Médicos chineses realizaram o primeiro transplante de fígado de porco geneticamente modificado em uma pessoa viva. O paciente, de 71 anos, sofria de cirrose e câncer hepático e sobreviveu por quatro meses após a cirurgia, realizada em maio de 2024. O caso foi publicado nesta quinta-feira (9/10) no Journal of Hepatology.
O fígado foi implantado como órgão auxiliar, sem retirada completa do órgão humano, e funcionou por mais de um mês antes de ter de ser removido devido a complicações do quadro do paciente. A operação foi feita pela equipe do Hospital da Universidade Médica de Anhui, na cidade de Hefei, na China.
“Este caso demonstra que um fígado de porco geneticamente modificado pode funcionar em humanos por um longo período”, afirmou o cirurgião Beicheng Sun, líder do procedimento, em comunicado à imprensa.
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Fígado funcionou por mais de 30 dias
O órgão usado no procedimento veio de um porco com dez modificações genéticas, projetadas para reduzir o risco de rejeição e melhorar a compatibilidade com o corpo humano. As alterações incluíram genes humanos voltados para controlar a coagulação e a resposta imunológica.
O resultado foi um órgão capaz de secretar bile e proteínas funcionais no corpo humano. Os pesquisadores destacaram que as proteínas de coagulação e a albumina produzidas pelo fígado suíno foram bioativas, demonstrando função metabólica significativa sem reações alérgicas ou colapsos agudos.
Nos primeiros dias, os resultados animaram os médicos. O paciente caminhava, produzia bile e apresentava função hepática normal. “Não foram observadas rejeições agudas ou hiperagudas”, informou a equipe médica no relatório publicado.
No entanto, após 38 dias, surgiram complicações associadas à coagulação, conhecidas como microangiopatia trombótica. O enxerto teve de ser removido, e, meses depois, o paciente sofreu hemorragias recorrentes e faleceu no 171º dia após o transplante.
Xenotransplante como alternativa emergente
O procedimento faz parte da linha de pesquisa chamada xenotransplante, em que órgãos de animais são adaptados para substituir ou complementar órgãos humanos. Nos últimos anos, rins, corações e pulmões de porcos modificados já foram testados em pessoas com morte cerebral e em casos extremos.
O estudo chinês difere da maioria de experimentos anteriores porque o enxerto foi implantado em um paciente vivo, sendo a primeira vez que um fígado de porco é usado como terapia de suporte, e não em um corpo em morte cerebral. A operação funcionou como uma ponte temporária para restaurar parte da função hepática.
O resultado demonstra que o órgão funcionou e sustentou o paciente por 38 dias sem rejeição. Entretanto, o paciente desenvolveu complicações trombóticas graves, o que exigiu a remoção do enxerto.
Pesquisadores que acompanharam o caso lembram que a sobrevida a longo prazo continua distante e que a segurança contra infecções e vírus suínos ainda é motivo de cautela. Ética e aceitação social também são desafios pendentes.
Caminho ainda cercado de incertezas
Segundo o editorial que acompanhou o artigo científico, “este estudo deve ser lido como motivo para otimismo cauteloso”. Os autores destacam que o transplante provou a viabilidade do fígado suíno em humanos, mas ainda não abre as portas para uso clínico regular.
O episódio também reacende a disputa entre China e Estados Unidos pela liderança na corrida científica dos xenotransplantes. Nos dois países, estudos recentes mostraram progressos no uso de órgãos suínos em humanos, mas as tentativas permanecem em fase experimental.
Apesar da morte do paciente, o estudo oferece dados inéditos sobre o funcionamento de enxertos animais vivos e marca um passo simbólico no esforço global para reduzir a dependência de doadores humanos.
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Fonte: Metrópoles