É algo muito familiar para os fãs de esportes americanos: seu time favorito em seu esporte preferido é enviado para jogar uma partida da temporada regular no exterior.
A NFL, NBA, MLB e NHL fazem isso regularmente e, em alguns casos, estão aumentando a quantidade de jogos realizados no exterior a cada ano, em um esforço para expandir a presença do esporte, além de razões econômicas.
Agora, o futebol europeu está se juntando aos superpoderosos esportes americanos na tentativa de realizar partidas além de suas fronteiras nativas.
Na segunda-feira (11), a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) deu oficialmente sua aprovação a um plano proposto pela LaLiga para realizar uma partida da temporada regular entre Barcelona e Villarreal no Hard Rock Stadium de Miami. A partida estava originalmente programada para o dia 21 de dezembro no Estádio de la Cerámica em Villarreal.
A proposta agora segue para a Uefa, entidade governante europeia, e para a Fifa, entidade mundial, para as etapas finais de autorização do que seria um jogo histórico: a primeira partida oficial europeia a ser disputada nos EUA.
Em movimento similar, a Federação Italiana de Futebol aprovou uma partida da temporada regular entre Milan e Como para ser disputada na Austrália em fevereiro de 2026, embora o jogo também aguarde aprovação oficial.
Se a partida espanhola for aprovada, o evento será uma vitória massiva para o presidente da LaLiga, Javier Tebas, que vem defendendo a realização do jogo há anos. Tebas argumenta que isso ajudaria a liga espanhola a manter-se competitiva em um cenário europeu onde a Premier League inglesa ganha cada vez mais dinheiro, enquanto suas contrapartes continentais ficam cada vez mais para trás.
“Não é suficiente mostrar suas partidas na TV. O jogo oficial nos EUA fortalecerá nossa posição no mercado norte americano. Outras ligas muito competitivas estão chegando, então não podemos apenas fazer a mesma coisa que sempre fizemos, eles nos ultrapassarão”, disse Tebas ao veículo espanhol Expansión em abril de 2024.
“Temos que fazer coisas diferentes. Ter a partida no exterior é um assunto estratégico muito importante. Precisamos estar em todas essas áreas e se não estivermos em nível internacional, perderemos muito.”
Em uma entrevista recente à CNN Sports, o presidente do Barcelona, Joan Laporta, disse que o clube estava empolgado com a oportunidade de jogar no exterior e concordou que promover a liga mundialmente é importante.
“Será uma grande honra participar deste evento que será um jogo oficial de LaLiga, mas ao mesmo tempo será um grande evento nos Estados Unidos”, disse ele a Amanda Davies durante a turnê de pré-temporada do clube em Seul, Coreia do Sul.
“Somos um clube que pertence à LaLiga, e somos responsáveis porque queremos comercializar a LaLiga da melhor forma possível.”
Quanto ao Villarreal, o presidente do clube Fernando Roig disse em uma coletiva de imprensa na terça-feira (12) que achava uma “ótima ideia”, acrescentando que a partida era “pelo bem do futebol, do Villarreal e da LaLiga.”
Financeiramente, o movimento é significativo para ambos os clubes. De acordo com a rádio catalã RAC1, Barcelona e Villarreal receberão cada um entre 5 milhões de euros (R$ 31,5 milhões) e 6 milhões de euros (R$ 38 milhões) pela partida em Miami. O Villarreal receberá um pouco mais para compensar a perda de receita de bilheteria por ceder um jogo em casa.
Quando contatado pela CNN Sports, o Barcelona disse que, se a partida acontecer, não divulga detalhes contratuais. A CNN Sports também entrou em contato com a LaLiga e o Villarreal para confirmação desses valores.
Alguns torcedores também veem benefício na proposta, com Borja Jiménez, presidente do grupo de torcedores do Villarreal “L”Os Groc”, chamando-a de “empolgante”.
“Para um clube como o nosso, acho que é uma oportunidade de nos expor e dar visibilidade para o time em um mercado enorme como o americano. Em nosso grupo de torcedores, vemos isso como um festival do futebol espanhol em Miami e será pioneiro”, disse Jiménez à CNN Sports.
“Esperamos vencer lá e fazer muitos americanos se apaixonarem por nós e se tornarem seguidores do “Submarino Amarelo” (apelido do Villarreal).”
Há também um argumento emocional para que a partida seja realizada no exterior. O futebol é o maior esporte do mundo e os torcedores não apoiam mais apenas seus clubes locais – se eles existirem.
Torcedores dos EUA, Oriente Médio, África e Ásia viajam milhares de quilômetros e gastam grandes quantias de dinheiro para assistir seus times europeus favoritos jogarem pessoalmente.
Embora alguns argumentem que não se pode torcer por um time a menos que você seja de determinada cidade ou país, o fanatismo não conhece fronteiras e qualquer oportunidade de espalhar a alegria do esporte para outros países deveria, argumentavelmente, ser celebrada.
Nem todos são a favor
A Federação Espanhola de Membros e Torcedores de Futebol (FASFE), junto com um grupo de torcedores do Villarreal e uma torcida organizada do Barcelona, divulgaram um comunicado na segunda-feira declarando sua “oposição absoluta, total e firme à deslocalização de uma partida para fora da Espanha.”
