A investigação da conduta das forças policiais no Rio de Janeiro tem causado atritos entre o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) e o MPF (Ministério Público Federal).
Para o órgão fluminense, tem ocorrido uma interferência nas suas atribuições, enquanto a instituição federal atua de forma guiada pela “ideologia” no que diz respeito ao tratamento com as polícias do estado.
O embate começou depois da megaoperação contra o crime organizado realizada no Rio de Janeiro no fim de outubro. A ação deixou 121 mortos e fez com que a pauta da segurança pública ficasse em foco nos Três Poderes nos últimos dias.
Depois da operação, o MPF, em conjunto com a DPU (Defensoria Pública da União), expediu um ofício ao governador do estado, Cláudio Castro (PL-RJ), para que ele prestasse informações sobre a operação.
O pedido causou descontentamento no MP-RJ, que acionou o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) para “retomar” a autonomia do órgão, argumentando que o controle externo das forças policiais do Rio era de competência do MP estadual.
Na ocasião, a conselheira Fabiana Barreto determinou, em decisão liminar, que o MPF se abstivesse de atuar em casos que implicassem em controle externo ou supervisão sobre polícias do estado que atuaram na megaoperação.
No entanto, no início de novembro, o conselho voltou atrás e reverteu a liminar dada, liberando o MPF para acompanhar a investigação sobre a operação.
Nesta semana, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), deu decisão monocrática citando o entendimento anterior do CNMP e o nome da conselheira Fabiana Barreto.
A decisão se deu no âmbito da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) das Favelas, ação que tramita no Supremo e questiona a violência policial em operações nas comunidades do Rio de Janeiro e busca estabelecer diretrizes para reduzir a letalidade policial.
Moraes afirma que os pedidos de informação do MPF “não se confundem com o exercício do controle externo da atividade policial estadual a ser exercido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro”.
Na prática, o magistrado disse que, de fato, o pedido por informações feito pelo MPF não é o mesmo que exercer controle externo das atividades policiais do Rio, o que seria competência do MP-RJ.
Críticas ao MPF
Na quinta-feira (11), o MPF publicou portaria assinada pelo subprocurador-geral da República, Nicolao Dino, irmão do ministro do STF Flávio Dino, instaurando um procedimento administrativo para apurar e responsabilizar policiais por violações de direitos humanos por meio do “fortalecimento de mecanismos institucionais” de controle da atividade da polícia.
Para o chefe do MP fluminense, o procurador Antonio José Campos Moreira, a portaria vai na contramão do que é dito pela decisão de Moraes.
Durante participação na 26ª edição do Congresso Nacional do Ministério Público, em Brasília, Moreira disse que não aceitaria que a “militância política ideológica se intrometa nas nossas atribuições com o escopo de nos desacreditar e de nos deslegitimar”.
Em vários momentos do seu discurso, Moreira acusou o MPF e, em especial, o subprocurador Nicolao Dino de atuarem com “compromisso com a ideologia”, e não com o órgão.
“O que esse cidadão pretende fazer é desmoralizar o Ministério Público do Rio de Janeiro”, disse na ocasião.
O procurador também acusou Nicolao de estar em um “consórcio” com a DPU, que, segundo ele, não cumpre sua missão constitucional e “quer ser um Ministério Público ideológico”.
“Esse procurador da República, que é um ativista, em consórcio com o defensor público da União, vai para a imprensa e, sem saber o que estava acontecendo, fala em chacina, fala em genocídio e começa a fazer o controle externo da polícia, expedindo ofícios ao governador do estado e aos secretários da área de segurança”, declarou.
Moreira sugeriu ainda que os integrantes do Ministério Público que têm interesse em política deveriam pedir exoneração e se filiarem a um partido político. Falou ainda no respeito às “atribuições dos outros”.
O MP-RJ apresentou, na sexta-feira (14) ao Supremo, uma petição questionando a portaria do MPF.
Assinada por Moreira, a petição afirma que os últimos atos da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, chefiada por Nicolao, têm o objetivo de criar uma “atribuição federal universal” e que o MPF parecer partir da premissa de que compete ele a “supervisão” das atividades do MP-RJ.
A petição foi apresentada no âmbito da ADPF das Favelas.
Reação
Em resposta às críticas e à petição, Nicolao encaminhou ao STF ofício destacando que a portaria não tinha o intuito de realizar o controle externo de atividade policial no Rio. O subprocurador apresentou ainda a retificação do texto.
Além do ofício, o MPF e o subprocurador também se posicionaram oficialmente sobre o caso. Assinada por Nicolao, a nota chama o pronunciamento do chefe do MPRJ de “ofensivo” e diz que a portaria tem o objetivo apenas de acompanhar as diretrizes fixadas na ADPF que tramita no Supremo.
A Anadep (Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos) também se manifestou. Em nota, a entidade repudiou as declarações do procurador e afirma que a defensoria não pleiteia espaço junto ao MP.
“A Defensoria Pública não tem por objetivo e não necessita confundir suas atribuições ou funções com as do Ministério Público. Isso porque a função defensorial é constitucional, precisa, específica e indeclinável: de promover os direitos humanos e defender em todos os graus, judicial e extrajudicial, de forma integral e gratuita, individual e coletiva, as pessoas em situação de vulnerabilidade, sendo instrumento e expressão do regime democrático”, diz a nota da Anadep.

