A China se prepara para lançar na quarta-feira (3), no horário local, (terça-feira à noite em Brasília) o desfile militar em comemoração ao aniversário de 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial. A parada deve ser a maior exibição da nova geração de armas chinesas em mais de seis anos e já atrai a atenção do público internacional.
A expectativa nas ruas de Pequim vem crescendo nos últimos dias, enquanto os militares ensaiam para celebrar as oito décadas da rendição do Japão, em 1945. Para além de comemorar a derrota de seu antigo e violento colonizador, especialistas avaliam que a China também busca demonstrar que é um ator militar capaz de rivalizar com adversários atuais.
Qual é o poderio militar da China?
A China foi responsável por 12% de todo o gasto militar no mundo no ano de 2024, com uma estimativa de US$314 bilhões, segundo o Stockholm International Peace Research Institute (Sipri, na sigla em inglês). Pequim apareceu em segundo lugar no ranking global de maiores orçamentos militares, atrás apenas dos Estados Unidos, que gastaram quase US$1 trilhão, o equivalente a 37% dos gastos mundiais.
O relatório apontou que a China “revelou vários recursos aprimorados em 2024, incluindo novas aeronaves de combate de baixa visibilidade, veículos aéreos não tripulados (UAVs) e veículos subaquáticos não tripulados”, além de ter continuado a rápida expansão de seu arsenal nuclear.
A analista de Internacional da CNN Fernanda Magnotta explica que a superioridade militar de um país depende de diversos fatores, como o tamanho de seu arsenal, o orçamento, a capacidade nuclear e de mobilização de tropas. Com uma população de quase 1,5 bilhão de habitantes, a China conta com um grande poder de mobilização, mas o orçamento militar deve ser observado com atenção especial. Neste sentido, os Estados Unidos mantêm ampla vantagem sobre a China, com o triplo de recursos financeiros.
Por outro lado, a China construiu a maior frota naval do mundo, com mais de 340 navios de guerra, e expandiu a força marítima para uma Marinha de alto mar, ou seja, com capacidade para operar em águas internacionais. Exemplos dessa expansão são os lançamentos de grandes destróieres com mísseis guiados, navios de assalto anfíbios e porta-aviões com capacidade para operar a milhares de quilômetros de Pequim.
O professor de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas) Pedro Brites, especialista em estudos sobre a Ásia e o Sul Global, também aponta a evolução na capacidade das aeronaves chinesas como possíveis destaques do desfile militar. Segundo ele, a China tem avançado suas aeronaves a ponto de competir em termos tecnológicos com caças americanos, tornando-se mais indetectáveis e aumentando sua capacidade de ataques de precisão.
O desenvolvimento de mísseis mais eficazes também chama atenção: “São mísseis capazes de operar em cenários de desvantagem tecnológica, são mais baratos do que um equipamento de última geração, mas muito eficientes. É o caso de mísseis hipersônicos e mísseis de alta capacidade explosiva para atacar porta-aviões, por exemplo, se a gente pensar em uma hipótese de guerra contra Taiwan”, afirma Brites.
O professor diz que a expectativa para o desfile é que seja revelado mais um passo na evolução militar chinesa, que passa por um período de transformação e deve atingir o ápice até 2030.

Quais são os objetivos da China com o desfile militar?
O desfile visa apresentar a China ao mundo como um país que continua investindo em tecnologia militar e capaz de rivalizar com possíveis adversários, afirma a analista Fernanda Magnotta.
Além disso, Magnotta explica que o governo chinês tenta demonstrar que Pequim não está isolada e mantém influência na região do Indo-Pacífico. “A China também quer mostrar que é um país que merece ser analisado com cuidado e levado em consideração em um cenário internacional multipolar”, ou seja, um contexto em que vários Estados representam e exercem influência significativa.
Pedro Brites também avalia o desfile como uma demonstração de força e de unidade nacional por parte do governo chinês. Além de simplesmente exibir os avanços militares, a China espera que a demonstração de força sirva como elemento de dissuasão para os países que pensem em adotar uma postura mais agressiva contra Pequim.
A parada militar também pode servir a objetivos políticos internos. O professor da FGV ressalta o simbolismo doméstico do desfile: reforçar a aliança entre o Partido Comunista Chinês e o Exército de Libertação Popular da China e mostrar que o país está se configurando como uma grande potência.

