Do lado de fora, a decisão parecia totalmente sem sentido. Por que uma emissora cancelaria um dos seus programas mais conhecidos, que ocupa o primeiro lugar em seu horário?
Mas internamente, na CBS, havia algumas respostas plausíveis para essa pergunta. Enquanto Stephen Colbert, apresentador do “The Late Show”, aproveitava suas férias de verão no início deste mês, executivos da emissora avaliavam os prós e contras de cancelar o programa — único em sua proposta, mas infelizmente deficitário.
Os “contras” eram evidentes, como ficou claro nas vaias da plateia quando Colbert anunciou o cancelamento na noite de quinta-feira (17).
Porém, os “prós” acabaram prevalecendo porque, segundo fontes próximas à rede, o “The Late Show” vinha acumulando prejuízos, sem sinais de reversão no curto prazo.
Foi uma “decisão agonizante”, admitiram os executivos em comunicado oficial.
Mesmo sob condição de anonimato, pessoas com acesso à alta cúpula da CBS insistem que o cancelamento foi motivado por razões financeiras, e não políticas.
Muitos observadores, no entanto, têm sérias dúvidas, já que Colbert é conhecido por suas críticas contundentes ao presidente Donald Trump.
O Sindicato dos Roteiristas da América (WGA), que representa os roteiristas do programa, afirmou nesta sexta-feira (18) que teme que o cancelamento tenha sido uma “troca de favores” para agradar ao governo Trump. A entidade pede que a procuradoria-geral do estado de Nova York abra uma investigação.
Enquanto o debate político se intensifica, aqui estão os dados sobre o assunto:
A dura realidade da TV noturna
O modelo de negócios da TV noturna vem sofrendo colapso há anos. A fragmentação do público e a concorrência digital provocaram uma queda generalizada na receita publicitária. Um executivo descreveu a situação na CBS como um “desmoronamento”.
Embora Colbert mantivesse liderança na audiência das 23h35, o público total da faixa noturna está em queda livre.
“Os dólares da publicidade e o público estão se afastando dos talk shows noturnos”, noticiou a Variety — isso ainda em 2023.
De lá para cá, o cenário só piorou. A empresa de dados publicitários Guideline estima que os talk shows noturnos arrecadaram US$ 439 milhões em publicidade em 2018 — valor que caiu para apenas US$ 220 milhões em 2024, uma redução de 50%.
Os programas de Colbert e seus concorrentes — Jimmy Fallon e Jimmy Kimmel — são caros por natureza: envolvem centenas de profissionais e produções complexas em estúdio.

Além disso, não se adaptam bem às plataformas de streaming, pois são fortemente pautados pela atualidade, o que reduz sua “vida útil”. Comentários e entrevistas de Colbert costumam viralizar nas redes sociais, mas essa visibilidade não se traduz diretamente em receita, já que a CBS não controla essas plataformas.
Mas a CBS não poderia ter ajustado os custos?
Foi o que a emissora fez em 2023 no horário das 00h35. O “The Late Late Show with James Corden” chegou ao fim — também por motivos financeiros — e foi substituído por uma produção mais barata, o programa “After Midnight”.
Colbert era produtor executivo de ambos — “After Midnight” e “The Late Show” — e, portanto, conhecia bem a situação financeira.
Mas a rapidez da decisão da emissora sugere que ele teve pouco tempo para propor alternativas ou cortes de custo.
Uma “vítima da fusão”?
Segundo uma fonte próxima a Colbert, a aposentadoria do programa, prevista para maio de 2026, foi uma “vítima da fusão”.
A fusão em questão envolve a Paramount, controladora da CBS, e a Skydance, empresa de mídia liderada por David Ellison, filho do bilionário da Oracle, Larry Ellison.
Larry Ellison é amigo de longa data de Donald Trump e já se declarou publicamente como seu apoiador. David Ellison, por sua vez, foi visto com Trump em eventos do UFC no início do ano.
Essa fusão importa por dois motivos: primeiro, porque empresas costumam cortar custos durante processos de fusão; segundo, porque o acordo depende de aprovação do governo Trump.
Neste mês, a Paramount fechou um acordo com Trump para encerrar um processo judicial contra o programa “60 Minutes”, da CBS News. A empresa concordou em destinar US$ 16 milhões para a futura biblioteca presidencial de Trump. Trump sugeriu, à época, que o acordo incluía outros termos.
Embora não haja evidências de que o cancelamento de Colbert esteja ligado ao acordo, senadores democratas, como Elizabeth Warren, exigem esclarecimentos.
“Os americanos merecem saber se o programa foi cancelado por motivos políticos”, afirmou Warren em nota oficial na noite de quinta-feira.
No mínimo, os executivos da CBS sabiam que aposentar o “The Late Show” causaria grande repercussão.
Trump comemorou o cancelamento na manhã de sexta-feira, escrevendo na Truth Social: “Adorei saber que o Colbert foi demitido. Seu talento era ainda menor que sua audiência. Ouvi dizer que o Jimmy Kimmel será o próximo. Tem ainda menos talento que o Colbert!”
Enquanto isso, o processo de revisão da fusão pelo governo Trump segue em andamento, embora lentamente. David Ellison esteve em Washington na terça-feira para se reunir com o presidente da FCC, Brendan Carr, e outros funcionários do órgão, segundo documento da Skydance divulgado nesta sexta-feira.
A empresa afirmou que Ellison “reforçou o compromisso da Skydance com o jornalismo imparcial e a valorização de pontos de vista diversos, princípios que garantirão que as decisões editoriais da CBS reflitam a variedade de perspectivas ideológicas do público americano.”