A criação de uma moeda comum para ser utilizada entre países do Brics — grupo de onze países, incluindo o Brasil — afetaria significativamente a economia americana. O avanço, contudo, depende do acerto de contas entre duas grandes nações emergentes.
É o que avalia Frank-Jürgen Richter, ex-diretor do Fórum Econômico Mundial.
“Acredito que isso [a criação de uma moeda comum] não vai acontecer da noite para o dia. Primeiro, China e Índia precisam superar suas diferenças como as duas principais potências nessa discussão monetária. Mas se isso acontecer, em quatro ou cinco anos, será um grande choque para a economia americana”, declarou o empresário alemão em entrevista concedida à CNN Brasil na última semana.
Apesar das movimentações recentes, a relação conturbada entre os dois países, membros originários do Brics, varia entre disputas fronteiriças, mesmo com a dependência econômica.
Richter assumiu a liderança do Fórum Econômico Mundial em 2001, após quase uma década na Ásia, onde dirigiu as operações de multinacionais europeias no continente.
Na última semana, o empresário alemão visitou o Brasil para sediar o décimo encontro global do Horasis, organização internacional independente que fundou em 2005, após deixar o FEM.
A conferência, que reuniu pesquisadores e empresários internacionais, teve sua maior operação este ano, com quase 500 participantes, sendo sediado em um campus da USP (Universidade de São Paulo), na capital paulista.
“Essa é, na verdade, a maior preocupação do presidente Trump. O dólar americano é a principal moeda, a moeda de reserva mundial. Os principais contratos de petróleo e outras commodities são firmados em dólar”, acrescentou ele.
O movimento entorno da criação de uma moeda alternativa ao dólar vem sendo defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao longo dos anos.
O chefe do Executivo brasileiro tem questionado a soberania financeira do dólar em discursos e declarações públicas à imprensa.
Para o ex-diretor, o interesse por parte da Rússia, do Irã e do Brasil no tema pode estremecer no futuro a soberania dos EUA, já ameaçada constantemente pela chinesa.
Em janeiro deste ano, o republicano Donald Trump ameaçou taxar em até 100% países do Brics que busquem uma alternativa.
De acordo com o ex-FEM, a perda de importância do dólar pode estremecer a base financeira do país, que se sustenta pela emissão de títulos e empréstimos.
“A economia dos EUA é construída com base em empréstimos. É o país mais endividado do mundo, e é difícil até mesmo pagar os funcionários públicos”, continua.
A resistência interna em torno de uma moeda comum
Apesar das declarações do presidente Lula defendendo uma reformulação do sistema financeiro voltada a uma alternativa de transação comercial que não inclua o dólar, o tema tem encontrado resistência interna mesmo no Brasil.
Como membro do Conselho Empresarial do BRICS+ (CEBRICS), o presidente do IBREI (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Relações Internacionais), Maurício Prazak, confirma que a proposta de uma moeda comum é debatida por anos, mas ainda assim é vista como um tabu, e tem dificilmente sido tratado de forma oficial.
“A prioridade hoje recai mais em temas como integração comercial, cooperação financeira em moeda local e fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) como instrumento de financiamento multilateral”, explica o empresário.
Prazak argumenta que a implementação da medida poderia resultar em uma série de problemas e desafios, como o compartilhamento de risco em caso de crises internas, a divergência de poder entre os membros do grupo e as disparidades cambiais e de risco entre os países.
Na outra ponta, a discussão em torno de um sistema digital de pagamento, o Brics Pay, conhecimento popularmente como o “Pix do Brics”.
“Como estamos na presidência do bloco, tivemos muito cuidado para não gerar desconforto entre as empresas brasileiras e nossos demais parceiros, como os Estados Unidos”, afirmou o advogado à CNN Brasil.
Neste momento, o Brics Pay tem sido liderado pelos russos, que criaram o “aplicativo” no ano passado.
“Cada país tem o seu formato desse tipo de pagamento facilitado. Eles fizeram testes e foram bem-sucedidos. No entanto, a discussão começou a avançar para um nível de mais integração entre os sistemas ou criação de uma alternativa ao SWIFT, ou até mesmo interoperabilidade entre moedas nacionais”.