“Consideramos vergonhoso que tentem perverter nossa liga, roubando-a de seu verdadeiro propósito, que não é outro senão seus torcedores. O futebol é, em grande parte e acima de tudo, um evento social e cultural, e não um ramo da indústria do entretenimento, e o desejo de erradicá-lo da comunidade que o criou e o sustenta desde seu nascimento é um ataque que não podemos ignorar”, disse o comunicado.
A Football Supporters Europe (FSE) ecoou os sentimentos da FASFE, dizendo estar “horrorizada” com as tentativas de realizar jogos do campeonato no exterior por “ganhos comerciais de curto prazo”. A proposta, segundo a entidade, “atinge o coração da relação entre torcedores e seus times, rompendo vínculos vitais entre clubes e suas comunidades.”
O Barcelona disse à CNN Sports que respeita todas as opiniões, mas que não tem mais comentários a fazer a menos que a partida seja oficialmente anunciada.
Por sua vez, o Villarreal tentou aliviar parte do ônus financeiro para os torcedores locais oferecendo passagens aéreas e ingressos gratuitos para a partida em Miami aos sócios-torcedores. Aqueles que optarem por não ir terão um desconto de 20% em seu plano de sócio para a temporada 2025-26.
Jiménez disse à CNN Sports que ele e vários de seus companheiros do “L”Os Groc” pretendem aceitar a oferta do clube para fazer a viagem subsidiada a Miami, acrescentando que “esperam desfrutar de algo diferente e único como os primeiros a experimentar uma partida da liga em solo americano.”
No entanto, não são apenas alguns torcedores que eram e são contra uma partida nos Estados Unidos.
A resistência à proposta por parte de jogadores e clubes começou quando a ideia foi inicialmente sugerida por Tebas; em 2018, a LaLiga anunciou que planejava realizar uma partida oficial nos EUA, mas a proposta foi rapidamente rejeitada.
Os jogadores da liga espanhola na época ficaram “indignados” com a decisão e ameaçaram entrar em greve. A proposta anterior, que envolvia um jogo entre Barça e o também clube catalão Girona, foi então arquivada pelo chefe da LaLiga.
O presidente da Associação de Futebolistas Espanhóis (AFE), David Aganzo, disse na época que fazer o acordo sem consultar os jogadores “mostrava falta de respeito.”
“Não é apenas o jogo em si, em termos de saúde e viagem, simplesmente não faz sentido ter uma partida disputada nos Estados Unidos e fazer com que um time tenha que abrir mão de um jogo em casa.”
“Não pode ser que uma pessoa tome uma decisão de um acordo de 15 anos, que afeta muitas pessoas e sem consultar. Estamos fartos de não sermos valorizados.”
Avançando para hoje, as mesmas preocupações se aplicam. Na terça-feira, o gigante do futebol espanhol Real Madrid expressou sua indignação com o avanço da proposta, dizendo que “rejeita firmemente” a ideia da partida em Miami por razões competitivas e pedirá à Fifa, Uefa e ao Conselho Superior de Esportes da Espanha (CSD) que neguem o pedido.
“A medida infringe o princípio essencial da reciprocidade territorial, que se aplica em competições de liga com jogos de ida e volta (uma partida em casa e outra na casa do time adversário), perturbando o equilíbrio competitivo e dando uma vantagem esportiva indevida aos clubes solicitantes”, disse o Madrid em seu comunicado.
Uma viagem ao estádio La Cerámica do Villarreal é tradicionalmente vista como um jogo fora difícil para qualquer time da liga, e essa vantagem de jogar em casa será diminuída ao realizar uma partida em Miami.
O Real Madrid, por exemplo, tem um histórico pior jogando fora contra o Villarreal desde a temporada 1998-99 (10 vitórias, 11 empates e quatro derrotas) do que em casa no Estádio Santiago Bernabéu (17 vitórias, seis empates e duas derrotas).
O Barcelona, no entanto, tem um forte histórico jogando fora contra o Villarreal. Os clubes se enfrentaram 50 vezes na liga desde a temporada 1998-99, e dos 25 jogos disputados fora no La Cerámica, o Barça tem 15 vitórias, cinco empates e cinco derrotas, somando mais pontos fora de casa do que em casa.
O Blaugrana também não perde fora para o Villarreal desde a temporada 2007-08 e não deixou pontos pelo caminho desde a temporada 2018-19.
Mas para o Villarreal, uma partida longe do La Cerámica é significativa
O histórico do clube como mandante nas últimas 15 temporadas é de 148 vitórias, 76 empates e 63 derrotas, totalizando 520 pontos no campeonato, enquanto seu desempenho como visitante fica muito atrás com 100 vitórias, 79 empates e 108 derrotas, somando 379 pontos no campeonato – uma diferença de 141 pontos a mais em casa, ou 9,4 pontos por temporada.
A perda de um jogo em casa tem um impacto potencialmente enorme para a equipe em termos de classificação para competições europeias como a Champions League ou Europa League – a qual o Villarreal conquistou na temporada 2020-21.
Ainda que exista resistência entre alguns torcedores e equipes, se há algo que o tempo mostrou repetidamente em qualquer setor da vida – seja nos esportes ou em outras áreas – é que os interesses econômicos geralmente prevalecem, para o descontentamento de muitos dos tradicionalistas ferrenhos que seguem o “Jogo Bonito”.