Há apenas três anos, os Estados Unidos reconsideravam abertamente a relação com a Arábia Saudita. O presidente Joe Biden havia prometido transformar Mohammed bin Salman em um pária. Até mesmo as vendas de armas para um dos parceiros militares mais próximos dos Estados Unidos foram colocadas sob revisão.
Nesta semana, o príncipe herdeiro e líder da Arábia Saudita encontrou um cenário diferente ao entrar no Salão Oval — um em que o presidente Donald Trump o defendeu tão enfaticamente que repreendeu uma repórter por “envergonhar nosso convidado” quando ela insistiu em questionar sobre o assassinato do colunista do Washington Post, Jamal Khashoggi.
Para além do teatro no Salão Oval, o conteúdo dos anúncios da administração revela a verdadeira história da notável reabilitação de bin Salman em Washington.
Também destaca a disposição de Trump em superar o episódio Khashoggi e aprofundar as relações com um reino que prometeu quase um trilhão de dólares em investimentos nos EUA e mantém laços comerciais com sua própria família.
A visita também evidencia a crescente influência do príncipe herdeiro e sua habilidade em navegar com destreza pelas rivalidades entre as grandes potências em seu próprio benefício.
Relação com Israel
Talvez sua maior vitória tenha sido persuadir Trump a abandonar a única condição que Washington havia há muito insistido antes de fechar importantes acordos de defesa e comércio com Riad: a normalização completa com Israel.
A mudança marca mais uma reversão em relação a apenas um ano atrás, quando o governo Biden insistia que qualquer acordo abrangente entre Estados Unidos e Arábia Saudita só poderia avançar se todos os três componentes — acordos bilaterais de defesa e comércio, normalização saudita com Israel e um compromisso israelense com um caminho para um Estado palestino — progredissem em conjunto.
Com Israel rejeitando a perspectiva de um Estado palestino e a Arábia Saudita se recusando a flexibilizar sua posição, a estrutura do acordo estagnou.
Agora, o governo Trump parece ter desvinculado esses componentes, concedendo a Riad a maior parte do que há muito tempo buscava em termos de defesa, economia e segurança regional.
Esta semana, Trump designou a Arábia Saudita como Aliado Importante Extra-Otan, avançou com planos de vender caças F-35 “muito similares” aos operados por Israel e assinou um novo Acordo de Defesa Estratégica.
Em um aceno ao foco singular de Riad em reestruturar sua economia para além da dependência do petróleo, os dois países lançaram uma estrutura de cooperação em Inteligência Artificial que inclui a liberação da venda de chips avançados para o reino, assinaram um acordo sobre minerais críticos e abriram caminho para expandir a cooperação em energia nuclear.
O presidente americano também atendeu aos pedidos regionais de bin Salman, enquanto o príncipe herdeiro tenta remodelar o panorama de segurança do Oriente Médio, concordando em ajudar a encerrar a guerra civil no Sudão.
No Salão Oval, bin Salman enquadrou os novos acordos como benéficos tanto para os Estados Unidos quanto para a Arábia Saudita.
“Hoje é um momento muito importante em nossa história”, declarou bin Salman no Salão Oval na terça-feira (18), sentado ao lado de Trump.

O que a Arábia Saudita não conseguiu
Embora o príncipe herdeiro saudita tenha recebido quase tudo que tenha ido buscar dos EUA, houve duas exceções notáveis: luz verde para enriquecimento doméstico de urânio para futuras usinas nucleares e um compromisso formal de defesa.
Os Estados Unidos há muito relutam em apoiar um programa nuclear saudita que inclua enriquecimento doméstico de urânio — um processo que pode produzir material para bombas se purificado em altos níveis — mas a CNN apurou que Riad reluta em abrir mão desse direito, citando seus substanciais depósitos de urânio.
O Secretário de Energia dos EUA, Chris Wright, disse à Fox News na quarta-feira (19) que o acordo não inclui enriquecimento doméstico.
