A endometriose é uma doença crônica que afeta cerca de uma em cada dez mulheres em idade reprodutiva. Caracteriza pelo crescimento de tecido semelhante ao do endométrio fora do útero, normalmente atinge órgãos da pelve, como ovários e intestino, mas em casos raríssimos pode se manifestar em outras partes do corpo.
Foi o que aconteceu com Franciele Renata Drummond, de 41 anos, diagnosticada com endometriose no coração, um quadro com poucos registros na literatura médica.
O procedimento para remover a lesão foi realizado em 27 de outubro, no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo. A equipe multidisciplinar utilizou tecnologia robótica para acessar o pericárdio, a membrana que envolve o coração.
“Embora a maioria dos casos de endometriose ocorra na pelve, envolvendo útero, ovários e intestino, a doença pode — em situações excepcionais — atingir o diafragma, os pulmões e até o pericárdio”, explica o ginecologista Igor Chiminacio, especialista em endometriose.
O médico afirma que essa forma rara de manifestação tem origem embrionária. “Durante o desenvolvimento do embrião, fragmentos de tecidos que dariam origem ao útero podem permanecer fora do lugar e migrar até o tórax. Por isso, quando encontramos endometriose em regiões como o pericárdio, não se trata de uma metástase, mas de um defeito congênito que se manifesta tardiamente”, esclarece.
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Duas décadas de dor
Franciele conviveu por 26 anos com dores e sintomas que foram, por muito tempo, interpretados como ansiedade ou problemas cardíacos. Segundo ela, a dor vinha à noite, quando se deitava.
“Era uma sensação de inflamação nas costelas, uma queimação que às vezes latejava. O coração acelerava, eu sentia uma taquicardia que me fazia pensar que estava tendo um infarto. Cheguei a ouvir que era coisa da minha cabeça, porque todos os exames cardíacos davam normais”, conta.
A dor no peito, cíclica e ligada ao período menstrual, foi o sinal que levou os médicos a suspeitarem de endometriose torácica.
“Esse é um sintoma muito característico. Quando a dor no peito aparece repetidamente durante a menstruação, pode indicar tecido endometrial fora da pelve, reagindo aos hormônios do ciclo. Em alguns casos, há dor no ombro, falta de ar ou tosse com sangue”, detalha Chiminacio.
A suspeita foi confirmada por exames de imagem e, depois, pela cirurgia, que revelou a presença da lesão no pericárdio. O material foi encaminhado para análise histopatológica, que atestou o diagnóstico.
Uso da tecnologia robótica
Devido à localização sensível da lesão, a equipe optou pela cirurgia robótica. O sistema permite movimentos extremamente precisos e visão tridimensional ampliada, essenciais para acessar o tórax e operar próximo ao coração com segurança.
O procedimento foi liderado pelo cirurgião torácico Tiago Machuca, chefe da especialidade na Rede D’Or no Brasil, em parceria com o ginecologista Igor Chiminacio.
“O tórax é uma cavidade muito delicada, cercada por costelas e pela pleura, e exige que o pulmão seja esvaziado durante o procedimento”, detalha Chiminacio. Segundo o médico, o robô oferece controle micrométrico dos instrumentos e reduz o risco de danos às estruturas vitais.
O resultado foi considerado excelente. Franciele teve recuperação rápida, sem necessidade de permanecer em unidade de terapia intensiva (UTI), e recebeu alta poucos dias depois.
“Foi uma explosão de sentimentos. Senti alívio, medo, alegria, tristeza e gratidão. Depois de tanto tempo convivendo com dor e incerteza, finalmente entender a causa dos meus sintomas trouxe uma sensação imensa de paz”, relata.
Para Chiminacio, o caso ajuda a reforçar a importância do diagnóstico correto da endometriose e a necessidade de reconhecer que a doença pode ir além da pelve.
“Cada caso raro como esse amplia nossa compreensão sobre a endometriose e mostra que ela é uma condição sistêmica, complexa e ainda subdiagnosticada. Quanto mais cedo é identificada, maiores as chances de preservar a qualidade de vida da paciente”, conclui.
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Fonte: Metrópoles

