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Análise: Disputa para prefeito de Nova York e a mensagem para Trump e mundo

Análise: Disputa para prefeito de Nova York e a mensagem para Trump e mundo

Giovanni Lanzo ainda está em dúvida sobre a eleição para prefeito de Nova York, mas ele entende o que está em jogo.

“O mundo inteiro observa o que Nova York faz. Precisamos fazer a coisa certa”, disse.

Nova York é a maior e mais diversa cidade dos Estados Unidos, além de ser uma potência financeira e cultural global. Por isso, a escolha de um novo prefeito é sempre um acontecimento importante.

Mas desta vez é ainda mais significativo. Seja pelo momento atual e as questões centrais na política americana, pelos candidatos ou pelo alto interesse demonstrado na disputa pelo presidente Donald Trump, um incorporador imobiliário nova-iorquino.

É um momento decisivo, independentemente de quem vencer. E será histórico se o favorito for eleito.

Zohran Mamdani tem apenas 34 anos. É imigrante. Muçulmano. Socialista democrático. Um defensor do multiculturalismo. Em muitos aspectos, Mamdani é o oposto de Trump.

No entanto, eles compartilham algumas características. Mamdani, assim como Trump, usa as redes sociais como megafone para se comunicar e mobilizar. Mamdani, como Trump, é uma figura polarizadora.

“Acho que o país está indo pelo ralo. Zohran é como um raio de esperança para mim e para todos que conheço”, afirmou Alice Henty, uma cineasta que vive no Brooklyn.

Sid Stewart vive no Queens. Tem 60 anos, é negro e apoiador de Trump, e está preocupado com o fato de Mamdani ser um socialista democrático. Mais ainda por ele ser muçulmano.

“A América [Estados Unidos] precisa seguir um certo caminho. Esta é uma nação judaico-cristã e as pessoas precisam entender isso. E acho que precisamos ser mais vocais sobre isso”, afirmou.

“Você não pode simplesmente deixar todo mundo entrar no seu país e permitir que ele se transforme nisso ou naquilo”, adicionou.

Stewart planeja votar em Andrew Cuomo, o ex-governador de Nova York que perdeu as primárias democratas para Mamdani, mas agora concorre como independente.

Também na disputa está o republicano Curtis Sliwa, figura conhecida na cidade há mais de quatro décadas como fundador e CEO da Guardian Angels, organização comunitária anti-crime.

Sim, Nova York é uma cidade predominantemente democrata. Mas sua política ainda é complexa e está em constante mudança. Seus quase 8,5 milhões de habitantes estão distribuídos em cinco distritos distintos.

Visitamos todos os cinco distritos para ter uma visão em primeira mão como parte do nosso projeto “All Over the Map”, que visa acompanhar grandes histórias através dos olhos e experiências dos americanos comuns.

Disputa pelo Brooklyn, o distrito mais populoso de Nova York

Brooklyn é o distrito mais populoso, com 2,6 milhões de pessoas. Ocupa o quarto lugar entre os cinco em termos de renda média anual.

Mamdani venceu no Brooklyn de forma convincente nas primárias, e o distrito é crucial para ele na eleição geral.

“Eu acredito no socialismo, então para mim ele é um farol”, disse Henty, a cineasta, sobre Mamdani. “Não acho que se possa ser liberal demais neste momento”, adicionou.

Votar em Cuomo nunca foi uma opção para Henty. Ele renunciou ao cargo de governador há quatro anos devido a múltiplas alegações de assédio sexual, o que ele nega.

“Eu simplesmente não acho que ele seja uma boa pessoa”, pontuou Henty.

Trump chama Mamdani de comunista e diz que bilhões em ajuda federal para Nova York estão em risco se ele vencer. Isso só motiva Henty ainda mais.


Zohran Mamdani, candidato à prefeitura de Nova York pelo Partido Democrata • Reprodução/Facebook

“Vamos viver com medo e só fazer as coisas em reação ao Trump pelo resto de nossas vidas?”, ela questionou. “Porque se for assim, estamos realmente ferrados”, acrescentou.

Hassan Ragy também apoia o favorito e acredita que uma vitória de Mamdani enviaria uma mensagem poderosa.

“As questões fundamentais são sobre riqueza”, disse Ragy, de 26 anos, pesquisador de energia limpa.

“Ele representa o tipo de mudança que precisamos, não apenas em Nova York, mas em todo o país e, francamente, na representação das pessoas comuns”, destacou.

Lanzo — o eleitor “indeciso” — é uma figura conhecida no bairro de Park Slope, no Brooklyn, onde é proprietário da Luigi”s, uma pizzaria fundada por seu pai há 52 anos.

Ele é democrata e um dos muitos eleitores que encontramos pela cidade insatisfeitos com suas opções. “É isso que temos disponível”, lamentou.

Também disse que precisava pesquisar mais e previu que tomaria uma decisão de última hora. No entanto, houve uma possível pista durante nossa conversa.

Embora tenha mudado sua posição nesta campanha, Mamdani já defendeu no passado o corte de verbas para a polícia e fez duras críticas ao Departamento de Polícia de Nova York por sua conduta em comunidades de minorias raciais.

