O uso da inteligência artificial está cada vez mais presente na rotina, inclusive na hora de montar uma dieta. Plataformas e aplicativos prometem cardápios personalizados em poucos segundos, mas a tendência acendeu um alerta entre especialistas.
O nutricionista Fernando Nunes, diretor do Conselho Federal de Nutrição (CFN), explica que o plano alimentar vai muito além de cálculos automáticos. “Um plano bem elaborado considera as características individuais, a rotina, o tipo de exercício, a cultura alimentar e o contexto social de cada pessoa”, afirma.
Segundo ele, por mais que a inteligência artificial elabore cardápios a partir de comandos detalhados, a determinação das necessidades energéticas e de nutrientes específicos exige critérios científicos que a tecnologia ainda não é capaz de prescrever de forma precisa e coerente.
A professora Renata Silva, do curso de nutrição da Universidade Católica de Brasília (UCB), reforça que as orientações geradas pela IA são genéricas e não levam em conta a individualidade de cada paciente.
“Para algumas pessoas, podem até parecer inofensivas, mas em indivíduos com condições específicas podem ser totalmente inadequadas, agravando quadros clínicos e causando carências nutricionais”, diz.
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Ela explica que, embora a IA ofereça informações básicas, não é capaz de adaptar a alimentação ao uso de medicamentos, à rotina ou às preferências alimentares.
“Um paciente diabético, por exemplo, pode receber orientações sobre o aumento de fibras, mas a IA não vai ajustar a dieta de acordo com o tipo de insulina, os horários das refeições ou o estilo de vida. Isso pode resultar em situações perigosas, como episódios de hipoglicemia”, destaca.
Outro risco é a falta de atenção a intolerâncias ou alergias. “Esses sistemas podem indicar alimentos potencialmente nocivos sem perceber, já que não há uma análise clínica real”, alerta Renata.
Além disso, os planos automáticos costumam seguir uma lógica puramente matemática. “O algoritmo pode gerar recomendações como 0,7 unidade de ovo ou seis fatias de pão, sem considerar a praticidade ou o contexto cultural do indivíduo. São dietas que podem até parecer saudáveis, mas não atendem de forma completa às necessidades nutricionais”, acrescenta.
Como funciona o aprendizado das IAs?
De acordo com Daniel Marques, diretor da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), os algoritmos de IA são treinados com grandes bases de dados que relacionam biomarcadores, hábitos alimentares, resultados metabólicos e preferências individuais.
“A IA reconhece padrões, mas não compreende o ser humano. Ela identifica probabilidades e correlações entre idade, peso, sono e gasto energético, mas não entende o significado real de bem-estar ou saciedade”, explica.
Segundo ele, a limitação mais importante está na falta de contexto clínico e emocional. “A IA mede o corpo, mas não compreende a pessoa. Pode gerar um plano nutricional metabolicamente perfeito e, ao mesmo tempo, psicologicamente insustentável. Ela é poderosa em cálculo, mas limitada em julgamento”, afirma.
Para que a tecnologia pudesse elaborar planos realmente seguros, seria preciso combinar três tipos de informações: biológicas, como exames bioquímicos e genéticos; comportamentais, que envolvem rotina, sono e preferências alimentares; e contextuais, relacionadas às condições socioeconômicas e ao histórico clínico.
“Mesmo com essa integração, o modelo ainda precisaria de acompanhamento profissional e de validação ética constante”, ressalta.
Quando a IA pode ser usada?
Para Renata, o uso mais adequado é como apoio educacional e informativo. “A tecnologia pode ser uma aliada na produção de materiais de educação alimentar, como cartilhas, ebooks e ilustrações que ajudam a promover hábitos saudáveis de forma acessível”, afirma.
Além disso, a IA também pode ser usada em ambientes acadêmicos, como ferramenta de aprendizado. “Ela ajuda na criação de casos e situações para análise em sala de aula, além de facilitar a busca por informações científicas que possam enriquecer o conhecimento do profissional”, aponta.
Importância da regulamentação
Para evitar o mau uso dessas ferramentas, os especialistas defendem que o avanço da tecnologia venha acompanhado de regulamentações claras. Segundo Fernando, o Conselho Federal de Nutrição já discute o tema.
“A inteligência artificial vem sendo debatida no âmbito do Conselho, com o objetivo de estabelecer consensos técnicos e científicos que possibilitem uma regulamentação adequada para o seu uso na área”, diz.
Renata afirma que cabe apenas ao nutricionista planejar, prescrever e supervisionar dietas para indivíduos saudáveis ou enfermos. “Por isso, é importante alertar a população de que somente esse profissional tem a formação necessária para ajustar a alimentação de forma segura”, conclui.
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Fonte: Metrópoles