Entre os aliados árabes de Washington, o Catar tem a relação de defesa mais forte com os EUA.
O país abriga a maior base aérea americana na região, foi declarado Aliado Importante Extra-Otan em 2022 e, este ano, recebeu o mais forte compromisso de segurança americana para qualquer estado árabe, por meio de uma ordem executiva declarando que qualquer ataque armado à nação seria considerado “uma ameaça à paz e à segurança dos Estados Unidos.”
A CNN apurou que a Arábia Saudita busca um compromisso de segurança pelo menos tão profundo quanto este com Washington.
Uma fonte sênior saudita disse à CNN que o reino quer um acordo permanente que perdure além da presidência de Trump, uma medida que exigiria aprovação do Congresso.
Um comunicado da Casa Branca, no entanto, não mencionou qualquer obrigação de defender o reino.
“O que (bin Salman) supostamente deseja é um compromisso de defesa ratificado pelo Senado nos moldes do Artigo 5 da Otan”, escreveu Aaron David Miller, pesquisador sênior do think tank Carnegie Endowment, referindo-se à cláusula de defesa mútua da aliança. “A última vez que Washington estabeleceu algo assim foi há 65 anos, com o tratado EUA-Japão de 1960.”
Existem argumentos a favor de tal pacto, continuou ele. “Os Estados Unidos já entraram em guerra para proteger o petróleo saudita e do Golfo antes, um pacto de defesa poderia servir como elemento dissuasor contra futuros predadores, e manteria a Arábia Saudita alinhada aos americanos por anos, afastando nossos competidores Rússia e especialmente China.”
Riad olha para outras opções de parceria
Nos últimos anos, a Arábia Saudita tem sinalizado que está disposta a buscar parceiros de defesa além dos EUA caso Washington não assuma um compromisso mais forte com sua segurança.
No final de 2023, bin Salman foi explícito sobre a ameaça em uma entrevista à Fox News, dizendo que os EUA não “querem ver a Arábia Saudita transferindo seu armamento da América para outro lugar.”
Recentemente, Riad tem melhorado gradualmente suas relações com Pequim, culminando na surpreendente reaproximação entre Arábia Saudita e Irã na capital chinesa em março de 2023. A mensagem tem sido que Washington é a primeira opção de Riad, mas existem outras alternativas.
E no início deste ano, bin Salman deu continuidade à sua busca por diversificar parceiros de segurança, garantindo proteção do aliado muçulmano mais próximo de Riad, o Paquistão, potência nuclear. O acordo de defesa mútua marcou uma notável expansão da busca do reino por garantias de segurança além dos EUA.
Essa estratégia de diversificação não passou despercebida nos corredores do poder em Washington.
“Acho que é um movimento positivo”, disse o deputado Michael McCaul, uma importante voz republicana em política externa, sobre a crescente parceria de defesa entre Riad e Washington. “Porque atrair a Arábia Saudita como aliada dos Estados Unidos nessa direção, em vez de aproximá-la da China, também consolidará o processo de normalização em um mundo pós-Gaza.”
O think tank Eurasia Group afirmou em uma análise na semana passada que a relação EUA-Arábia Saudita é agora mais impulsionada pela competição entre grandes potências do que pela normalização com Israel.
“O reino tornou-se um parceiro estratégico fundamental na competição dos EUA com a China”, afirmou. “A convergência estratégica em curso entre Washington e Riad continuará sendo sustentada pelo papel que o reino pode desempenhar no apoio aos EUA em setores cruciais para a competição americana com a China.”
O grupo acrescentou que o cálculo de Riad sobre a normalização mudou, já que o sentimento público saudita em relação a Israel tornou-se mais negativo e o reino já garantiu muitos dos ganhos que esperava de Washington.
Na Casa Branca na terça-feira (18), Trump disse que recebeu uma “resposta positiva” de bin Salman sobre a normalização com Israel, mas afirmou que não usaria a palavra “compromisso”.
