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Mesmo sem perceber, cérebro entende a emoção real do outro

Mesmo sem perceber, cérebro entende a emoção real do outro

Uma pesquisa inédita, realizada com o auxílio de ressonância magnética funcional (RMf), mostrou que nossos cérebros conseguem captar — e representar internamente — a intenção emocional de outra pessoa, mesmo quando não temos consciência disso ou fazemos uma inferência incorreta.

Uma das habilidades mais essenciais para a convivência humana, a de ler e compreender sentimentos genuínos, já havia sido ligada, em pesquisas anteriores, a regiões cerebrais. Mas esses estudos não separavam o que a pessoa sentia (intenção) do que os outros percebiam (inferência emocional).

Publicado recentemente na revista Nature Communications, o novo estudo revela que nossos cérebros processam de maneira distinta esses dois aspectos, e que o acerto na nossa percepção (a inferência) depende, em parte, de que esse processamento se alinhe com a intenção real do emissor.

Isso porque, enquanto o cérebro capta sinais emocionais de forma automática e até correta, a interpretação consciente que fazemos (a inferência) pode acabar distorcendo, ou não refletindo exatamente aquilo que está sendo comunicado. A diferença é fundamental para entender as variações na empatia.

Esse “desencontro” entre o que o cérebro percebe e o que a consciência infere ajuda a explicar por que muitas vezes “sentimos” que alguém está mal, mesmo que ela diga que está bem, e vice-versa. Ou seja, a empatia depende do alinhamento da percepção inconsciente com a inferência consciente.

Como nosso cérebro consegue identificar emoções alheias?


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O nosso cérebro processa nossas interpretações dos sentimentos alheios e as emoções que as pessoas realmente expressam • starline/Freepik

Para testar suas hipóteses, os pesquisadores submeteram 100 voluntários a sessões de RMf. O resultado foi surpreendente: nosso cérebro processa, ao mesmo tempo, tanto nossas interpretações conscientes sobre os sentimentos alheios quanto as emoções que as pessoas realmente pretendem expressar.

No experimento, os participantes assistiram vídeos de pessoas relatando experiências emocionais, enquanto avaliavam continuamente a intensidade dos sentimentos observados. Durante a tarefa, a atividade cerebral dos observadores foi monitorada em tempo real, mapeando a resposta das regiões neurais.

Mas havia um elemento prévio fundamental: os narradores dos vídeos já haviam autoavaliado sua intensidade emocional durante as gravações. Isso forneceu aos pesquisadores uma referência objetiva rara — a “verdade fundamental” dos sentimentos genuínos, para compará-los com as percepções.

Depois, usando algoritmos de aprendizado de máquina, os autores desenvolveram dois modelos: um capaz de prever as emoções autorrelatadas pelos narradores e outro que identificava as inferências conscientes dos observadores. Os sistemas revelaram redes neurais distintas para cada processo.

O que mais chamou a atenção foi descobrir que, mesmo durante interpretações equivocadas, o cérebro mantinha sinais latentes das emoções genuínas dos narradores. Ou seja, nosso sistema nervoso capta inconscientemente mais informações emocionais do que conseguimos acessar conscientemente.

Implicações da pesquisa e importância da empatia


É preciso conseguir acessar de forma consciente o que já captamos inconscientemente • Freepik

Quando os pesquisadores mediram o grau de sincronização entre intenção emocional real e inferência consciente, descobriram que pessoas com maior “sintonia” entre esses dois sistemas cerebrais são mais empáticas e conseguem ler as emoções alheias com maior precisão.

Isso significa que a empatia vai além de captar sinais: é preciso conseguir acessar de forma consciente o que já captamos inconscientemente. Em linguagem simples: não precisamos “melhorar a nossa antena”, pois ela já funciona; mas sim calibrar melhor o nosso receptor e evitar interferências.

Para os autores, conseguimos captar emoções de forma automática por padrões de reconhecimento emocional que aprendemos e refinamos ao longo da vida. Porém, nossa inferência deliberada acaba “contaminada” por nossa bagagem pessoal de memórias e preconceitos, ficando menos precisa.

O diferencial desta pesquisa foi apresentar narrativas dinâmicas e autênticas, que capturam a complexidade real da comunicação humana. A abordagem de emoções e expressões autênticas (não encenadas) ofereceu insights mais precisos sobre como processamos emoções em contextos reais do dia a dia.

Em condições que afetam o funcionamento social, como autismo e esquizofrenia, as implicações clínicas são promissoras. Terapias futuras poderiam fortalecer a ponte entre o que essas pessoas já percebem (inconscientemente) e o que conseguem processar (conscientemente), melhorando sua autonomia social.

A implicação final deste estudo é que a empatia não é importante apenas para relacionamentos individuais, mas é literalmente o que mantém nossas comunidades e sociedades funcionando. Quando pessoas se comunicam e interpretam os sentimentos dos outros, isso cria o tecido social que nos permite viver em harmonia.

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