Não há justificativa que possa livrar o diretor-geral de Polícia Civil, Henrique Maciel, das imputações de improbidade administrativa e peculato de uso, crimes, dentre outros, pelos quais ele está sendo investigado após ser flagrado conduzindo uma SW4 acautelada pela Justiça, no último domingo, quando ele acabou autuado e multado por embriaguês. O veículo foi apreendido em 2020, numa operação da própria Polícia Civil contra licitações dirigidas e desvio de merenda escolar, cujos principais acusados eram o cunhado e o filho de um deputado do Acre. Houve uma disputa silenciosa entre algumas autoridades sobre quem ficaria com a SW4, saindo vencedor o próprio diretor geral que dirige o importado de luxo desde então.
A reportagem teve acesso, via Portal Transparência do Governo do Acre (veja acima), à portaria assinada pelo próprio diretor – e que ele descumpriu -, segundo a qual todo veículo nesta situação deve permanecer guardado nos finais de semana, sendo que seu uso é permitido somente em escala de serviço oficial. O veículo foi liberado menos de 38 horas após ser levado ao Pátio do Detran, sem que as multas e licenciamento (totalizando mais de R$ 42 mil) tenham sido pagas. Veja abaixo.
O Portal G1 publicou ter tido acesso ao Boletim de Ocorrência, em que um sargento narra como tudo aconteceu.
Na noite desta terça-feira, a assessoria de Imprensa do Detran prometeu enviar uma nota explicativa que detalharia as circunstâncias em que a SW4 foi liberada. A reação da autarquia de trânsito foi após oseringal divulgar uma imagem do carro já no pátio da Direção de Polícia Civil. As explicações não chegaram até o fechamento desta reportagem. O delegado Henrique, estranhamente, também não se pronunciou.
Por onde passou esse carro nos últimas semanas? Rodou na capital apenas, ou transpôs a divisa com outros estados e a fronteira com Peru e Bolívia? O monitoramento, por meio de um cerco eletrônico, é parte de uma investigação do Ministério Público, que aguarda até a próxima sexta-feira explicações do Comando-geral da Polícia Militar. O procurador chefe do MP, Danilo Lovisaro, assegurou que “todas as dúvidas precisam ser esclarecidas”, inclusive por quais motivos o Detran permitiu a liberação do veículo sem pagamento dos débitos. Aliado a isso, a diretora-geral Taynara Martins estaria sujeita a imputações penais e administrativa caso as multas aplicadas a Henrique Maciel não entrem no sistema – o que não havia ocorrido até por volta de 10 horas da manhã desta quarta-feira.
Um advogado com quem a reportagem conversou há pouco disse que as multas da SW4 estaria prescritas se tiverem sido aplicadas antes de 2020, quando o importado foi apreendido. “Tudo leva a crer que são infrações cometidas enquanto o carro estava sob a guarda da Polícia Civil”, opinou ele, que conclui: “desde às 14h de domingo, quando houve a abordagem policial, até o meio-dia de terça, quando o carro foi liberado, não houve tempo hábil para montar o processo administrativo, Isso tudo é muito estranho”.
Sobre a operação em 2020, a Secretaria de Comunicação emitiu a seguinte nota à época:
A investigação, que durou cerca de dois meses, foi um pedido do governador Gladson Cameli, do Secretário de Educação Mauro Sérgio, além da Casa Civil, Controladoria-Geral do Estado e Procuradoria-Geral do Estado, e resultou no cumprimento de 7 mandados de prisão temporária e 20 mandados de busca e apreensão, que foram realizados nas sedes de quatro empresas na capital e também em Tarauacá e Xapuri, além dos armazéns de merenda escolar da SEE, em Rio Branco, Tarauacá, Sena Madureira e Cruzeiro do Sul.

Pelo menos R$ 5 milhões das contas dos investigados foram bloqueadas preliminarmente pela justiça acreana que atendeu à representação da Polícia Civil. Bens móveis, imóveis e semoventes (rebanhos que constituem patrimônio) dos envolvidos também foram indisponíveis temporariamente.
O foco principal das investigações foi desvio de recursos públicos relacionados à merenda escolar. Estão sendo apuradas diversas práticas delituosas como: entrega de produtos e itens com qualidade inferior ao contratado ou em quantidade menor, falsificação de documento público, falsidade ideológica e associação criminosa entre outros crimes e irregularidades previstas na Lei de Licitações e Contratos Públicos.