“Essas são as pessoas de que precisamos. Quando eu precisar deles, vou chamar quem? Superman? Clark Kent não existe”, disse Lanzo sobre a polícia.

Disputa no Queens, onde Cuomo nasceu e lar de Mamdani

O Queens é o segundo maior distrito da cidade, o terceiro em termos de renda média anual e o mais diversificado dos cinco. Cuomo nasceu no Queens; Mamdani mora lá atualmente.

Mamdani obteve uma vitória confortável sobre Cuomo nas primárias no Queens.

Apoiadores do socialista eram fáceis de encontrar no bairro de Astoria, que faz parte do distrito de Mamdani na legislatura estadual.

Visitamos um restaurante bangladeshi frequentado por Mamdani.

Uma placa de campanha “Zohran” está pendurada no interior e, enquanto conversávamos com dois homens mais velhos do lado de fora sobre seu apoio a Mamdani, um jovem passou a caminho do restaurante entoando o nome do favorito.

Soleyman Abu, no entanto, saiu do restaurante e manifestou apoio a Cuomo, mesmo reconhecendo que Mamdani havia trabalhado arduamente pelo bairro na Assembleia Estadual.


Ex-governador de Nova York Andrew Cuomo • 24/06/2025 REUTERS/Kylie Cooper

Abu disse que acreditava que a experiência de Cuomo como governador o tornava mais qualificado para liderar a cidade.

“Criminalidade e controle de aluguéis” foi a resposta rápida de Abu quando perguntamos sobre os principais desafios que o próximo prefeito enfrentará.

“Definitivamente a economia” foi a resposta igualmente rápida de Sediqua Francis, que está procurando trabalho na área de produção de cinema ou TV.

“As pessoas estão tendo dificuldade para encontrar trabalho. Os jovens, especialmente aqueles da minha idade e mais novos”, afirmou ela.

Francis ajuda na pequena loja da mãe dela, que vende produtos de banho e corpo no bairro Jamaica, no Queens. Francis conta que os negócios estão fracos tanto para a mãe quanto para outros vendedores do mercado local.

Quando a visitamos, ela estava indecisa, tendendo a apoiar Mamdani, mas ainda sem um compromisso definitivo.

“Conheço muitas pessoas da indústria cinematográfica que apoiam Mamdani. Faço parte de um grupo no WhatsApp que está apoiando ele. Mas ainda quero fazer minha própria pesquisa”, admitiu.

Chris Dulcio, de 36 anos, se mudou do Brooklyn para Queens quando tinha 14 anos. Hoje ele possui uma barbearia no bairro Jamaica.

“Os negócios estão indo bem. Estão melhorando a cada ano”, disse Dulcio enquanto aparava o cabelo de um cliente.

Dulcio ressaltou que não presta muita atenção à política, consultando seu pai antes de votar. O pai dele, engenheiro no Park Plaza, manifestou apoio a Cuomo, citando sua experiência e sua gestão durante a pandemia da Covid-19 como governador.

“Então, acho que vou votar no Cuomo”, comentou Dulcio.

Disputa em Manhattan, distrito de maior renda

Manhattan é o terceiro distrito mais populoso entre os cinco de Nova York, com 1,6 milhão de habitantes.

No entanto, é o primeiro em renda média anual ($106 mil) e também possui o maior percentual de residentes com pelo menos quatro anos de formação universitária — cerca de 68%.

Jovens profissionais como Lal Lopez e Anna St. Clair são uma parte importante da coalizão Mamdani. Nós os encontramos em uma noite de trivia no Gaf East, no Upper East Side de Manhattan. Todo o grupo de oito pessoas apoiava Mamdani.

“Talvez eu esteja superestimando o que ele pode fazer, mas de todos os candidatos, acho que ele é o único capaz de enfrentar tudo o que está acontecendo”, disse Lopez, que tem 40 anos e é enfermeira.

Enfrentar “tudo o que está acontecendo no nível federal” era sua principal preocupação, e ela riu ao comentar como Trump e outros críticos atacam Mamdani.

“Todo mundo simplesmente o chama de comunista”, disse ela rindo.

“Não tenho ressalvas com ele. Acho que ele é totalmente capaz”, adicionou.


Local de votação em Nova York • Andrew Kelly/Reuters/05.nov.2024

St. Clair, de 29 anos, trabalha em relações públicas. Ela afirma que a maioria dos outros democratas, tanto na cidade quanto nacionalmente, parecem muito tímidos tanto para enfrentar Trump quanto para apresentar novas ideias.

“Ele se interessa pela vida das pessoas que moram na cidade”, argumentou St. Clair, citando acessibilidade financeira como sua principal preocupação.

“Ele tem novas ideias, como os supermercados… Talvez isso não dê certo. Mas acho inspirador que ele tenha novas propostas políticas, como os ônibus gratuitos”, acrescentou.

Ambos reviraram os olhos quando questionados se considerariam votar em Cuomo, destacando que as alegações de assédio sexual eram uma linha vermelha.

St. Clair disse que vê Cuomo como “muito interessado em poder e não interessado em melhorar a vida das pessoas que ele governa”.

