Perto de completar nove anos de vigência, a norma da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) que define obrigações das companhias aéreas e direitos dos passageiros deverá passar por uma ampla revisão.
O novo diretor-presidente da agência reguladora, Tiago Faierstein, pretende chamar as maiores empresas do país para uma rodada de conversas com o objetivo de discutir mudanças na resolução nº 400 da Anac.
Faierstein afirmou à CNN que gostaria de colocar em consulta pública, até o fim deste ano, uma proposta de atualização da norma.
Publicada em dezembro de 2016, a resolução nº 400 estabelece as condições gerais de transporte aéreo, com deveres das companhias (assistência material e hospedagem) em caso de atrasos e cancelamentos de voos, por exemplo. A norma trata ainda de questões como despacho de bagagem.
Uma das principais queixas das empresas é que elas precisam assumir a responsabilidade não só por seus próprios problemas operacionais, mas também por fatores que às vezes não têm nada a ver com elas, como questões meteorológicas e falhas dos aeroportos.
A ideia do novo presidente da Anac, que tomou posse no dia 28 de agosto para um mandato até 2030, é flexibilizar essa regra e imputar responsabilidade ao “agente causador” de cada atraso ou cancelamento de voo.
Por essa lógica, quando o problema for causado por questões meteorológicas (como neblina ou uma tempestade), ninguém seria declarado “agente causador” e a companhia aérea ficaria livre da obrigação de prover assistência material ou fornecer hospedagem ao passageiro prejudicado.
Esse tipo de apoio poderia continuar sendo dado pelas empresas, mas em caráter optativo ou como um diferencial de serviço.
Funcionaria como o despacho de bagagem: hoje ele não é mais obrigatório, mas pode ser incluído mediante pagamento prévio ou pela escolha de uma tarifa que não seja básica. Ou, ainda, para quem está em categorias mais avançadas dos programas de milhagem.
De acordo com Faierstein, os custos por assistência material e hospedagem em atrasos e cancelamentos já são pagos pelos passageiros “dentro” das tarifas. “As pessoas só não percebem”, afirma.
O novo presidente da Anac quer, antes de abrir uma consulta pública, conversar com o Congresso Nacional sobre essa possibilidade de mudanças na norma.
“Não adianta mudarmos a resolução nº 400 sem alinhamento com os parlamentares. Se não houver um entendimento, os parlamentares podem aprovar um projeto de lei, que terá mais força do que a resolução”, diz Faierstein.
Outros custos
Faierstein aponta uma série de fatores para explicar a pressão sobre os preços das passagens aéreas. Um é a taxa de câmbio, já que 60% dos custos no setor (como leasing de aeronaves e querosene de aviação) são atrelados ao dólar.
Outro ponto é a escassez de oferta de aviões, pois grandes fabricantes — como Boeing e Airbus — ainda não retomaram plenamente a produção pré-pandemia. Por isso, mesmo diante de uma demanda crescente, as companhias não conseguem ampliar suas frotas.
O terceiro fator é a excessiva judicialização. “O Brasil é o país do mundo com mais ações judiciais contra companhias aéreas. Virou uma indústria, com sites que compram direitos de indenização e advogados nos aeroportos, à espera de passageiros com problemas em voos”, afirma Faierstein.
Em agosto, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu aplicar repercussão geral em um processo sobre indenizações por danos morais em caso de cancelamento de voos no Brasil.
A ação chegou ao STF por meio de um recurso extraordinário da Azul Linhas Aéreas contra uma decisão colegiada do Tribunal de Justiça do Rio.
Na ocasião, a companhia foi condenada a indenizar um passageiro por danos materiais e morais em razão de alterações e atrasos de uma viagem contratada.
A decisão final do Supremo ainda não foi tomada. Em breve, os ministros vão avaliar se as normas do Código Brasileiro de Aeronáutica e de convenções internacionais (que limitam as indenizações em caso de força maior) devem ser aplicadas, em vez do Código de Defesa do Consumidor (que garante a reparação integral dos danos).
A expectativa das companhias aéreas é que, dependendo da decisão, isso reduza o valor pago a passageiros que buscam indenizações na Justiça — o custo estimado é de cerca de R$ 1 bilhão por ano.