverticulitis: A Population-Based Study. Am J Gastroenterol. 2015;110(11):1589–1596. doi:10.1038/ajg.2015.302
- Shih IF, Liu L, Vittinghoff E, et al. The increasing burden of diverticulitis among young adults: a 20-year longitudinal population-based study. Gut. 2017;66(4):802-808. doi:10.1136/gutjnl-2016-311730