O mercado brasileiro dos terminais de contêineres passou por uma rápida transformação nos últimos anos, com o avanço de grandes companhias de navegação no controle societário desses ativos, em detrimento de operadores “bandeira branca” (sem negócios no transporte marítimo de cargas).
Estudo da consultoria GO Associados mostra que 14 dos 23 terminais atualmente em operação ou que entram em funcionamento até 2026, no Brasil, são administrados diretamente por armadores (jargão do mercado para as empresas de navegação).
Desse total, oito passaram às mãos de gigantes do setor – como a suíça MSC, a dinamarquesa Maersk e a francesa CMA CGM – desde 2022.
“Isso é ruim? Não, mas queremos mais concorrência. Não tira a competitividade, mas a [maior] concorrência estimula o aumento da produtividade”, diz o economista Gesner Oliveira, sócio da GO Associados.
O estudo foi apresentado ao Tribunal de Contas da União (TCU) e anexado ao processo de análise do Tecon Santos 10, o novo superterminal de contêineres no estuário santista, que deve ser o maior leilão portuário já realizado no país.
As regras do leilão têm dividido grupos empresariais e mobilizado lobistas, consultorias econômicas e escritórios de advocacia em Brasília.
A intenção do Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) é realizar a licitação na segunda quinzena de dezembro. O Tecon Santos 10, com quase R$ 6 bilhões em investimentos, deve ampliar em 50% a capacidade de movimentação de contêineres no porto – hoje à beira da saturação.
Pelas regras propostas pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e endossadas pelo ministério, o leilão será dividido em duas fases.
Na primeira, operadores atuais no Porto de Santos ficarão impedidos de participar. Se não houver ofertas, aí sim os incumbentes poderão entrar na disputa — mas, caso arrematem a concessão, precisarão vender seus ativos antes de assinar o contrato do novo terminal.
O modelo está em avaliação no TCU. A unidade técnica do tribunal de contas pretende concluir sua análise entre o fim de agosto e o início de setembro. Em seguida, o documento será levado ao gabinete do ministro Antonio Anastasia, relator do processo.
Pareceres e estudos
Na semana passada, conforme noticiou a CNN, um parecer jurídico do ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres Britto classificou as restrições como “desproporcionais” e “clamorosamente desnecessárias”.
Para o ex-ministro, elas impõem um “sacrifício drástico” à concorrência no leilão e barram a participação de empresas com sólida experiência no setor.
De acordo com ele, remédios concorrenciais poderiam ter sido adotados como alternativa.
Ayres Britto também criticou a existência de restrições sem manifestação específica do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e sem debate prévio na consulta pública do novo terminal.
O parecer se soma a uma série de vozes defensoras de um leilão totalmente aberto, como o governo de São Paulo, que enviou ofício ao MPor e à Antaq criticando as restrições.
Um dos principais argumentos é que o Brasil precisa de investimentos bilionários na expansão portuária e que não há indícios de condutas anticompetitivas dos armadores responsáveis pela operação dos terminais.
O estudo da GO Associados, por sua vez, destaca o risco de concentração elevada no setor.
Em 2034 (quando o Tecon Santos 10 estaria plenamente operacional), segundo Gesner, há possibilidade de que as quatro maiores empresas do setor detenham 83% do mercado total de contêineres caso o leilão do terminal santista seja vencido por um dos incumbentes.
“A partir de 75% do mercado, deve haver um ponto de atenção”, afirma Gesner, que já foi presidente do Cade.
“Ao preparar uma nova licitação, o objetivo deve ser incentivar novos entrantes”, acrescenta o economista.
Nos últimos anos, houve uma série de aquisições e investimentos de armadores na movimentação de contêineres, reconfigurando o mapa do setor.
Em 2024, a CGA CGM adquiriu o controle da Santos Brasil e passou a operar três terminais. Além de um Santos, agora administra ainda uma unidade em Vila do Conde (PA) e outra em Imbituba (SC). Ela já tinha uma operação modesta em Fortaleza (CE).
A MSC e a Maersk, líderes no transporte marítimo internacional, são sócias da Brasil Terminal Portuário (BTP) — que rivaliza com a Santos Brasil no maior porto do país. As duas gigantes têm interesse em disputar o Tecon Santos 10, mas individualmente.
A Maersk tem operações de contêineres em Pecém (CE) e está construindo um novo terminal em Suape (PE), que deve ser inaugurado em 2026.
A MSC detém um dos ativos mais modernos do setor, o Portonave, em Navegantes (SC). Ao comprar também em 2024 a Wilson Sons, operadora brasileira de bandeira branca, entrou em Salvador (BA).
Uma das poucas grandes operadoras de contêineres no Brasil ainda sem controle societário de um armador é a DPW, dos Emirados Árabes, que administra um dos terminais existentes em Santos.
Para Gesner, o ponto a ser monitorado não é a verticalização em si (quando companhias de navegação operam terminais), mas a concentração crescente no mercado.
Concorrência
O especialista em transportes Luis Claudio Montenegro, ex-diretor da autoridade portuária de Santos e ex-presidente da Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo), discorda das conclusões apresentadas no estudo da GO Associados.
“Fica parecendo, erroneamente, que os armadores tomaram o país. Não há concentração de mercado”, argumenta.
Montenegro reconhece o avanço das companhias de navegação nos terminais de contêineres. Ele ressalta que é um processo visto no mundo todo e que essa tendência demorou a chegar no Brasil, mas representa um problema em si.
O grande entrave do setor portuário hoje, segundo ele, é o aumento das filas de navios que pedem para atracar em Santos.
Em 2019, a fila média era de 8,9 horas. Em 2024, saltou para 53 horas de espera, o que demonstra a saturação dos terminais.
“Para quem é operador bandeira branca, melhor dos mundos. Para quem tem operações integradas, pior dos mundos. Esperar tanto é uma tragédia para o armador”, diz Montenegro.
Essa situação gera ineficiência, aumento de custos e eventualmente até cancelamento de alguma “perna” das viagens de navios para compensar o acúmulo de tempo perdido.
Para o especialista, Santos precisa urgentemente de investimentos e não há por que se preocupar com a concentração de mercado.
Montenegro prefere adotar o conceito de “área de influência” — origem ou destino das cargas movimentadas em determinado porto.
De acordo com ele, Santos absorve 61% das cargas conteinerizadas em sua área de influência, que envolve estados como Minas, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
O restante das cargas vai para portos do Rio de Janeiro, de Santa Catarina e do Paraná. “Essa é uma concorrência entre portos que não pode, de forma nenhuma, ser desconsiderada”, diz Montenegro.
O porto do Açu (RJ) e o da Imetame (ES) também têm sinalizado que querem entrar no mercado de contêineres. São Sebastião (SP) também vai receber investimentos bilionários nos próximos anos.
Na avaliação do especialista, esses portos vão representar alternativas para Santos e incrementar a competição no setor.
“É falsa a premissa de que o dono de uma carga em Minas Gerais, por exemplo, procurará necessariamente um terminal de contêineres em Santos”.
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