Lopez concordou com um aceno de cabeça. Ela dá algum crédito a Cuomo por sua gestão da Covid-19, mas acrescentou: “Mas todo o resto… Ele precisa se aposentar, sentar, ir embora”.

Disputa pelo Bronx, de maioria hispânica

O Bronx é o quarto entre os cinco distritos em população e tem maioria hispânica.

É o mais pobre dos cinco; sua renda média anual (US$ 49 mil) é menos da metade da registrada em Manhattan.

A família de Gil Teitel abriu a Teitel Brothers, uma mercearia italiana na Arthur Avenue há 110 anos. Teitel é um republicano registrado e eleitor de Trump. Mas disse que poderia votar em Cuomo se, no final, acreditar que pode vencer.

Teitel não é fã de Cuomo, mas comentou que está preocupado que as políticas de Mamdani prejudiquem a economia.

“Ele vai aumentar os impostos sobre imóveis. Ele vai congelar aluguéis. Mas então como você vai pagar impostos imobiliários (mais altos)?… Ele vai taxar os bilionários”, destacou.

“O que impede os bilionários de deixarem Nova York?”, questionou.

Caminhamos alguns quarteirões desde a Teitel Brothers e encontramos uma oficina mecânica muito movimentada – e mais eleitores de Trump de 2024 que planejam apoiar Cuomo na disputa pela prefeitura, parte de uma importante mudança entre eleitores trabalhadores de minorias em todo o país.

Trump conquistou apenas 27% dos votos do Bronx em 2024, mas foi um aumento em relação aos 16% de 2020.

Ennen Gaynauth é pintor na oficina, funcionário há 25 anos e apoiador de Trump.

“Vou votar no Cuomo porque ele tem mais experiência”, disse Gaynauth.

Ele afirmou que Mamdani parece ser uma boa pessoa, mas se preocupa que ele seja muito jovem e inexperiente para um cargo tão importante.

“Não queremos pessoas brincando com a cidade, sabe?”, disse.

Jose Hernandez é outro eleitor de Trump na oficina. Ele tem 47 anos de experiência em funilaria, trabalhando em uma Mercedes branca enquanto discutia a disputa pela prefeitura. Também apoia Cuomo.

“Mamdani — ele fala demais. Não acredito quando as pessoas falam demais. Prometem muitas coisas”, pontuou.

Disputa por Staten Island, o menor distrito e reduto conservador

Staten Island é, de longe, o menor dos distritos, com uma população de quase 500 mil habitantes.

É o segundo depois de Manhattan em termos de renda média anual. É o reduto conservador da cidade – vencido por Trump em suas três candidaturas presidenciais.

A angústia dos republicanos de Nova York é mais palpável aqui, especialmente entre os fortes apoiadores do presidente.

A maioria não acredita que Sliwa tenha chance, mas votar em um Cuomo é especialmente difícil de aceitar.

Matthew Dreisch adoraria ver Sliwa ganhar, mas sabe que suas chances em Nova York são pequenas. Dreisch vê Cuomo como “o menor dos males” em comparação com Mamdani.

Segurança pública é sua principal preocupação.

O mesmo vale para Kevin Marshall, um agente penitenciário aposentado que, como Dreisch, é eleitor de Trump e republicano de longa data. Mas ele está tendo mais dificuldade para decidir.

Marshall disse que teme o impacto de uma vitória de Mamdani. “Esse cara está falando em esvaziar as prisões”, alegou.

“É assustador para muitas pessoas pensar que esse cara poderia se tornar nosso prefeito”, acrescentou.

Marshall concorda com Dreisch. “Não acho que Curtis Sliwa tenha chance”, destacou. Mas ele nunca votou em Mario Cuomo durante sua longa trajetória na política de Nova York, e agora está atormentado com a ideia de votar em Andrew Cuomo.

“Estou simplesmente preso. Preso no purgatório… Nunca votei em um Democrata”, comentou.

Joe Rinaldo costuma estar no balcão do Island Coffee Shop, um estabelecimento histórico de Staten Island.

Ele também é republicano e apoiador de Trump. Mas mantém esperanças em Sliwa e espera que um número suficiente de nova-iorquinos adote seu teste para o próximo prefeito.

“Meia-noite, você está em um trem”, disse Rinaldo. “Três bandidos entram no trem. Você quer o Mamdani com você no outro vagão? Ou você quer os Anjos Guardiões? Me diga quem você quer”, adicionou.

Abelardo Alemin e sua esposa, Elizabeth, estão sentados em uma mesa junto à janela.

Eles votarão em Mamdani e dizem que a união é sua questão mais importante. Alemin espera que seu voto envie uma mensagem clara para Trump.

“Se Mamdani vencer, provavelmente seria um alívio para nossa comunidade de imigrantes”, disse Alemin. “Isso nos daria esperança para continuar aqui”, pontuou.

Alemin olha ao redor para os clientes tomando café da manhã enquanto um visitante pergunta sobre os apoiadores de Mamdani: “Você acha que vocês são minoria aqui em Staten Island?”.

Alemin abre um sorriso e responde sem hesitar: “Sim, somos.”

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