Antes mesmo da gestação, casais podem realizar painéis de portadores para identificar mutações recessivas que, se transmitidas pelos dois parceiros, podem causar doenças como fibrose cística ou atrofia muscular espinhal.
Dados do American College of Medical Genetics mostram que até 1 em cada 25 adultos carrega alguma mutação para doenças graves, muitas vezes sem qualquer sintoma. Quando ambos são portadores, o risco de o filho ser afetado chega a 25%.
Conhecer esse risco permite três caminhos: tentar naturalmente com diagnóstico pré-implantacional na fertilização in vitro; utilizar gametas de doador; ou apenas estar preparado para realizar exames específicos durante a gestação. Em famílias com histórico de câncer hereditário (como BRCA1/2), a avaliação genética pode orientar não apenas a saúde materna, mas também decisões sobre preservação da fertilidade.
Durante a gestação: testes seguros, indicações claras
A partir da 10ª semana, o NIPT (teste pré-natal não invasivo) analisa fragmentos de DNA fetal circulando no sangue materno para detectar síndromes cromossômicas como Down, Edwards e Patau, com sensibilidade superior a 99%. Ele não substitui o ultrassom morfológico nem o exame confirmatório invasivo (amniocentese ou biópsia de vilo corial) quando o resultado é positivo, mas reduz a necessidade desses procedimentos em até 60%.
Já a amniocentese, indicada entre 15 e 20 semanas, continua sendo o padrão-ouro para confirmar aneuploidias e investigar doenças metabólicas ou infecções congênitas; o risco de perda gestacional é atualmente de 0,1 a 0,3%, graças ao refinamento das técnicas de punção.
Interpretar qualquer resultado exige equipe multidisciplinar (ginecologia, obstetrícia e genética médica). Um “risco alto” em NIPT não é diagnóstico; da mesma forma, um resultado alterado no ultrassom pode ser um falso-positivo e causar ansiedade desnecessária. O diálogo transparente sobre limitações estatísticas evita decisões precipitadas — como interrupção da gestação — baseadas apenas em probabilidade.
Depois do parto: triagem neonatal ampliada e futuro da criança
O “teste do pezinho” obrigatório cobre até seis doenças no SUS (fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, fibrose cística, entre outras). Versões ampliadas, já oferecidas em vários estados e na rede privada, rastreiam de 50 a 80 doenças metabólicas tratáveis se diagnosticadas nos primeiros dias de vida.
Estudos do Instituto Nacional de Saúde dos EUA mostram que a detecção precoce de acidemias orgânicas reduz em 74% a mortalidade e previne sequelas neurológicas graves.
Nos próximos anos, projetos-piloto de sequenciamento genômico neonatal pretendem incluir centenas de genes associados a condições de início precoce com tratamento disponível; o desafio será diferenciar mutações realmente patogênicas de achados de significado incerto, evitando sobrecarregar as famílias com informações que não mudam condutas clínicas.
Mais genética, menos ansiedade — a importância da personalização
Nem todo casal precisa de todos os exames — e o excesso de testes pode gerar confusão, custos elevados e decisões baseadas no medo e ansiedade. As recomendações das sociedades de ginecologia, obstetrícia, pediatria e genética médica convergem em três pontos:
- Avaliação individual de histórico familiar, idade materna, etnia e condições clínicas;
- Aconselhamento genético antes e depois de cada exame, para explicar o alcance e as limitações;
- Rede de cuidado que inclua acompanhamento psicológico para lidar com resultados inesperados.
Com tecnologia acessível e equipes preparadas, a genética deixa de ser um oráculo distante e se transforma em ferramenta prática de saúde preventiva — sem esquecer que, além dos genes, o ambiente, o afeto e as escolhas de estilo de vida acompanham a criança por toda a vida.
*Texto escrito pela ginecologista Ana Horovitz (CRM 111739), membro da Brazil Health