Durante a pandemia, em junho de 2020, a pequena Giovana Geraldi Basso, de 6 anos, começou a sentir fortes dores nas costas ao dormir. Ela nunca reclamava de dores e isso alarmou a família. Por semanas, eles buscaram resposta para o incômodo da menina e ouviram dos médicos os mais variados diagnósticos iniciais, inclusive de escoliose. O problema, porém, era muito mais grave: um câncer no sistema nervoso.
As dores foram o primeiro sinal do neuroblastoma, um câncer de rápido avanço. O tumor tem diagnóstico complicado: os sintomas inespecíficos costumam ocorrer ainda na infância e a chance de cura cai progressivamente em pouco tempo.
“Ela era super saudável. Corria, pedalava. Estávamos todos em casa, era o período da quarentena da Covid-19 quando ela começou a sentir as dores. Os sintomas delas foram subestimados. Em um primeiro momento, o quadro foi tratado como uma dor muscular causada por ficar vendo telas. Em um segundo momento, tratado como escoliose. Investigamos até se eram crises de reumatismo”, lembra o pai da garota, o engenheiro civil Vinícius Basso, de 37 anos.
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Giovana não conseguia mais caminhar da portaria do prédio até a própria casa. As crises de dor se intensificaram a ponto de fazê-la desmaiar. “Foi quando levamos ela a um pronto-socorro. Lá, um pediatra somou as dores e a apatia ao fato de que ela não vinha ganhando peso nem altura e decidiu investigar mais a fundo. Na primeira ressonância, já acharam os tumores”, lembra ele.
O exame detectou os tumores em estágio quatro, com metástase no fêmur, bacia, coluna e crânio. Ela tinha seis anos quando foi diagnosticada e ali se iniciou uma jornada de dois anos em um complicado tratamento contra o tumor.
“Não esperávamos que uma dor nas costas pudesse ser algo tão grave. Acho que tudo no mundo perdeu o sentido a partir daquele diagnóstico. O nosso primeiro medo foi o prognóstico e, quando pesquisamos sobre ele, nosso mundo caiu”, lembra o pai.
O que é o neuroblastoma?
Segundo o oncologista Neviçolino Pereira, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (SOBOPE), o neuroblastoma é um câncer infantil agressivo que se origina no sistema nervoso simpático. “Os sintomas são inespecíficos e podem facilmente ser confundidos com doenças comuns da infância: como dor abdominal, perda de peso e febre”, explica. Além disso, algumas variantes genéticas tornam o tumor ainda mais resistente aos tratamentos.
“Nos últimos 20 anos, houve avanços significativos no tratamento, indo muito além da quimioterapia, cirurgia e radioterapia. A inclusão de transplante de medula óssea e, mais tarde, da imunoterapia com anticorpos, elevou as taxas de cura para o neuroblastoma em estágios avançados. Outras terapias-alvo que agem em alterações genéticas específicas do tumor também têm demonstrado resultados promissores”, afirma Pereira.
No entanto, o acesso a esses tratamentos modernos ainda é um desafio no Brasil. Muitos medicamentos de alto custo não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) ou mesmo no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que força as famílias a recorrerem a ações judiciais para conseguir o tratamento.
A demora pode ser fatal. No neuroblastoma, a progressão da doença é rápida e a agilidade no início do tratamento é crucial para aumentar as chances de cura.
O penoso tratamento de Giovana
O primeiro tratamento foi com quimioterapia, mas a cada nova biópsia se encontravam marcadores que indicavam que o caso poderia ser ainda mais grave. Eles buscaram outras opiniões médicas e tratamentos.
“Fizemos terapia-alvo e dois transplantes de medula. Ela teve melhora, mas os transplantes apresentaram muitas complicações. Foi bem sofrido e ela perdeu muito peso. Ficou 60 dias internada no segundo transplante”, conta Vinícius.
As combinações de quimio, radio e imunoterapia foram se tornando mais fortes e conseguiram fazer os tumores regredirem, mas a doença logo voltava a recuperar terreno, agora aliada aos problemas causados pelo próprio tratamento, como a perda de sensibilidade na perna, ou complicações das internações, como uma perfuração no intestino.
A família passou a tentar remédios e tratamentos fora do país. “Naquela época, eles eram ainda mais inacessíveis no Brasil do que agora, então decidimos tentar nos Estados Unidos”, lembra o pai.
A maior esperança era um novo medicamento, o naxitamabe, que era feito de células humanizadas e havia apresentado ótimos resultados contra tumores do mesmo tipo do de Giovana. O remédio, porém, não havia sido usado na América do Sul e o custo era de R$ 8 milhões.
Vinícius escreveu uma súplica para Thomas Guedes, dono da Imab, a representante no Brasil da farmacêutica que produz o remédio, pela doação do medicamento. Para a surpresa da família, a resposta do e-mail foi positiva e o tratamento agressivo, porém eficaz, se iniciou. Giovana teve uma boa melhora nesta etapa do tratamento, ganhou peso e chegou a ficar livre de progressões da doença por um tempo.
Família descobriu o câncer de Giovana após as dores nas costas da menina
Arquivo pessoal
Giovana ficou dois anos em tratamento e foi a primeira no Brasil a se tratar com o naxitamabe
Arquivo pessoal
A menina morreu em 2022 após uma recidiva da doença
Arquivo pessoal
A despedida de Giovana
Quando ela completou 8 anos, porém, durante uma brincadeira em casa, a menina quebrou o fêmur. Fez uma cirurgia e, no hospital, descobriu que a doença havia voltado e atingido os pulmões.
A família buscou outras alternativas terapêuticas e levou Giovana para a Itália. No entanto, a saúde da criança piorou rapidamente, levando-a a entrar em coma. Ela faleceu poucos dias depois.
“A Gi teve uma passagem pacífica, tranquila, com muito carinho, amor e conexão. Ela é a protagonista dessa história e foi importantíssima. Depois dela, diversas crianças tiveram acesso ao naxitamabe. A nossa missão foi abrir a porta para esses medicamentos no nosso país”, resume Vinícius.
Apesar dos momentos de dor e da perda da menina, as memórias que ficam são positivas. “Não importava se estávamos internados na UTI, se ela estava tendo dias difíceis de dor, ou se estávamos em momentos mais leves do tratamento: nosso foco era sempre que o dia fosse bom pra ela, e isso fez nossos dias difíceis muito mais felizes”, relembra.
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Fonte: Metrópoles