Alemanha se divide sobre imigração 10 anos após a crise dos refugiados

Anas Modamani, que quando adolescente fugiu da brutal guerra civil da Síria para a segurança da Europa em 2015, é um dos muitos que acabaram na Alemanha , onde ainda vive e agora tem passaporte.

Sentado em um café sírio em Neukölln, um distrito culturalmente diverso da capital alemã, Modamani está sorridente e bem arrumado.

“Quando penso na viagem de hoje, eu não faria de novo – foi tão perigoso. O que me lembro é que muitas pessoas morreram, se afogaram… havia muita gente naquele barco”, disse ele.

O sírio trabalha com TI e, em seu tempo livre, se ocupa gerando conteúdo para seus milhares de seguidores no TikTok. No entanto, ele não é estranho à fama midiática. Poucos dias depois de chegar a Berlim, uma selfie que tirou com a então chanceler alemã, Angela Merkel, viralizou, simbolizando o clima da época.

Esta semana marca uma década desde a decisão histórica de Merkel de abrir as fronteiras de seu país para um grande número de migrantes que estavam chegando à Europa em busca de refúgio de guerras civis ou de terríveis dificuldades econômicas.

 

Cultura da acolhida


Migrantes que chegaram em ônibus fretados pelas autoridades austríacas caminham em direção à fronteira com a Alemanha em 17 de outubro de 2015, perto de Mistlberg, Áustria. • Sean Gallup/Getty Images via CNN Newsource

Imagens de pessoas marchando em massa pelas rodovias, carregando seus pertences nas costas, estão entre as mais marcantes da Europa moderna. E as repercussões daquele momento ainda são sentidas hoje na política alemã e europeia.

Centenas de milhares de pessoas almejavam chegar à Alemanha, um bastião de estabilidade econômica e prosperidade. Merkel os acolheu, declarando em 31 de agosto de 2015: “Wir schaffen das”, ou “Nós conseguimos”.

Essa frase se tornou símbolo de uma abordagem mais ampla conhecida como “Willkommenskultur”, ou cultura da acolhida.

Mas é um legado com o qual a Alemanha ainda está lutando, com o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) surfando na onda do sentimento anti-imigração para se tornar o maior grupo de oposição do país.

O chanceler Friedrich Merz, ciente da ameaça da direita e há muito tempo contrário às políticas migratórias de Merkel – apesar de liderar o mesmo partido da CDU – anunciou amplas revisões na política migratória após assumir o cargo no início deste ano.

Essas revisões incluíram o envio de milhares de guardas de fronteira e a recusa de requerentes de asilo na fronteira, medida que foi considerada ilegal por um tribunal de Berlim.

“Nós claramente não conseguimos lidar com isso. É exatamente por isso que estamos tentando consertar”, disse Merz sobre a situação em julho.

“Melhor momento da minha vida”

O mundo parecia muito diferente quando Modamani chegou à Alemanha no início de setembro de 2015, aos 17 anos. Ele relata uma árdua jornada de 30 dias que o levou pelo Líbano, Turquia, Grécia, Bálcãs, Hungria, Áustria e, finalmente, à Alemanha.

Ele disse que se deslocava constantemente, a pé, com outros migrantes, por campos, por estradas e montanhas, além de fazer uma perigosa travessia de barco.

“Eu estava sozinho, não tinha família, nem amigos. Saí da Síria sozinho por causa da guerra e não queria entrar para o exército… Eu era uma criança tão pequena que não sabia muito sobre a vida”, disse ele à CNN.

Após o famoso anúncio de Merkel em 31 de agosto, milhares de pessoas chegaram ao sul da Alemanha em 5 de setembro e nos dias seguintes — Modamani entre elas.

Ele descreve a chegada à cidade de Munique como “o melhor momento da minha vida”. Os moradores locais se reuniram para aplaudir e distribuir comida e água aos migrantes que chegavam.

A jornada de Modamani, porém, estava prestes a tomar outra reviravolta inesperada. Poucos dias depois, ele tirou aquela selfie com Merkel enquanto ela visitava um centro de refugiados no subúrbio de Spandau, em Berlim.

Imagens dele tirando a foto ganharam manchetes no mundo todo – e transformaram Modamani em uma figura de proa para os refugiados sírios que agora chegam à Alemanha.

“Achei que ela fosse uma atriz ou estrela de cinema”, disse Modamani à CNN, relembrando aquele momento. Embora não conseguissem se entender, já que Modamani só falava árabe na época, “ela percebeu que eu queria tirar uma foto com ela e aceitou”, disse ele.

“Esta mulher nos visitou em um lar de refugiados porque sabia que tinha salvado muitas vidas e queria ver como estavam as pessoas que ela deixou entrar no país.”

Somente em 2015 e 2016, um total impressionante de 1.164.000 pessoas solicitaram asilo pela primeira vez.