O trabalho da Polícia Civil e Controladoria-Geral do Estado (CGE) conseguiu frear um desvio que poderia chegar a 22 milhões em contratos que ainda estão sob análise. Participaram da operação cerca de 100 policiais civis nas cidades de Rio Branco, Sena Madureira, Xapuri, Tarauacá e Cruzeiro do Sul.
CGE realizou mais de 70 dias de investigação na SEE
As investigações iniciaram com a Controladoria-Geral do Estado logo após o governador Gladson Cameli receber denúncia de possíveis crimes no setor da merenda escolar. De acordo com o controlador-geral do Estado, Luis Almir, cerca de 10 técnicos da CGE realizaram um trabalho de investigação de mais de 70 dias na Secretaria de Estado de Educação (SEE), durante o qual foram vislumbrados indícios de desvios de recursos, entrega de material de qualidade inferior ao que era pago. Ainda de acordo com o controlador, os levantamentos foram feitos em um montante de R$ 28 milhões, com mais de 20 empresas envolvidas.
“Nossos técnicos realizaram um trabalho minucioso e encontramos várias notas fiscais atestadas sem entrega de material algum, insumos da merenda escolar, outras entregues 10%, 20% desses insumos. E acabamos identificando as pessoas que atestaram essas notas e outras que revelaram que eram obrigadas a criar recibos e outros tipos de documentos falsos, inclusive com essas notas atestadas já liquidadas para serem pagas. Passamos todas as informações para a Polícia Civil que baseou a Operação Mitocôndria”, explicou o controlador-geral.

Investigação técnica e minuciosa
No final da manhã, o delegado-geral da Polícia Civil, Henrique Maciel, se reuniu com o Secretário de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Paulo Cézar Rocha dos Santos, que representou o governador Gladson Cameli, com o delegado da Decor, Alcino Junior, o Diretor de Inteligência da Polícia Civil, delegado Pedro Buzzolin, e o promotor de Justiça, Antônio Alcestes, representando o Ministério Público, para falar com a imprensa sobre a operação.
Durante a coletiva, além das informações sobre a operação, foram destacados os aspectos técnicos que nortearam as investigações e basearam as representações judiciais.
“Foi realizado um trabalho de investigação extremamente técnico que evidenciou indícios de crimes e isso serviu de base para a denúncia do Ministério Público e as representações judiciais”, disse o delegado Alcino Junior, destacando ainda que foram apreendidos cerca de R$ 5,5 milhões dos envolvidos, além do bloqueio de cerca de R$ 22 milhões que estavam prestes a serem pagos aos acusados.
“Havia notas que estavam atestadas e que iam ser pagas, mas que os insumos não tinha sido entregues ou que não foram entregues em sua totalidade, e de forma célere conseguimos que esses pagamentos fossem bloqueados. Estamos falando em coisa de R$ 22 milhões”, destacou.
O delegado-geral da Polícia Civil, Henrique Maciel, enfatizou ainda que as investigações não tiveram como foco principal as pessoas, mas sim, os crimes praticados por um grupo que gerou um prejuízo de grande monta para o Estado.
“As investigações focam nos crimes que estão sendo praticados e não em pessoas ou em questões políticas e ideológicas. É um trabalho que está sendo realizado com responsabilidade, técnico e sério, como sempre fizemos. Estamos trabalhando em parceria com o Ministério Público, ou seja, com total transparência e lisura nessa investigação e agora vamos trabalhar na perícia de todo o material apreendido, o que pode resultar em outros inquéritos”, destacou.
O secretário de Justiça e Segurança Pública, Paulo Cézar dos Santos, afirmou que a criação e atuação da Delegacia de Combate à Corrupção foi para garantir transparência na gestão do atual Governo do Estado e que por qualquer erro, ilicitude ou prática delituosa na administração pública os responsáveis serão sancionados. Santos destacou ainda que a investigação iniciou no órgão de controle interno do próprio Poder Executivo, passou efetivamente por um processo técnico de investigação da Polícia Civil e teve o crivo do Ministério Público.
“Por fim, culminou com a legitimação dos atos que foram praticados no dia de hoje que foram os mandados cumpridos, portanto demonstra a transparência desse processo investigatório. A Polícia Civil tem total autonomia em suas ações e em suas investigações. O governador, ao determinar a criação da Delegacia de Combate à Corrupção, teve por objetivo garantir a transparência na atual gestão. E, se houve ou se houver algum erro administrativo nesse sentido, os responsáveis serão penalizados”, afirmou Paulo Cézar.