Apesar da impressionante expansão do arsenal chinês, um relatório da RAND Corp, um think-tank financiado pelo governo dos Estados Unidos para oferecer pesquisa e análise às Forças Armadas americanas, concluiu no início do ano que a principal motivação para a modernização militar é manter o controle do Partido Comunista no poder – e não lutar contra um inimigo estrangeiro.
O relatório intitulado “A duvidosa prontidão de combate dos militares chineses” conclui que o Exército de Libertação Popular da China “continua fundamentalmente focado em defender o governo do Partido Comunista Chinês em vez de se preparar para a guerra”, escreveu Timothy Heath, um antigo especialista em China da RAND.
“Os ganhos da modernização militar da China são concebidos, acima de tudo, para reforçar o apelo e a credibilidade do governo do Partido Comunista Chinês”, acrescentou.
A presença de líderes mundiais na China
Entre as autoridades que participarão do desfile militar estão o presidente russo, Vladimir Putin, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, e o presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, três adversários de longa data dos Estados Unidos.
Mas antes mesmo do início oficial da parada, o presidente Xi Jinping reuniu mais de 20 líderes mundiais na Cúpula da Organização para Cooperação de Xangai, organização intergovernamental criada em 2001.
Durante o evento, o presidente da Rússia defendeu um novo sistema de desenvolvimento que substitua o modelo ocidental defendido pelos Estados Unidos e pela Europa, que chamou de “desatualizado”. Já o presidente chinês defendeu a cooperação entre os países da organização para promover uma nova ordem mundial.

A imagem do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, de mãos dadas com Putin e com Xi Jinping foi um dos destaques do evento. Ao longo dos últimos anos, os Estados Unidos têm apostado na Índia como um contraponto à China na região do Indo-Pacífico, investindo na disputa territorial na fronteira no Himalaia. Os EUA e a Índia inclusive integram o Quad, um grupo estratégico informal também composto pelo Japão e a Austrália.
Mas com as tarifas de até 50% impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre a Índia, em partes como sanção pela compra de petróleo russo, Nova Délhi deve buscar diversificar seus parceiros comerciais. E Xi Jinping recebe a demanda de braços abertos: “Devemos alavancar a força de nossos mercados de grande porte e a complementaridade econômica entre os Estados-membros e melhorar a facilitação do comércio e do investimento”, disse o presidente durante a cúpula.
A analista da CNN Fernanda Magnotta explica, no entanto, que a aproximação da Índia com a China não representa uma ruptura definitiva com os Estados Unidos e com o Ocidente.
“A Índia é um dos países que pratica mais habilmente a política estratégica de não alinhamento ativo, então mantém simultaneamente a aproximação com vários polos de poder ao mesmo tempo”, afirma a analista. Magnotta também destaca que se por um lado a Índia enfrenta a crise das tarifas com Trump, por outro tem um histórico de anos de tensões com a China que não podem ser apagados.
A especialista aposta que, na prática, os Estados Unidos encaram a cúpula e o encontro de líderes no desfile militar como mais um bloco antiocidental. É o caso do Brics, por exemplo, grupo de países emergentes — incluindo, entre outros, a China, a Rússia, a Índia e o Brasil — que tem sido alvo de ameaças do governo Trump.
Para Magnotta, a Cúpula da Organização para Cooperação de Xangai é mais uma mobilização dos esforços da China e de outros países que tentam fortalecer instituições alternativas, criando novas instituições financeiras, avançando a cooperação tecnológica e, nesse caso, a coordenação em defesa.
Já o professor Pedro Brites destaca que o objetivo não é necessariamente provocar os Estados Unidos, mas formar uma aliança entre países com objetivos comuns: “É o resultado de um contexto internacional, a aproximação de países que têm interesses convergentes”.