De janeiro de 2015 a dezembro de 2024, a Alemanha registrou 2,6 milhões de primeiros pedidos de asilo de diversas nações, de acordo com seu Escritório Federal de Migração e Refugiados (BAMF).

A grande maioria desses pedidos veio de cidadãos da Síria, Afeganistão e Iraque, países assolados por conflitos de longa data. Os sírios representaram mais de um terço dos pedidos nesses dois anos.

Os números caíram depois de 2016, mas aumentaram drasticamente novamente em 2022, após a invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia.

A Alemanha permaneceu como o país número um na União Europeia em pedidos de asilo na última década.

Entre 2015 e 2024, dados fornecidos pelo Eurostat, o serviço estatístico da UE, mostram que pouco menos de 8 milhões pedidos foram feitos em toda a UE. Mais de um terço dos pedidos foram apresentados na Alemanha.

Movimento anti-imigração


Pessoas puxando malas chegam a um escritório de registro de refugiados e migrantes que chegam a Berlim e buscam asilo, em 11 de março de 2015. • : Sean Gallup/Getty Images via CNN Newsource

Esses números enormes contribuíram para um aumento significativo no sentimento anti-imigração na Alemanha, mas também em toda a Europa.

Especialistas alemães disseram à CNN que ninguém, incluindo Merkel, estava preparado para o grande número de pessoas que entraram no país.

“A Alemanha começou com números realmente baixos, cerca de 40 a 50 mil por ano por mais de uma década”, disse Daniel Thym, professor de direito e diretor do Centro de Pesquisa em Direito de Imigração e Asilo da Universidade de Konstanz, na Alemanha, à CNN.

“Então, na Alemanha, ninguém esperava que isso fosse tão grande, tanto em 2015 quanto nos anos seguintes.”

Questionado se sentia que Merkel perdeu o controle da situação, Thym respondeu: “Acho que sim”.

Hannes Schammann, professor de ciência política com foco em política migratória na Universidade de Hildesheim, concordou com essas opiniões, acrescentando que a decisão de Merkel foi baseada no pragmatismo, já que nenhuma outra nação europeia estava pronta para ajudar.

“Merkel teve que abrir as portas porque queria estabilizar o sistema comum europeu de asilo… ela não tinha alternativa”, disse ele à CNN.

Schammann considera a medida motivada mais por questões políticas do que por altruísmo, e enraizada na crença de Merkel de que a Alemanha estava mais bem equipada do que outras nações para lidar com a crise.

Merkel raramente faz aparições públicas ultimamente, mas em um documentário lançado este mês pela emissora pública alemã ARD, ela disse:

“Eu simplesmente percebi que era uma tarefa enorme. E eu não disse que eu conseguiria, eu disse que nós conseguiríamos, porque eu também esperava que as pessoas no país (ajudassem)”.

Ascensão da AfD

Merkel reconheceu o impacto de seu legado para a ARD, dizendo: “O fato de eu ter feito isso polarizou as pessoas, levou-as a se juntar à AfD, com o que eu não concordo, mas elas fizeram isso e a AfD certamente se tornou mais forte como resultado.”

A AfD se tornou o segundo partido mais popular da Alemanha nas eleições federais no início deste ano, refletindo uma ascensão vertiginosa da obscuridade desde sua fundação em 2013.

Uma pesquisa de opinião realizada pela ARD em julho de 2015 mostrou que apenas 38% dos entrevistados achavam que a Alemanha deveria aceitar menos refugiados. Dez anos depois, esse número subiu para 68%, segundo os mesmos pesquisadores.

Modamani também sente que o clima na Alemanha mudou desde que ele chegou.

“Os políticos estão sempre aparecendo na televisão e dizendo que querem deportar as pessoas de volta para a Síria ou o Afeganistão… Acho que a Alemanha mudou muito, e com certeza eles não querem mais ter refugiados aqui neste país.”

Thym sugere que as recentes ações de Merz foram mais simbólicas do que qualquer outra coisa. “Por trás da fachada, o sistema é como está. A lei de asilo também é muito europeia, então um governo alemão não pode mudar tanto sozinho.”

Dito isso, as medidas podem estar tendo algum impacto na atratividade da Alemanha, já que sírios e afegãos representaram um total de cerca de 110 mil pedidos em 2024, abaixo dos 154 mil em 2023, segundo dados do BAMF. Os primeiros seis meses de 2025 mostram uma queda mais drástica, com 29 mil pedidos do mesmo grupo.

Modamani disse que não recomendaria a ninguém a jornada que ele fez.

“Se a situação na Alemanha piorar, não quero ficar aqui”, disse ele.

“Talvez eu esteja procurando outro país onde as pessoas me acolham e onde eu sinta que pertenço.”

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