O Líbano instruiu, na terça-feira (5), o exército a elaborar um plano para estabelecer um domínio exclusivo de armas no país até o final de agosto.
A ação desafia o Hezbollah, grupo apoiado pelo Irã, que rejeita os apelos para o desarmamento.
Israel atacou o Hezbollah no ano passado, em uma investida que se desencadeou por conta do conflito em Gaza. A ofensiva matou muitos integrantes de alto escalão e 5 mil combatentes do grupo, antes de uma trégua estabelecida em novembro de 2024 mediada pelos Estados Unidos.
No caso de cessar-fogo, o Líbano se comprometeu a restringir o uso de armas a seis forças de segurança estatais específicas, além de confiscar armas não autorizadas e impedir o rearmamento por grupos não estatais, como o Hezbollah.
Nos meses seguintes, sob a liderança de um novo governo, o Líbano prometeu restringir as armas em todo o país ao controle estatal.
A principal rota de armas do Hezbollah foi cortada quando Bashar al-Assad, o ex-presidente da Síria e aliado do grupo, foi deposto em dezembro de 2024. O envio do Irã também foi afetado devido ao ataque de Israel em junho.
Desde então, o governo do Líbano está sob pressão dos EUA e dos rivais domésticos do Hezbollah para agir rapidamente, em meio a temores de que Israel possa intensificar os ataques aéreos contra o país.
Apesar do cessar-fogo estabelecido em novembro, Israel continua a realizar ataques contra o que afirma serem depósitos de armas e combatentes do Hezbollah, principalmente no sul do Líbano.
Qual o envolvimento dos EUA?
Em junho, o enviado dos EUA, Thomas Barrack, propôs um roteiro às autoridades libanesas para o desarmamento total do Hezbollah em troca da interrupção dos ataques israelenses ao Líbano e da retirada de suas tropas de cinco pontos que ainda ocupam o sul do país.
Mas o Hezbollah e seu principal aliado xiita, o Movimento Amal, liderado pelo presidente do parlamento, Nabih Berri, afirmam que a sequência deve ser revertida, com Israel se retirando e interrompendo os ataques antes de qualquer negociação sobre as armas do Hezbollah.
Contudo, os EUA exigem que o governo do Líbano tome a iniciativa com um compromisso formal de desarmar o Hezbollah.
Capacidade militar do Hezbollah
Após o fim da guerra civil de 15 anos no Líbano, em 1990, o Hezbollah, fundado pela Guarda Revolucionária do Irã em 1982, foi o único grupo autorizado a manter suas armas, sob a alegação de que estava combatendo a ocupação israelense do sul do país.
Após a retirada de Israel em 2000, o grupo não entregou suas armas, argumentando que a capacidade de combate ainda era um elemento crítico da defesa nacional contra futuras agressões israelenses.
Um acordo de cessar-fogo após uma guerra entre o Hezbollah e Israel em 2006 foi apoiado por uma resolução da ONU exigindo o desarmamento de todos os grupos militantes — mas o Hezbollah novamente manteve suas armas, acusando Israel de ter violado outras partes do acordo de trégua.
O Hezbollah tomou partes de Beirute em combates em 2008, reforçando seu domínio. O grupo exerceu influência decisiva sobre os assuntos de Estado nos anos seguintes, à medida que seu poder crescia.
Riscos de conflito civil
O Hezbollah classificou a decisão do governo de solicitar ao exército planos para desarmá-lo como um “erro grave” que “serve plenamente aos interesses de Israel”.
O chefe do Hezbollah, Naim Qassem, rejeitou todas as cláusulas do roteiro do enviado dos EUA Thomas Barrack.
Além disso, quando Qassem discursou na terça-feira (5), dezenas de motocicletas com homens carregando bandeiras do Hezbollah circularam nos subúrbios ao sul de Beirute, capital do Líbano — demonstrando a força do grupo.
Pairando sobre qualquer tentativa de forçar o Hezbollah a se desarmar, permanece a memória de episódios anteriores de agitação civil, incluindo os combates de 2008, desencadeados pela tentativa do governo de desligar a rede de telecomunicações militar do grupo.
Essa instalação é importante para o grupo, mas tem menos valor se comparada as armas.
Quais são as complicações políticas?
O sistema de compartilhamento de poder do Líbano distribui cargos no setor público – incluindo no parlamento, no gabinete e em outras funções – a diferentes grupos religiosos de acordo com cotas.
O sistema visa garantir que nenhum grupo seja excluído da tomada de decisões, mas os críticos dizem que isso leva à paralisia política. A representação xiita tanto no parlamento quanto no gabinete é dominada pelo Hezbollah e seu aliado político, o Movimento Amal.
Dois ministros xiitas estavam viajando durante a sessão ministerial de terça-feira (5), e os outros dois saíram nos momentos finais, enquanto a decisão era tomada.
O chefe do Hezbollah Naim Qassem afirmou que qualquer decisão governamental exigiria um consenso nacional e poderia questionar a legitimidade das decisões ministeriais tomadas sem os xiitas.
O que acontece agora?
A decisão ministerial deu ao exército um prazo para apresentar um plano de desarmamento ao governo até o final de agosto. Outra sessão agendada para quinta-feira (7) discutirá a proposta do enviado dos EUA Thomas Barrack.
Alguns partidos libaneses podem continuar tentando encontrar uma solução alternativa que evite um confronto entre o Hezbollah e o Estado, ao mesmo tempo em que evita ataques israelenses mais pesados.