O canabidiol (CBD), composto derivado da cannabis, vem ganhando espaço no Brasil pelo potencial terapêutico e pelas dúvidas que ainda provoca. Mas, afinal, como a substância atua no organismo e o que muda quando ela é manipulada?
O psiquiatra André Botelho, do Sírio-Libanês, em Brasília, explica que o CBD participa de diferentes vias do sistema nervoso, principalmente no sistema endocanabinoide.
“O canabidiol influencia diretamente a liberação de neurotransmissores como serotonina, dopamina e GABA, mecanismos que ajudam a regular humor, memória, dor e respostas inflamatórias”, afirma.
Essa ação ampla favorece efeitos neuroprotetores. “Ele reduz neuroinflamação, facilita a formação de novos circuitos cerebrais e regula a plasticidade sináptica”, diz.
Segundo o especialista, o composto também modula respostas imunes e protege contra processos que podem causar dano aos neurônios. Não por acaso, substâncias à base de cannabis vêm sendo estudadas em ansiedade, epilepsia, inflamação cerebral e doenças neurodegenerativas.
Onde o canabidiol já tem eficácia comprovada
Apesar do interesse crescente, poucas condições contam com evidências realmente consistentes. A médica clínica Juliana Bogado, especialista em canabidiol, explica que as melhores provas científicas estão nas epilepsias refratárias específicas, como Dravet, Lennox–Gastaut e esclerose tuberosa.
“Nessas situações, o CBD já é aprovado como medicamento em formulações padronizadas capazes de reduzir crises convulsivas”, diz.
Para ansiedade, pesquisas iniciais sugerem efeito ansiolítico em doses definidas, embora os resultados ainda variem entre estudos. Em dor crônica, osteoartrite e dor neuropática, Juliana afirma que há indícios de ação analgésica e anti-inflamatória moderada.
Já em doenças como Parkinson, Alzheimer, esquizofrenia e esclerose múltipla, os sinais são promissores, mas insuficientes para recomendações clínicas. “Aguardamos estudos maiores, e acredito que eles não devem demorar”, indica a médica.
Diferenças entre CBD isolado, full spectrum e óleos artesanais
A composição de cada produto também influencia os efeitos. O CBD isolado contém apenas a molécula purificada, recurso útil quando se deseja evitar exposição ao THC (tetrahidrocanabinol).
Já as versões full spectrum concentram diversos canabinoides, terpenos e flavonoides presentes na planta. Em alguns casos, essa combinação parece gerar respostas melhores. Juliana cita que pacientes oncológicos em quimioterapia podem se beneficiar da presença do THC.
Os óleos artesanais, porém, são os mais arriscados. “A maioria não é testada. O paciente pode acreditar que está tomando uma dose quando, na verdade, está tomando outra completamente diferente”, alerta.
Além do risco de concentrações irregulares, há a possibilidade de contaminação por solventes, pesticidas, fungos e metais pesados.
Segundo a especialista, análises independentes mostram discrepâncias frequentes entre o teor rotulado e o real em amostras comerciais e artesanais. “Isso pode levar à falha terapêutica ou exposição maior que o esperado”, afirma.
Pequenas variações na preparação já alteram bastante o efeito final. Se o produto não passa por testes adequados, pode ficar muito fraco, forte ou conter impurezas não declaradas.
Outro ponto é a interação com outros medicamentos. “O CBD interfere no metabolismo de várias drogas. Por isso, sempre solicite o Certificado de Análise de cada lote e confirme a confiabilidade do laboratório”, orienta ela.
Por que a manipulação segue em debate
Mesmo com o avanço da pesquisa e a aceitação crescente do uso medicinal, a manipulação do CBD ainda gera discussões regulatórias no Brasil. De acordo com Juliana, isso ocorre porque o país ainda não dispõe de regras suficientemente rígidas para garantir segurança, rastreabilidade e qualidade.
“Não se trata de ser contra ou a favor da cannabis medicinal, e sim de garantir que o paciente receba um produto seguro, eficaz e confiável”, afirma.
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Fonte: Metrópoles

