Uma única noite de sono ruim já é suficiente para deixar marcas visíveis e os sentidos embaralhados. “De imediato, a pessoa pode apresentar sonolência, indisposição, dor de cabeça, irritabilidade e falhas de memória recente”, diz Katie Almondez, psicóloga do sono e membro do Ambulatório do Sono (Ambsono).
Os sinais objetivos costumam aparecer no rosto e no comportamento — aspecto de fadiga, olheiras, mau humor e impaciência — enquanto as queixas subjetivas traduzem o impacto no bem-estar.
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O neurologista e médico do sono Lucio Huebra, membro do Conselho Diretor da Academia Brasileira do Sono, descreve um pacote de efeitos agudos no dia seguinte a uma noite mal dormida: fadiga, olheiras, bocejos, desatenção, dificuldade de concentração, dor de cabeça, tontura, menor disposição para tarefas complexas e “maior propensão a erros e acidentes” são alguns deles.
Segundo o especialista, a privação também mexe com o circuito de prazer e recompensa, favorecendo escolhas impulsivas — álcool, excesso de doces, compras ou uso de estimulantes.
Sinais mais comuns após uma noite mal dormida
- Sonolência e fadiga diurna, além de dor de cabeça (bocejos repetidos, olheiras, corpo “pesado”).
- Queda de atenção e concentração, tempo de reação mais lento e mais erros.
- Falhas de memória recente e pensamento mais “rígido”.
- Menor disposição física e motora para atividades do dia.
- Impulsividade e busca de recompensas rápidas (doces, álcool, compras).
Por dentro, a engrenagem do sono depende de dois sistemas que precisam “conversar”: o homeostático (quanto mais tempo acordado, maior a pressão para dormir) e o circadiano (o relógio biológico que se sincroniza com luz e o escuro).
“A regularidade de horários ajuda esse relógio a entender quando é hora de dormir e quando é hora de acordar”, reforça Katie. De dia, a luz natural impulsiona o cortisol — o hormônio que “liga” o organismo — e, à noite, a queda de cortisol e a melatonina sinalizam o início do descanso.
Quando dormimos pouco, essa sincronização se desarranja: cai o estado de alerta e a atenção, o humor oscila e a consolidação de memórias — que depende de uma arquitetura adequada de sono — fica prejudicada.
Só vá para a cama com sono. Se não adormecer, levante, faça algo relaxante e retorne quando a sonolência vier
Huebra destaca ainda um efeito de bastidor: durante o sono profundo, o sistema glinfático “faxina” o cérebro. Sono insuficiente ou de má qualidade favorece acúmulo de proteínas tóxicas associadas à neurodegeneração.
O especialista observa que até uma noite em claro já pode produzir acúmulos anormais de beta-amilóide, além de afetar o sistema imune (com repercussão, por exemplo, na resposta a vacinas).
Nem toda noite ruim é insônia. “O que diferencia é a persistência”, explica Katie. Para diagnóstico de transtorno de insônia, a queixa precisa ocorrer pelo menos três vezes por semana, por três meses, com impacto no dia a dia.
E um alerta: higiene do sono e técnicas de relaxamento são fundamentais mas, sozinhas, não tratam quadros crônicos — elas abrem caminho para a abordagem completa.
Café, energéticos e açúcar: ajudam ou atrapalham?
“A cafeína bloqueia receptores de adenosina e aumenta o estado de alerta temporariamente”, diz Almondez. Em excesso, porém, estimula demais, piora a irritabilidade e compromete a noite seguinte, alimentando um ciclo vicioso.
Energéticos concentram cafeína e taurina, além de muito açúcar: dão um pico breve de energia seguido de queda brusca, com mais cansaço e dificuldade de foco. O açúcar, por si só, produz esse efeito “montanha-russa” de glicose, que favorece a sonolência depois.
Luz à noite é vilã: telas (celular, computador, TV) emitem luz azul que sinaliza “dia” para o cérebro e inibe melatonina. Reduza brilho, use modos noturnos e desconecte-se pelo menos 1–2 horas antes de deitar
Como reverter a noite ruim (e proteger a próxima)
Segundo os especialistas, existe a possibilidade de virar o jogo e descansar de verdade durante a noite. Veja algumas dicas:
- Durante o dia, busque luz natural pela manhã; movimente-se (atividade leve a moderada); hidrate-se bem e evite cochilos longos — se for inevitável, faça um cochilo breve, de até 30 minutos, para “quebrar” a sonolência.
- Limite cafeína e energéticos após o meio da tarde e prefira refeições leves à noite.
- Prefira quarto escuro, silencioso e arejado: cama é para dormir (e para intimidades) — não para trabalho ou resolver problemas.
- Horários quase fixos para dormir e acordar, inclusive fins de semana, são a peça central para o descanso.
- Finalize pendências mais cedo e crie um ritual tranquilo (leitura leve, banho morno, respiração).
Se as dificuldades persistirem ou se houver prejuízo importante na rotina, procure avaliação com profissionais habilitados em medicina e psicologia do sono. Como resume Katie, a higiene do sono “é o início de um processo” — em quadros crônicos, é preciso ir além.
Mesmo após uma noite ruim, Huebra lembra que o organismo tenta compensar na noite seguinte com mais sono profundo — aproveite esse impulso, cuidando do ambiente e da rotina, para virar o jogo.
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Fonte: Metrópoles