Um medicamento utilizado há décadas para tratar outras doenças pode ajudar a retardar a morte de neurônios associada à doença de Alzheimer. A conclusão é de um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade do Colorado Anschutz, nos Estados Unidos, e publicado na última sexta-feira (19/12) na revista Cell Reports Medicine.
A pesquisa avaliou os efeitos do sargramostim, versão sintética da proteína GM-CSF, que atua na estimulação do sistema imunológico.
Embora as alterações nos neurônios cerebrais possam começar ainda no início da vida e se intensificar com o envelhecimento, os cientistas observaram que o uso do medicamento foi capaz de reduzir marcadores sanguíneos ligados à morte neuronal em pessoas com Alzheimer, além de melhorar uma das medidas de cognição avaliadas.
De acordo com o professor Huntington Potter, autor sênior do estudo e diretor do Centro de Alzheimer e Cognição da Universidade do Colorado Anschutz, o ensaio clínico mostrou mudanças detectáveis em exames de sangue e em um teste cognitivo em um intervalo relativamente curto.
Em comunicado, ele explicou que os resultados indicam a possibilidade de interferir em processos biológicos ligados ao avanço da doença, mesmo após o diagnóstico.
Alterações no sangue ao longo da vida
Para compreender melhor os efeitos do medicamento, os pesquisadores também analisaram dados de pessoas de diferentes idades. Eles observaram que proteínas liberadas na corrente sanguínea quando neurônios são danificados ou entram em processo de morte aumentam progressivamente ao longo da vida.
Uma dessas proteínas é a UCH-L1, associada à morte neuronal. Outra é a NfL, liberada quando há lesão nos neurônios. Ambas aparecem em baixas concentrações no início da vida e aumentam progressivamente com o envelhecimento, chegando aos níveis mais altos por volta dos 85 anos. Em fases mais avançadas, valores elevados de UCH-L1 estão ligados a piores desfechos cognitivos.
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Os cientistas também identificaram o aumento da GFAP, uma proteína relacionada à inflamação cerebral, a partir dos 40 anos. Chamou atenção o fato de que as concentrações desses marcadores associados à idade foram mais altas em mulheres, embora as razões para essa diferença ainda não sejam conhecidas.
Os achados reforçam a ideia de que parte do declínio cognitivo observado ao longo do envelhecimento está ligada a processos inflamatórios e à morte gradual de neurônios, mecanismos que também estão presentes na doença de Alzheimer.
Alzheimer é uma doença degenerativa causada pela morte de células cerebrais e que pode surgir décadas antes do aparecimento dos primeiros sintomas
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Por ser uma doença que tende a se agravar com o passar dos anos, o diagnóstico precoce é fundamental para retardar o avanço. Portanto, ao apresentar quaisquer sintomas da doença é fundamental consultar um especialista
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Apesar de os sintomas serem mais comuns em pessoas com idade superior a 70 anos, não é incomum se manifestarem em jovens por volta dos 30. Aliás, quando essa manifestação “prematura” acontece, a condição passa a ser denominada Alzheimer precoce
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Na fase inicial, uma pessoa com Alzheimer tende a ter alteração na memória e passa a esquecer de coisas simples, tais como: onde guardou as chaves, o que comeu no café da manhã, o nome de alguém ou até a estação do ano
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Desorientação, dificuldade para lembrar do endereço onde mora ou o caminho para casa, dificuldades para tomar simples decisões, como planejar o que vai fazer ou comer, por exemplo, também são sinais da manifestação da doença
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Além disso, perda da vontade de praticar tarefas rotineiras, mudança no comportamento (tornando a pessoa mais nervosa ou agressiva), e repetições são alguns dos sintomas mais comuns
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Segundo pesquisa realizada pela fundação Alzheimer’s Drugs Discovery Foundation (ADDF), a presença de proteínas danificadas (Amilóide e Tau), doenças vasculares, neuroinflamação, falha de energia neural e genética (APOE) podem estar relacionadas com o surgimento da doença
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O tratamento do Alzheimer é feito com uso de medicamentos para diminuir os sintomas da doença, além de ser necessário realizar fisioterapia e estimulação cognitiva. A doença não tem cura e o cuidado deve ser feito até o fim da vida
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Efeitos do sargramostim no Alzheimer
No ensaio clínico, o sargramostim foi administrado a pessoas com Alzheimer por um período curto. Durante o tratamento, os níveis sanguíneos de UCH-L1 caíram cerca de 40%, alcançando valores semelhantes aos observados no início da vida adulta. Esse efeito, no entanto, foi temporário e desapareceu após a suspensão do medicamento.
Apesar disso, os participantes que receberam o sargramostim apresentaram melhora em um dos testes cognitivos aplicados, o Mini Exame do Estado Mental. Essa melhora foi mantida mesmo 45 dias após o fim do tratamento, diferentemente do marcador sanguíneo, que voltou aos níveis anteriores.
Segundo os pesquisadores, o GM-CSF estimula a produção de células do sistema imune tanto na medula óssea quanto no cérebro e ajuda a modular a inflamação. Em modelos animais, o grupo já havia observado reversão do declínio cognitivo e redução da morte neuronal após poucas semanas de uso.
Limites e próximos passos
Os autores ressaltam que os resultados ainda são preliminares e não permitem afirmar se o medicamento é capaz de reduzir de forma sustentada a morte neuronal associada ao Alzheimer ou ao envelhecimento normal. Também não está claro se os benefícios dependem do uso contínuo da substância.
Um segundo ensaio clínico, mais longo e com maior número de participantes com Alzheimer leve a moderado, já está em andamento. Até que esses dados sejam analisados e avaliados por órgãos reguladores como a FDA, os pesquisadores afirmam que o sargramostim não deve ser utilizado fora das indicações já aprovadas.
Fonte: Metrópoles

