Aos 24 anos, Gabriel Oliveira luta para sobreviver a uma infecção grave no quadril enquanto aguarda a autorização do plano de saúde para realizar uma cirurgia criada há quase um século, chamada Girdlestone.
Diagnosticado com paralisia cerebral ainda bebê, Gabriel nasceu prematuro, aos seis meses de gestação, e recebeu alta mesmo necessitando de cuidados intensivos. Quinze dias depois, sofreu uma parada cardiorespiratória que privou seu cérebro de oxigênio e deixou sequelas permanentes, entre elas tetraplegia mista.
Apesar das limitações motoras, o jovem surpreendeu médicos e professores: estudou em escola especial, desenvolveu boa adaptação cognitiva e até ingressou na faculdade.
A vida estabilizada começou a mudar em 2021, quando Gabriel, cadeirante, desenvolveu lesões por pressão no quadril. As feridas cresceram, infeccionaram e exigiram internações, curativos diários e longos ciclos de antibióticos.
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Desde 2024, o tratamento se tornou ainda mais intenso, com medicamentos fortes e efeitos colaterais que se acumulavam sem resultado expressivo. A piora levou ao diagnóstico de osteomielite — uma infecção profunda do osso, descrita pela medicina há mais de três mil anos e ainda considerada um dos quadros ortopédicos mais difíceis de tratar.
Segundo o ortopedista Mário Soares, especialista em infecções osteoarticulares e membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), a osteomielite ocorre quando bactérias alcançam o interior do osso, seja pela corrente sanguínea ou pela abertura da pele — como acontece em feridas extensas.
Ali, esses microrganismos se instalam, destroem estruturas internas e matam o tecido ósseo. “Antibióticos sozinhos não resolvem. É como um canal dentário: você precisa remover o material comprometido, limpar e reconstruir”, explica o médico.
Em casos graves, como o de Gabriel, o risco de amputação ou até de morte tornam o tratamento cirúrgico urgente. Segundo o especialista, por causa da paralisia cerebral, Gabriel não pode receber uma prótese no quadril — procedimento que seria o mais indicado para reconstrução.
Cirurgia com técnica antiga ainda é a mais promissora
Pessoas com limitações motoras importantes têm maior risco de deslocamento da prótese, rejeição, complicações pós-operatórias e não ganhariam mobilidade adicional. Sem essa opção, resta apenas uma alternativa considerada o “último recurso”: a cirurgia de Girdlestone, criada em 1928 por Gathorne Robert Girdlestone, antes mesmo da descoberta dos antibióticos.
Cirurgia de Girdlestone: o que é e para quem é indicada
- Na cirurgia, é feita a remoção completa da articulação do quadril, deixando o fêmur sem conexão com a bacia.
- É indicada para pacientes sem condições de receber prótese, como pessoas com paralisia cerebral, quadros neurológicos graves ou pacientes com cobertura óssea ou de tecidos moles que impedem a prótese.
- Também é recomendada quando há infecções profundas, risco cirúrgico elevado ou impossibilidade de manter uma prótese.
- Principal objetivo: eliminar dor, retirar o foco infeccioso e preservar a vida.
O procedimento consiste em remover totalmente a articulação do quadril, retirando a cabeça do fêmur e desfazendo a ligação com a bacia. A perna fica mais curta e rodada para fora, e a função motora é reduzida — mas a dor desaparece e o foco de infecção é finalmente eliminado.
Com o tempo, cirurgiões passaram a preencher o espaço vazio com retalhos musculares para dar maior estabilidade, mas a essência da técnica permanece a mesma do século 20.
“É uma cirurgia que salva vidas. Alivia a dor intensa, elimina a infecção e permite que o paciente volte a se posicionar melhor na cama, reduzindo contraturas e facilitando cuidados básicos”, explica Soares.
Nos últimos anos, o tratamento da osteomielite avançou principalmente com o uso de antibióticos aplicados diretamente na ferida após a limpeza cirúrgica, alcançando concentrações centenas de vezes maiores do que as obtidas por comprimidos ou medicação intravenosa.
Técnicas modernas também se concentram na recuperação dos tecidos ao redor — pele, músculos e tendões — que são igualmente atingidos. Ainda assim, de acordo com Soares, esse tipo de infecção continua sendo um desafio global e poucos especialistas têm formação específica para lidar com casos complexos como o de Gabriel.
Enquanto aguarda a cirurgia, Gabriel enfrenta dor intensa, mobilidade ainda mais limitada e risco contínuo de agravamento da infecção. Sua mãe, Juliana Oliveira, 43 anos, cuida dele integralmente e trava uma batalha judicial para que o plano de saúde autorize o procedimento.
Gabriel Oliveira, 24 anos, e a mãe, Juliana, que luta ao lado do filho pela cirurgia de Girdlestone
A família acredita que, com a cirurgia de Girdlestone, Gabriel terá alívio da dor e a chance real de interromper o ciclo exaustivo de antibióticos que já dura quase um ano. Para eles, trata-se da única oportunidade de preservar sua vida e devolver um mínimo de conforto ao jovem que, apesar de todas as dificuldades, sempre encontrou maneiras de seguir em frente.
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Fonte: Metrópoles
